Medidas de redução de risco para a toxicodependência: criação de salas de injecção assistida
Intervenção do Deputado Bernardino Soares
31 de Janeiro de 2001

 

Senhor Presidente,
Senhores Deputados,

As medidas de redução de danos constituem inegavelmente um aspecto importante de uma política de combate à toxicodependência. Num país onde a incidência da SIDA atinge os níveis mais elevados da Europa, sabendo-se que uma parte significativa dos portadores do HIV serão toxicodependentes; onde se constata o regresso em força da tuberculose, designadamente com características de especial resistência aos tratamentos mais usuais; onde outras doenças infecto-contagiosas fazem também o seu caminho, assume especial importância a consideração de medidas de redução de danos no consumo de drogas em situação de dependência.

A aplicação e o sucesso de medidas nesta área permitem, entre outras coisas, a diminuição da vulnerabilidade dos toxicodependentes a determinadas doenças, a restrição dos riscos para a saúde pública associados a esta área e a criação de condições para um tratamento ou recuperação do toxicodependente.

E aqui está precisamente um aspecto fundamental da questão da redução de danos e de qualquer medida adoptada nesta perspectiva. A redução de danos, tendo por si só um impacto directo na vida e em aspectos da saúde dos toxicodependentes, não pode nunca estar desligada de uma perspectiva permanente de encaminhamento para o tratamento e a recuperação. É este o objectivo final que deve ser a característica estruturante de toda a intervenção nesta área e que deve influenciar todas as medidas adoptadas. Não podemos nesta matéria admitir qualquer risco de sobrepor à perspectiva da recuperação e reinserção social, a vontade de diminuir a visibilidade pública do fenómeno.

Dentro destes princípios queremos dizer que não temos nenhuma oposição de princípio em relação às medidas propostas e hoje aqui em discussão. Consideramos que elas devem ser enquadradas quer numa perspectiva mais ampla de um plano global e coordenado de redução de riscos, quer numa perspectiva de encaminhamento para o tratamento.

A proposta do Bloco de Esquerda deve portanto na nossa opinião ser considerada no seio de uma planificação global e não como medida isolada. Por outro lado deveria ter mais vincada a filosofia de encaminhamento para o tratamento que não deve estar reduzida à mera prestação de informações aos toxicodependentes sobre os locais de tratamento. É preciso um comprometimento mais profundo destas iniciativas e dos técnicos que nelas trabalham com o objectivo final do tratamento. E em relação às propostas de implantação de salas de injecção assistida julgamos que seria avisado que elas tivessem numa primeira fase um carácter experimental, que uma iniciativa completamente inovadora entre nós como é esta merece, e que permitisse uma avaliação e eventual correcção daqui a algum tempo.

A proposta dos Verdes merece a melhor atenção dado que incide sobre uma temática de manifesta importância e em relação à qual vigora uma certa indefinição na política do Governo. Os problemas de saúde que se vivem nas prisões não podem ser ignorados. De resto é preciso lembrar que há uma lei desta Assembleia aprovada por proposta dos Verdes que prevê a troca de seringas e que o Governo preferiu ignorar.

É verdade que é preciso considerar as questões de segurança que eventuais medidas esta natureza podem vir a levantar. Mas também é verdade que o problema de saúde que continua a existir nas prisões tem de merecer uma resposta que não pode ser indefinidamente adiada. O projecto dos Verdes apresenta de facto uma solução para a questão da segurança, embora introduza com a solução prevista um problema de identificabilidade dos toxicodependentes que deve também ser tomado em consideração. O projecto dos Verdes dá um contributo nesta matéria que é uma base de partida mas que também deve ser enquadrado numa perspectiva integrada e porventura merecedor de uma fase experimental.

Esta é portanto uma matéria de importância decisiva mas que não ganha com abordagens isoladas. Para essa concepção global, que evidentemente se tem de concretizar em medidas concretas, em que se podem incluir as que hoje aqui se discutem, que o PCP está disponível para contribuir.

Disse.

(...)

Sr. Presidente,
Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros,

Com as declarações feitas nesta intervenção de V. Ex.ª fico mais satisfeito em relação à perspectiva de tratamento que deve estar presente, porque, de alguma forma - e ainda bem! -, contradizem uma certa ideia que pareceu perpassar em algumas declarações à comunicação social, na operação mediática que o Governo montou nos últimos dias, e que, porventura, valorizariam mais uma certa menor visibilidade do fenómeno da toxicodependência, o que me parecia ser um caminho um pouco perigoso.

Em primeiro lugar, e para além disto, quero perguntar-lhe, Sr. Secretário de Estado, algo que tem a ver com o seguinte: foi anunciado pelo Governo e dito, agora, pelo Sr. Secretário de Estado que esta questão das salas de injecção assistida terá, do vosso ponto de vista, muito mais sentido como iniciativa municipal ou privada, ao referirem que não perfilham uma visão estatizante. Ora, julgo que é extremamente redutor, numa matéria como esta, em que, do nosso ponto de vista, é preciso algum carácter experimental, nos primeiros tempos, para vermos como é que à nossa realidade se adequam soluções deste tipo, o Governo ter já decidido que um organismo como o Serviço de Prevenção e Tratamento da Toxicodependência, prestigiado e conhecedor como é, não deve ter mais do que uma intervenção reguladora e não pode ter um papel mais importante nisto. Esta parece-me uma visão redutora e alicerçada nesse jargão de «não temos uma visão estatizante», que não serve para muitas coisas e que, para esta, manifestamente não serve.

A minha outra questão tem a ver com a forma como este debate vai decorrer. Acho muito bem que haja uma ampla base de discussão nesta matéria - esteja o Sr. Secretário de Estado certo que, da nossa parte e certamente da de outros grupos parlamentares, queremos ter uma participação muito positiva nesse debate (nas suas palavras) -, mas é preciso que, para isso, o Governo assuma definitivamente que vai apresentar uma proposta de lei à Assembleia e não vai legislar de per si, ignorando este debate alargado, que aqui também se pode fazer.