Limitação de mandatos executivos
Intervenção de Abílio Fernandes
5 de Maio de 2005
Permita-me Sr. Presidente, sendo a 1ª vez que intervenho, cumprimente V.Exa., como digníssimo Presidente desta Assembleia, que saúde todas as deputadas e deputados e, imbuído da minha qualidade de membro do Conselho de Administração, faça uma saudação particular a todos os trabalhadores desta casa.
Senhor Presidente,
Senhores Deputados,
A questão da limitação de mandatos executivos tem sido nos últimos tempos alvo de inúmeras discussões, por vezes argumentos sinceros e construtivos, outras vezes com linhas demagógicas e mistificadoras do verdadeiro significado destas propostas. O que não é aceitável é discutir esta questão a pensar nos casos extremos que por si só não podem justificar a generalização.
É importante desde logo rejeitar a linha de desvalorização do Poder Local democrático e o anátema generalizado contra os autarcas, que perpassou em muitos pontos da discussão desta matéria, nos últimos meses e anos. Não se nega que podem existir fenómenos de abuso de poder e da sua utilização para a perpetuação do titular do cargo. Mas é justo considerar que a permanência no cargo durante vários mandatos também pode resultar, e em muitos casos resulta, do reconhecimento do trabalho feito e da identificação com a forma de exercício do mesmo.
O Poder Local saído da Revolução e da Constituição de Abril tem contribuído decisivamente para o desenvolvimento e a melhoria da qualidade de vida dos portugueses.
As contribuições dadas pelo Poder Local constituem um valioso património de progresso e desenvolvimento das aldeias, vilas, cidades e municípios de todo o País ao longo destes 28 anos. Apesar das limitações de vária ordem vêm demonstrando uma vitalidade, uma apegada ligação às populações na defesa dos seus interesses, uma dedicação à causa pública inexcedível, a defesa do património herdado e natural, a recuperação histórica e tradicional dos usos e costumes, a resposta pronta às iniciativas dos agentes económicos, sociais e culturais na área das suas competências. Percorramos o País e registemos uma das maiores riquezas asseguradas pelas autarquias: a elevação generalizada da qualidade de vida urbana dos munícipes.
As propostas de limitação de mandatos agora apresentadas procuram cimentar a ideia de que a aplicação desta medida iria ter impacto significativo na prevenção de abusos, caciquismo e comportamentos ilegítimos visando a perpetuação no poder, bem como na imunização dos poderes executivos aos interesses económicos e às suas influências.
Ora isso está por provar. Não podemos assim dizer que essa inelegibilidade que agora se propõe seja necessária, e muito menos indispensável para, conforme diz a Constituição, “garantir a liberdade de escolha dos eleitores e a isenção e independência do exercício dos respectivos cargos”.
Se não vejamos:
Trata-se de uma limitação aos direitos individuais dos cidadãos e aos próprios partidos, pois cabe a cada um a responsabilidade de assumir as escolhas dos seus candidatos aos órgãos autárquicos. Não concordamos que se limite tal responsabilidade dos partidos e se procure pela via administrativa resolver o que deve estar reservado à vontade expressa das populações.
Este é o princípio que julgamos dever manter-se quanto aos cargos executivos.
Ignora o princípio constitucional da colegialidade, ainda mantido em muitas autarquias, apesar das várias revisões e da legislação posterior, que contribuíram negativamente para a tendência presidencialista hoje determinante em alguns órgãos executivos, e abriram caminho para algumas das perversidades que agora são admitidas nas propostas em discussão e se anuncia querer travar com a limitação de mandatos.
Aliás a limitação de mandatos dos presidentes dos órgãos executivos num determinado município em nada impede que estes venham a assumir tal responsabilidade no município vizinho.
E não se confunde com o princípio da limitação de mandatos do Presidente da República. As eleições para os órgãos executivos autárquicos não têm carácter unipessoal e independente de qualquer outro órgão, como acontece com a presidência da República. Mas é que os órgãos autárquicos são sujeitos à tutela respectiva, e a fiscalização dos seus actos é garantida pelo órgão colegial a que pertence.
A verdadeira solução não está na limitação de mandatos, está sim no combate à subordinação do poder político ao poder económico e aos seus interesses, através da consolidação e reforço dos instrumentos quea actual lei prevê de fiscalização e controlo dos órgãos executivos como são:
A composição multipartidária dos órgãos executivos, o estímulo ao acompanhamento por parte dos munícipes que neles se vêem reflectidos, o papel fiscalizador das Assembleias Municipais cujas competências aliás devem ser reforçadas, a fiscalização que cabe aos diversos ministérios governamentais, a fiscalização e julgamento do Tribunal de Contas e o recurso aos tribunais por parte de qualquer cidadão que se sinta lesado, permitem prevenir muitas das situações perversas que estão a ser apontadas.
A limitação de mandatos em autarquias que cumprem o programa eleitoral sufragado pela população, que planificam com a participação dos municipes, que prestam contas com regularidade, que revelam um funcionamento transparente, que congregam um esforço colectivo unitário, que reforçam constantemente a confiança democrática no respeito pelas diversas opções partidárias dos seus munícipes, que implementa rigorosamente os planos e projectos aprovados, a limitação de mandatos frustra de facto a vontade soberana das populações.
Quando estas mudanças se dão por vontade dos próprios cidadãos reforça-se a responsabilidade colectiva, a consciencialização do cidadão sai aumentada, e a democracia portuguesa sai fortalecida.
A Associação Nacional de Municípios Portugueses, que não foi ouvida sobre esta proposta do Governo e que a rejeitam inequivocamente em comunicado aprovado por unanimidade no Conselho Geral no dia 26, afirmam que: “ as eleições autárquicas têm, elas mesmo, sem necessidade de inelegibilidades impostas na secretaria, levado à renovação natural dos mandatos. Em cada eleição, entre 30 e 35% dos Presidentes de Câmaras Municipais têm sido substituídos, pelos mecanismos naturais.
Na verdade, os defensores desta medida deveriam antes preocupar-se com a centralização governativa e o presidencialismo nas autarquias, procurando centrar as atenções nas correcções dos vícios introduzidos pela sua própria política de direita ao longo destes 28 anos de governação.
Aliás as preocupações do Partido Socialista nesta matéria só se aplicam semana sim, semana não. Hoje estão aqui muito preocupados com o poder dos presidentes de câmara, quando na semana passada aprovaram propostas no sentido de os transformar em verdadeiros senhores feudais dos seus municípios. Provavelmente a limitação de mandatos que hoje se propõe serve para dourar a pílula do profundo retrocessodemocrático que defendem em matéria de lei eleitoral autárquica.
Consideramos assim, serem estas alterações desnecessárias porque não garantem a resolução dos problemas que se propõem combater, mas antes pelo contrário só vão desvalorizar o Poder Local democrático.