Intervenção do
deputado António Filipe
Prevenção da toxicodependência
14 de Janeiro de 1999
Senhor Presidente,
Senhores Deputados,
Alguns meses depois de Ter sido apresentado na Mesa da Assembleia da República, pelo Grupo Parlamentar do PCP, o projecto de
lei sobre prevenção primária da toxicodependência que agora me cumpre apresentar, foi publicitado o Relatório apresentado pela
Comissão para a Estratégia Nacional de Combate à Droga.
Procede esse documento a uma análise muito séria e fundamentada sobre o as políticas de prevenção primária das
toxicodependências em Portugal e extrai conclusões que não podem deixar de estar presentes neste debate.
Assim, corroborando conclusões apuradas num recente estudo elaborado pelo Professor Jorge Negreiros sobre as actividades de
prevenção do abuso de drogas em Portugal, a Comissão caracterizou globalmente a política nacional de prevenção pelos seguintes
aspectos:
- Pela predominância de intervenções inespecíficas, em regra de carácter vago e impreciso, de onde está ausente qualquer suporte
científico para a sua elaboração e aplicação.
- Pelo recurso a acções pontuais, frequentemente em meio escolar, organizadas a pedido de alunos e professores e, em regra, sem
uma estratégia definida, nomeadamente no que diz respeito à heterogeneidade da população-alvo e aos recursos existentes na
zona. São habitualmente colóquios, conferências e debates de carácter informativo, sem continuidade definida e a que assistem
sobretudo os docentes e discentes mais motivados.
- Pela ausência quase total de coordenação e articulação das acções em curso, de que resulta uma má planificação e
frequentemente uma duplicação de actividades.
- Pela deficiente formação dos técnicos envolvidos nas acções de formação.
- Pela escassez de materiais de prevenção devidamente testados e adaptados às realidades da população portuguesa.
- Pela ausência de contribuições da investigação para o delinear das estratégias preventivas.
- Pela pouca utilização dos conteúdos curriculares do Sistema de Ensino, a vários níveis, no sentido da informação e formação no
campo das toxicodependências.
- Pela ausência quase total de procedimentos de avaliação dos efeitos das intervenções preventivas. Algumas acções dizem-se
avaliadas, mas verifica-se não se ter ultrapassado uma simples avaliação do grau de satisfação dos participantes em relação às
actividades do programa.
Se este diagnóstico profundamente crítico não viesse de onde vem, ou fosse aqui referido sem a invocação da fonte, estou a ver
alguns dos senhores Deputados apoiantes do Governo a classificar este discurso de exagerado e a imputá-lo a má vontade do PCP
em relação às políticas governamentais.
Só que este diagnóstico, senhores Deputados, revela que não é só o PCP que critica a ausência de uma política coerente de
prevenção primária da toxicodependência. Também a Comissão para a Estratégia Nacional de Combate à Droga, nomeada pelo
Governo e composta por personalidades cujo mérito e conhecimento da matéria são indiscutíveis, reconheceu a necessidade de pôr
em prática uma política de prevenção das toxicodependências assente em bases substancialmente diferentes das actuais.
Não é outro o propósito do PCP. Conscientes da enorme insuficiência das políticas preventivas que temos conhecido, entendemos
estar em condições de contribuir para a sua alteração positiva através da apresentação deste projecto de lei.
Voltando ainda às conclusões da já referida Comissão, importa registar o bem fundado das suas propostas, quando apontam para o
desenvolvimento da prevenção dirigida essencialmente para o fim da infância e para a adolescência, com um maior envolvimento
das estruturas da Saúde, com o aprofundamento do estudo epidemiológico sobre o fenómeno do abuso de álcool e drogas, com a
articulação das estratégias preventivas face ao consumo de drogas ilícitas com um trabalho de prevenção do consumo de álcool
entre os adolescentes, com uma alteração radical da política de informação relativamente às drogas que evite a banalização e a
diabolização.
Senhor Presidente,
Senhores Deputados,
É hoje um ponto assente que as medidas a tomar no âmbito do combate à droga, quaisquer que sejam, devem basear-se numa
estratégia global, baseada na prevenção, no tratamento, na reinserção social e no combate ao tráfico e ao branqueamento de
capitais, devendo ter como objectivo enfrentar e fazer recuar a toxicodependência, evitar que mais indivíduos, particularmente
jovens, caiam na dependência das drogas, e procurar saídas para aqueles que se deixaram enredar neste percurso dramático.
Não é hoje concebível uma política de combate à droga em que não exista uma estreita articulação entre as entidades que, a
diversos níveis, se relacionam com este fenómeno. Não é hoje possível conceber uma política que pretenda ter alguma eficácia na
prevenção da toxicodependência, se não se encontrar forma de coordenar a prevenção primária, designadamente ao nível das
escolas, das comunidades locais, ou dos locais de trabalho, com a prevenção secundária, que deve passar por uma rede eficaz de
atendimento e comunidades terapêuticas e por uma cada vez mais forte articulação com o serviço nacional de saúde, com a acção
das polícias e do sistema judiciário, com a problemática do meio prisional, com a política de reinserção social e laboral.
Acontece porém que esta articulação está ainda muito longe da realidade. Não obstante alguns passos que têm sido dados em
diversos domínios, persistem ainda enormes desequilíbrios e "parentes pobres" da política de combate à droga, cujo atraso importa
rapidamente superar.
A discussão em torno da legislação vigente, tem-se centrado quase exclusivamente em torno de duas vertentes: O estatuto penal e
processual penal do consumo e tráfico de drogas e a rede de atendimento e tratamento de toxicodependentes. São evidentemente
questões da maior importância e em torno das quais o PCP tem apresentado diversas iniciativas legislativas. Porém, a política de
combate à droga não passa exclusivamente por aí, havendo igualmente que aperfeiçoar o nosso ordenamento jurídico, no que diz
respeito à prevenção primária e terciária, para além da necessidade de responder a situações que, pela sua acuidade, exigem
respostas inovadoras.
O presente projecto de lei do PCP tem como primeiro objectivo definir os princípios gerais a que deve obedecer a política de
prevenção primária da toxicodependência. Não se ignora que a prevenção mais eficaz está para além das políticas
convencionalmente chamadas de combate à droga e que se traduz em políticas que combatam as causas sociais mais profundas da
toxicodependência.
É evidente que as perspectivas e as condições de educação e de emprego que sejam oferecidas aos jovens; a qualidade de vida
que, particularmente nos meios urbanos, é oferecida às populações; as condições de acesso à criação cultural ou à prática
desportiva, ou as possibilidades de um desenvolvimento equilibrado do país são aspectos decisivos em matéria de prevenção
inespecífica da toxicodependência. No entanto, muito pode e deve ser feito ao nível das políticas específicas de prevenção, entregues
muitas vezes ao improviso e às boas-vontades, sem um plano global de coordenação e avaliação.
Importa em primeiro lugar definir legalmente as orientações fundamentais da política de prevenção, e para além disso, definir
competências, balizar as várias acções e vertentes da prevenção primária (prevenção em meio escolar, acção dirigida à juventude,
acção junto da comunicação social, prevenção em meio laboral, medidas de formação de interventores), e definir ainda mecanismos
de avaliação e participação.
Constituindo a política de prevenção primária uma vertente fundamental do presente projecto de lei, não esgota, porém, o seu
conteúdo. Dois outros aspectos devem também ser salientados:
Um, diz respeito à reinserção social e laboral, vertente indispensável de qualquer política de recuperação de toxicodependentes, que
não tem tido da parte dos poderes públicos a atenção que a sua importância amplamente justifica.
Um outro aspecto, que é também um dos aspectos mais inovadores da presente iniciativa, respeita à previsão de medidas de
intervenção em situações, áreas ou grupos de risco confirmado de expansão da toxicodependência.
Propõe assim o PCP que, a consideração por parte do Governo, de qualquer situação, área ou grupo de dimensão significativa, onde
estejam presentes factores que confirmem o risco de expansão epidémica de dependência de drogas com relevância acentuada no
tecido social, deve implicar a adopção de um plano global de intervenção capaz de responder às especificidades da situação
detectada.
O exemplos de intervenção como o que se verifica presentemente no Casal Ventoso, se outros méritos não tivesse, teria pelo menos
o de demonstrar a necessidade de uma intervenção global que, reunindo a contribuição de diversas entidades, permite encontrar
respostas integradas no terreno perante situações cuja gravidade exige de facto especial capacidade de intervenção e coordenação.
Entende por isso o PCP, que urge proceder ao levantamento de situações que justifiquem especiais medidas de intervenção, e
coordenar as intervenções realizadas através da criação de um dispositivo nacional de centros de apoio a toxicodependentes.
Com esta iniciativa, o Grupo Parlamentar do PCP pretende dar mais um contributo para dotar o nosso país de um ordenamento
jurídico de combate à droga mais completo, coerente e capaz de responder melhor a novas situações e desafios.
Disse.