Alteração ao regime das inelegibilidades para a eleição dos órgãos das autarquias locais e aditamento de um novo motivo de suspensão do mandato dos titulares desses órgãos
Intervenção de Bernardino Soares
15 de Dezembro de 2005

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

O PSD apresenta, hoje, uma inicia-tiva anunciando-a como de combate a situações de populismo e demagogia, mas a verdade é que a inicia-tiva apresentada é ela própria populista e demagógica. Mais do que isso, é um projecto de lei de má cons-ciência, porque vai ser aprovado por aqueles partidos nos quais têm origem os casos em que estão a pen-sar quando apresentam este diploma. E é essa má consciência perante os eleitores e os portugueses que os leva a ter a necessidade de apresentar aqui esta iniciativa como forma de procurar ocultar as responsa-bilidades que têm no potenciar de fenómenos que aconteceram nas últimas eleições e que, a tempo, não quiseram travar nos seus próprios partidos. São, no fundo, os criadores que querem agora esconder a cria-ção das criaturas que pretendem atacar com este projecto de lei!

E fazem uma coisa muito grave: independentemente da intervenção agora proferida pela bancada do PSD, o facto é que este projecto lei e que aqueles que o aprovem contribuirão para o anátema que está a ser lançado sobre os autarcas, para a ideia de que, quando há autarca, há corrupção.

É esta a ideia que procuram cavalgar junto da opinião pública! Embora nunca o digam explicitamente, sabem que é isso que querem fazer crer com esta iniciativa e com outras intervenções.

Aliás, importa perguntar se os problemas que aconteceram antes das últimas eleições ocorreram por fal-ta da lei que é hoje aqui proposta. Importa saber se foi por isso, ou se por mau funcionamento da justiça, que houve uma fuga à prisão preventiva, que há um processo sobre dinheiros no estrangeiro que está em parte incerta ou que há um processo que não chega à acusação definitiva por falta de meios.

Portanto, importa saber se a razão para que estes processos estejam neste ponto é o mau funciona-mento da justiça ou se é a falta da lei que agora, miraculosamente, o PSD aqui propõe, com o apoio do PS, para que venha resolver todos estes problemas, problemas que, se não fosse assim, na ideia do PSD e do PS, não poderiam ser resolvidos. Isso é falso! O que está por resolver é um problema de mau funcionamen-to da justiça, eventualmente, nestes casos e que não se resolve atacando as liberdades e os direitos políti-cos.

Aliás, esta iniciativa tem evidentes deficiências, e quero referir-me apenas a uma, quando se diz que é preciso equiparar na suspensão os autarcas aos Deputados e membros do governo. A obriga-toriedade de suspensão dos Deputados e membros do Governo tem que ver com o facto de a sua imunida-de não permitir que sejam julgados enquanto estão no exercício desses cargos. Ora, os autarcas podem ser julgados no exercício desses cargos, e por isso existe essa diferença.

Há um ponto fundamental neste projecto de lei, o da violação da presunção da inocência, ainda por cima no caso particular e grave dos direitos políticos, em que a Constituição impõe um critério estrito, rigoroso e muito fechado em relação a excepções ao seu pleno exercício.

É uma limitação especialmente melindrosa e é precisamente aqui que, à revelia deste princípio e desta limitação e cautela constitucional, o PSD e o PS querem avançar contra a presunção da inocência destes cidadãos.

No fundo, trata-se de instituir aqui uma penalização a priori que é irrecuperável para o próprio cidadão e para as forças políticas que ele representa — essa é que é a verdade! — e que pode ter efeitos políticos enormes num processo eleitoral, mesmo que fundada num erro, numa má avaliação ou numa avaliação subjectiva, que acaba por não ser confirmada, das instâncias judiciais. É esse perigo que os senhores que-rem introduzir na vida política.

O Sr. Deputado Aguiar Branco falou, na apresentação deste projecto, em concretizar a «vibração da sociedade». Então, quando estes senhores a que se querem referir eram vossos candidatos, não sentiam essa «vibração da sociedade» para concretizarem o seu afastamento das vossas listas, que só tardiamente aconteceu? Então, essa «vibração» só vos surgiu agora, depois das eleições e de todo este processo de vários anos?

Aceitamos discutir, com propósitos sérios, normas que, eventualmente, sejam insuficientes nesta maté-ria, sempre com base na questão do caso julgado, sempre respeitando a presunção da inocência. Mas não aceitamos entrar nesta operação demagógica da iniciativa do PSD, a que o PS, infelizmente, se associa, que está aqui, hoje, a ser discutida.

Não estamos de acordo com a politização da justiça — como, certamente, iremos discutir em breve — nem que se abram portas a uma qualquer abusiva «judicialização» da política. Para isso não contam com o PCP! E podíamos muito bem estar aqui, depois do que se passou nas últimas eleições e da postura que adoptámos nessa batalha eleitoral, a capitalizar por esta via demagógica que os senhores ago-ra propõem. Mas preferimos não fazê-lo, porque o que está aqui em causa é um assunto muito sério da democracia: é um assunto dos direitos políticos e da democracia política, que não pode ser posto em causa por um mero proveito demagógico e populista de outras demagogias e de outros populismos, que, afinal, têm a origem nos mesmos que hoje, aqui, propõem aquilo que outros já fizeram.