Projecto de Lei nº 460/VII, do PSD, de
alteração à Lei Orgânica sobre Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal
Constitucional
Intervenção da deputada Odete Santos
18 de Fevereiro de 1998
Senhor Presidente,
Senhores Deputados,
O Tribunal Constitucional é um órgão de soberania, de inegável relevância na
vida política, pois lhe competem as funções de guardião da Constituição, no
uso das quais, o Tribunal profere decisões com força política, condicionadoras
do comportamento de órgãos de direcção política.
À dignidade conferida ao Tribunal pela Constituição, deve corresponder, com
não menor dignidade, o debate pela Assembleia da República da Lei Orgânica do
mesmo.
Pode afirmar-se que o debate que se faz hoje do Projecto de alterações daquela
Lei , apresentado pelo P:S:D., não ficará marcado na História do Tribunal Constitucional
como um momento em que se concentraram a relevância da Justiça Constitucional
e a relevância que à mesma é atribuída pela Assembleia da República.
Esta afirmação nada tem a ver com a avaliação que fazemos de algumas propostas,
com a qualidade da intervenção dos Senhores Deputados, com o trabalho da 1ª
Comissão, com a análise profunda que os Deputados da mesma puderam fazer com
o Senhor Presidente do Tribunal Constitucional.
Mas a verdade é que se os intervenientes nos trabalhos preparatórios do debate
puderam fazer a abstracção, nos escassos dias que mediaram entre a apresentação
do Projecto e o debate de hoje, do pano de fundo que se desdobrou hoje neste
hemiciclo, a verdade é que não pode esquecer-se, ninguém esquece, a opinião
pública sabe, que por detrás de tudo isto está um negócio acertado entre o P.S.
e o P.S.D., liderado não se sabe por quem ( mas também não interessa) e celebrado
não se sabe quando ( mas também não importa ).
O debate perde assim a seriedade do conteúdo das intervenções, porque os intervenientes
sentem-se deslocados numa cena que não corresponde ao tema que julgam debater.
Uma cena que não corresponde à dignidade do Tribunal Constitucional.
Todos sabem, de facto, que é hoje, aqui na Assembleia da República que o Partido
Socialista se apresta a por a sua firma numa lei, enquanto empurra para o quarto
dos fundos, como um problema menor, a urgência de resolver graves problemas
de saúde pública das mulheres portuguesas.
Todos sabem que o PS quer receber hoje a moeda de troca do referendo sobre a
despenalização do aborto. Enquanto o P.S.D. recebe a libra de carne do Mercador
de Veneza.
Os principais protagonistas deste negócio comportaram-se como aquele barqueiro
vicentino gritando : À Barca, à barca, que temos gentil maré.
Mas como todas as farsas visam o objectivo de castigar os costumes, da mesma
retiramos a conclusão que se impõe:
Debate sobre as soluções propostas para o Tribunal Constitucional não podia,
não devia, processar-se neste quadro.
E é isto que condiciona a nossa posição relativamente ao Projecto de Lei em
discussão.
Seguramente que nos mereceram a melhor atenção propostas destinadas a conferir
maior eficácia e celeridade à Justiça Constitucional. Como os novos poderes
conferidos ao Presidente do Tribunal Constitucional, na elaboração de memorando
sobre as questões a suscitar e resolver no Acórdão que, discutido pelos Juizes,
fixará a orientação do Tribunal no caso em apreço. Ou como os novos poderes
dos Relatores nos processos de fiscalização concreta, que moderarão a proverbial
morosidade da Justiça, a que também não foge o Tribunal Constitucional, dado
o extraordinário afluxo de processos.
Seguramente que nos debruçámos sobre as soluções destinadas a garantir a celeridade
dos processos dos arguidos em prisão preventiva, e daqueles considerados urgentes.
Interrogámo-nos sobre se a melhor solução para criar aos cidadãos confiança
na justiça, aproximando o momento da primeira decisão judicial do momento da
sua execução, seria a constante do Projecto no sentido de substituir, excepcional
e oficiosamente., o efeito suspensivo do recurso pelo efeito devolutivo, ou
se seria preferível a solução de fazer subir os autos ao Tribunal Constitucional,
imediatamente, logo que arguida qualquer inconstitucionalidade.
Assistimos, embora desapaixonadamente, à grande pugna sobre a opção pela lista
fechada ou pela lista aberta, sendo certo que até aí se percebia que ainda assim,
o P.S.D. tentava receber alguns trocos no contrato de mútuo minutado.
Nas alterações propostas em resultado da Revisão Constitucional, procurámos
os justos limites decorrentes da própria Revisão, e do Estatuto conferido aos
Partidos pela Constituição.
Organizando a vontade popular, e exprimindo essa mesma vontade, aos Partidos
a Constituição continua a garantir a liberdade externa e interna, apertadas
regras no que toca à fiscalização desta última. A Constituição continua a garantir
a pertença real a um Partido e não apenas uma inscrição meramente formal.
Dado o relevo que a Constituição atribui aos Partidos na Estrutura do Estado,
a Constituição continua a garantir-lhes a impossibilidade de qualquer controlo
ideológico- programático.
A prudência das alterações introduzidas ao artigo 51º da Constituição, que,
quanto ao nº 5, inscreveram no texto Constitucional apenas princípios e não
regras jurídicas.
Princípios que, sendo de textura aberta, como escreve o Professor Gomes Canotilho,
conhecem diferentes graus de concretização permitindo a ponderação e harmonização
de valores e interesses.
Esta cautela do legislador constitucional nas alterações que introduziu ao artigo
51º, leva necessariamente ao uso de um critério de interpretação da alínea h)
do artigo 223º da Constituição que coloca justas interrogações e dúvidas, e
creio que mesmo aos próprios proponentes, relativamente à conformidade das soluções
propostas com o próprio texto da Lei fundamental.
Porque há soluções que claramente configuram uma intromissão na actividade política
dos Partidos, inadmissível face ao seu papel na organização e expressão da vontade
popular.
Compreende-se que isto aconteça porque se está a legislar substantivamente em
lei processual.
E esta não é, de facto, a melhor forma de definir os limites da intervenção
do Tribunal na liberdade interna dos Partidos.
Esta não é a melhor forma de apurar um texto que garanta o papel estruturante
dos Partidos na formação da vontade política.
Não é a melhor forma, por se tratar de uma lei adjectiva.
E também não é a melhor forma para resolver estas e outras questões relativas
à orgânica do Tribunal Constitucional, porque todo o negócio começou, clandestinamente
, sobre a seriedade dos problemas das mulheres, criados pelo aborto clandestino.
Disse.