Senhor Presidente,
Senhor Ministro,
Senhores Deputados
Nos últimos seis anos, esta é a quinta vez que a Assembleia da República se propõe alterar a lei de financiamento dos partidos políticos, sendo certo que da penúltima vez, o ano passado, o processo parlamentar se ficou pelo debate e votação na generalidade, sem sequência e finalização do processo legislativo.
A elevada frequência de revisões e alterações desta lei tem, insofismavelmente, dois significados e duas razões essenciais:
· a primeira, a de que a generalidade dos partidos políticos com representação parlamentar têm reconhecido, ou, pelo menos, sentem a necessidade política de o financiamento dos partidos se dever reger pela maior transparência, rigor e legalidade;
· a segunda, a constatação de experiência feita de que as revisões alterações que têm sido feitas não terem, até hoje, atacado questões centrais e essenciais para atingir aqueles desideratos.
Esperamos que desta ... seja de vez!
Pela nossa parte, por parte do PCP, sempre foi esse o nosso posicionamento,
sempre foi essa a nossa postura. Ontem como hoje.
Por isso fizemos questão, por isso fizemos a opção política
de, sem mais um ponto nem menos uma vírgula, apresentar agora exactamente
o mesmo projecto de lei que apresentámos na última metade de
1998.
Para deixar muito claro que nada temos que alterar, que não temos que
nos penitenciar, relativamente aos quatro princípios e orientações
essenciais que sempre temos defendido. E, neste momento, importa repeti-los
e recordá-los:
· o nosso posicionamento face à questão do financiamento
dos partidos políticos "assenta na ideia de que estes são
essenciais ao sistema político e são insubstituíveis
enquanto elementos fundamentais do exercício, consolidação
e aprofundamento da democracia política";
· por isso, "nesta matéria deve vigorar a maior transparência
e devem ser afastadas todas as hipóteses de suspeição
dos cidadãos, com vista a fortalecer a confiança entre a opinião
pública e os partidos políticos, defender a credibilidade do
sistema político e do regime democrático e combater a demagogia
de forças populistas"; nesse sentido, impõe-se, em particular:
· por um lado, que "o financiamento da vida política e
dos partidos por empresas é inaceitável e deve ser inequivocamente
proibido (...) o financiamento dos partidos políticos e da actividade
política deve assentar nas contribuições dos seus militantes
e simpatizantes, dos eleitos em sua representação e nas subvenções
estatais que assegurem um mínimo de igualdade de oportunidades e de
tratamento dos diversos partidos políticos e candidaturas";
· por outro lado, a necessidade incontornavel de "uma maior limitação
das despesas eleitorais (...) adequando-as às realidades económicas
e sociais do País (...) para que se não suscite um profundo
divórcio entre a sociedade e a actividade político - partidária
e para que se não falseie o debate democrático, sobrepondo a
capacidade financeira dos partidos ao público confronto democrático
de ideias e projectos políticos".
Finalmente, parece que estes princípios e propostas, desde sempre
defendidos pelo PCP, fizeram vencimento em todos os restantes partidos políticos.
Agora, embora só agora, todas as iniciativas legislativas em discussão
propõem a proibição do financiamento de partidos políticos
por empresas. Muito tempo se perdeu, mas, como diz o nosso povo, mais vale
tarde do que nunca.
Agora, embora só agora, e com excepção da proposta de
lei do Governo, todos se propõem reduzir substancialmente os limites
legais das despesas eleitorais. De tal modo que, os limites que o PCP propõe
no seu projecto de lei, e que até hoje eram considerados, pelos restantes
partidos que então tinham representação parlamentar,
como filhos de "uma visão miserabilista das campanhas eleitorais",
são agora largamente reduzidos nos projectos de lei apresentados pelo
PSD e pelo CDS/PP...
No sentido inverso, não deixa igualmente de causar estranheza a posição
do PS através das propostas de lei dos seus Governos. Em finais de
1998, propunha uma redução do limite de despesas para nível
idêntico ao proposto pelo PCP. Agora, não propõe qualquer
redução, apenas manifestando a disponibilidade para uma redução
da ordem dos 20%. Sendo certo, que a diferença entre o que ontem propunha
e o que hoje mantém... é da ordem dos 70%!
Mas não é hora, nem nosso objectivo, "estragar a festa". Hoje parece que nestes princípios centrais todos estamos de acordo.
Ainda bem.
Por isso mesmo, e sem escamotear que em sede de especialidade temos várias
divergências de opinião com o proposto pelo Governo e por outros
grupos parlamentares, o PCP está disposto e disponível para
a aprovação na generalidade de todas as iniciativas legislativas,
de forma a que de todas elas sejam aproveitados os contributos positivos para
a elaboração de uma melhor lei do financiamento dos partidos
políticos.
Mas atenção.
Certamente que, na apreciação na especialidade, devem ser tidas
em devida conta as apreciações que o Tribunal Constitucional
tem feito à apresentação das contas anuais dos Partidos.
Mas importa ter presente que, também neste âmbito, os Partidos
não são todos iguais. Por exemplo, e diferentemente do que pode
decorrer da leitura da exposição de motivos da proposta de lei
do Governo, a verdade é que as considerações críticas
do Tribunal à "não apresentação de contas
consolidadas", à "falta de documentação original
relativa aos documentos internos de transferência de fundos para as
estruturas e organizações descentralizadas" ou à
"não organização do inventário actualizado
do património", dirigem-se a muitos Partidos mas, expressamente,
não se reportam ao PCP.
E com a mesma clareza e frontalidade queremos deixar, desde já, quatro anotações.
A primeira, a de que nos recusamos a elaborar uma lei assente no pressuposto inicial de que os partidos políticos são, aparentemente por definição, como que associações de malfeitores. Tese em que, do meu ponto de vista, e por exemplo, se insere a exigência, do PSD, de duplicação de auditorias externas às contas dos partidos, pois é certo e sabido que o Tribunal Constitucional promove essa auditoria através de empresas especializadas.
A segunda , a de que não estamos disponíveis para enxamear a lei de espartilhos burocráticos e administrativos que, não tendo substancialmente a ver com a transparência e necessária fiscalização da vida financeira dos partidos políticos, tenham fundamentalmente como objectivo lançar poeira para os olhos e dificultar o seu regular e normal funcionamento, ou sirvam meros propósitos de chicana política. Por exemplo, aquela proposta bizarra do CDS/PP de apresentação prévia e obrigatória de orçamentos das campanhas eleitorais à CNE e a sua não menos estulta proposta dita de "fiscalização urgente de gastos de campanha eleitoral" através da IGF.
A terceira, a de que não estamos abertos a discriminações negativas dos partidos políticos face a outras instituições existentes na sociedade. Como mero exemplo, estamos abertos à consagração do levantamento do sigilo bancário relativamente às contas dos partidos políticos ... desde que esse princípio seja consagrado, pelo menos, para todas as entidades colectivas, incluindo as empresas.
Em quarto lugar, recusamos que, por razões circunstanciais ou não, esta revisão da lei de financiamento dos partidos políticos se venha a transformar numa espécie de leilão a ver "quem dá mais", como pelo menos o projecto de lei do CDS/PP expressamente o deixa perceber. A questão é suficientemente séria e nobre para exigir de todos a maior seriedade e responsabilidade.
Por último, queremos reiterar aquilo que para nós é
uma certeza. Contribuiremos activamente, como sempre o temos feito, para que
uma nova lei sirva a maior transparência e fiscalização
do financiamento dos partidos políticos, para reduzir e tendencialmente
eliminar a suspeição que neste âmbito inegavelmente existe
por parte da opinião pública, dos cidadãos, dos eleitores.
Mas com a consciência clara de que não há lei nenhuma,
por mais perfeita que seja ou pareça ser, que possa substituir-se ao
comportamento ético dos partidos políticos. Como se comprova
com os escândalos que ciclicamente têm rebentado em Itália,
Espanha, França ou Alemanha. Ou como o faz temer as não menos
cíclicas acusações públicas da existência
de poderosos lobbies no nosso país...
Pela parte do PCP, garantimos que, com qualquer lei, continuaremos a exercitar
esse comportamento ético.
Disse.
(...)
(pedido de esclarecimentos ao Deputado Rui Rio - PSD)
Sr. Presidente,
Sr. Deputado Rui Rio,
V. Ex.ª obrigou-me, com a sua intervenção, a colocar-lhe uma questão.
Não nos zangamos! Hoje, os meus ouvidos estão impressionantes,
ouço tudo!
Sr. Deputado Rui Rio, percebi a sua repetida referência ao "popular"
e percebi o que V. Ex.ª queria dizer com essa referência e com
a questão da alteração de posições em relação
ao financiamento dos partidos por empresas. Só que o Sr. Deputado Rui
Rio foi longe demais, porque, pretendendo atingir o objectivo que queria atingir,
excedeu-se e apareceu na tribuna, expressamente, como o grande, o mais antigo
e o único defensor do não financiamento dos partidos por empresas.
Por isso, gostaria de lhe fazer uma pergunta muito simples, apenas por uma
questão de registo, mais que não seja de registo na acta da
sessão, mas também, já agora, se for possível,
de algum pequeno registo histórico: desde quando é que o PSD
começou a defender a proibição de financiamento dos partidos
por empresas?
Faço-lhe esta pergunta e apenas esta pergunta, lembrando-lhe, de qualquer
modo, em termos finais, que, no último projecto de lei que o PSD apresentou,
e foi um dos que esteve na base da última alteração à
lei, o PSD propunha que se mantivesse o financiamento dos partidos por empresas,
só que as empresas, em vez de entregarem o dinheiro directamente aos
partidos, entregavam-no aqui, na Assembleia da República, onde, depois,
se pegava no "saco" e se fazia a divisão.
(...)
(pedido de esclarecimentos ao Ministro da Reforma do Estado e da Administração Pública)
Sr. Presidente,
Sr. Ministro,
gostaria apenas de lhe fazer dois ou três pedidos de esclarecimento.
E vou fazê-los muito rapidamente, até porque, face à proposta
de lei que o Governo apresenta e face à posição que temos
assumido em relação a esta problemática do financiamento
dos partidos políticos e ao nosso próprio projecto de lei, as
divergências que possam, eventualmente, existir não são,
neste momento, divergências de filosofia, não serão relativas
a orientações essenciais, mas de especialidade.
De qualquer modo, há duas ou três questões que gostaria
de colocar-lhe neste momento.
Uma delas tem a ver com os grandes vectores que V. Ex.ª referiu e com
os quais, no essencial, estamos de acordo. Mas há a tal pecha, que
já há pouco suscitei na minha intervenção, que,
com toda a sinceridade, continuo a não perceber. Apesar da abertura
manifestada, quer na proposta de lei quer agora na intervenção
do Sr. Ministro, pelo Governo e pelo Partido Socialista para a redução
do limite de despesas em campanhas eleitorais, não consigo perceber
por que é que o Governo nesta proposta de lei mudou a sua orientação
em relação à anterior proposta, que previa uma redução
do limite de despesas com as campanhas eleitorais. Aliás, recordaria
que os valores que propunha eram da ordem dos 403 000 contos, se a memória
não me trai, o que significa que, com o novo salário mínimo,
seria qualquer coisa da ordem dos 430 000 contos. No entanto, com esta proposta,
como mantém o que está, são 721 000 contos, o que é
uma diferença substancial.
A segunda questão tem a ver com eventuais espartilhos administrativos,
referência que fiz na minha intervenção, os quais não
têm por objectivo controlar o que quer que seja mas têm como resultado
quase que impedir parte da actividade financeira dos partidos. E, no caso
concreto da proposta de lei, vou referir-me claramente ao problema da obrigatoriedade
de todas as despesas de campanha eleitoral serem pagas por cheque, e, quando
se diz cheque, tem de ser cheque do partido.
Ora, em campanha eleitoral, qualquer partido tem dezenas ou centenas de pessoas
por todo o País a fazer despesas, algumas pequeníssimas, das
quais, depois, são prestadas contas, porque são pagas do bolso
de quem as faz, etc. Como é possível obrigar a que toda e qualquer
despesa, sem qualquer limite, portanto, a partir do zero, seja paga por cheque?
A terceira e última nota tem a ver com o problema - e é, mais
uma vez, uma questão que teremos de analisar com cuidado em termos
de especialidade - da compatibilidade interna das propostas. V. Ex.ª,
na proposta de lei, propõe reconciliações bancárias
trimestrais. Como é que isto, eventualmente, será compatível
em termos de eficácia e de eficiência, se não existirem
as contas consolidadas dos partidos?
Eram apenas estas três questões que, neste momento, gostaria
de colocar ao Sr. Ministro.