Intervenção do deputado
Octávio Teixeira

Debate sobre Financiamento dos partidos
políticos e das campanhas eleitorais

21 de Janeiro de 2000



Senhor Presidente,
Senhor Ministro,
Senhores Deputados

Nos últimos seis anos, esta é a quinta vez que a Assembleia da República se propõe alterar a lei de financiamento dos partidos políticos, sendo certo que da penúltima vez, o ano passado, o processo parlamentar se ficou pelo debate e votação na generalidade, sem sequência e finalização do processo legislativo.

A elevada frequência de revisões e alterações desta lei tem, insofismavelmente, dois significados e duas razões essenciais:

· a primeira, a de que a generalidade dos partidos políticos com representação parlamentar têm reconhecido, ou, pelo menos, sentem a necessidade política de o financiamento dos partidos se dever reger pela maior transparência, rigor e legalidade;

· a segunda, a constatação de experiência feita de que as revisões alterações que têm sido feitas não terem, até hoje, atacado questões centrais e essenciais para atingir aqueles desideratos.

Esperamos que desta ... seja de vez!
Pela nossa parte, por parte do PCP, sempre foi esse o nosso posicionamento, sempre foi essa a nossa postura. Ontem como hoje.

Por isso fizemos questão, por isso fizemos a opção política de, sem mais um ponto nem menos uma vírgula, apresentar agora exactamente o mesmo projecto de lei que apresentámos na última metade de 1998.
Para deixar muito claro que nada temos que alterar, que não temos que nos penitenciar, relativamente aos quatro princípios e orientações essenciais que sempre temos defendido. E, neste momento, importa repeti-los e recordá-los:

· o nosso posicionamento face à questão do financiamento dos partidos políticos "assenta na ideia de que estes são essenciais ao sistema político e são insubstituíveis enquanto elementos fundamentais do exercício, consolidação e aprofundamento da democracia política";
· por isso, "nesta matéria deve vigorar a maior transparência e devem ser afastadas todas as hipóteses de suspeição dos cidadãos, com vista a fortalecer a confiança entre a opinião pública e os partidos políticos, defender a credibilidade do sistema político e do regime democrático e combater a demagogia de forças populistas"; nesse sentido, impõe-se, em particular:
· por um lado, que "o financiamento da vida política e dos partidos por empresas é inaceitável e deve ser inequivocamente proibido (...) o financiamento dos partidos políticos e da actividade política deve assentar nas contribuições dos seus militantes e simpatizantes, dos eleitos em sua representação e nas subvenções estatais que assegurem um mínimo de igualdade de oportunidades e de tratamento dos diversos partidos políticos e candidaturas";
· por outro lado, a necessidade incontornavel de "uma maior limitação das despesas eleitorais (...) adequando-as às realidades económicas e sociais do País (...) para que se não suscite um profundo divórcio entre a sociedade e a actividade político - partidária e para que se não falseie o debate democrático, sobrepondo a capacidade financeira dos partidos ao público confronto democrático de ideias e projectos políticos".

Finalmente, parece que estes princípios e propostas, desde sempre defendidos pelo PCP, fizeram vencimento em todos os restantes partidos políticos.
Agora, embora só agora, todas as iniciativas legislativas em discussão propõem a proibição do financiamento de partidos políticos por empresas. Muito tempo se perdeu, mas, como diz o nosso povo, mais vale tarde do que nunca.

Agora, embora só agora, e com excepção da proposta de lei do Governo, todos se propõem reduzir substancialmente os limites legais das despesas eleitorais. De tal modo que, os limites que o PCP propõe no seu projecto de lei, e que até hoje eram considerados, pelos restantes partidos que então tinham representação parlamentar, como filhos de "uma visão miserabilista das campanhas eleitorais", são agora largamente reduzidos nos projectos de lei apresentados pelo PSD e pelo CDS/PP...
No sentido inverso, não deixa igualmente de causar estranheza a posição do PS através das propostas de lei dos seus Governos. Em finais de 1998, propunha uma redução do limite de despesas para nível idêntico ao proposto pelo PCP. Agora, não propõe qualquer redução, apenas manifestando a disponibilidade para uma redução da ordem dos 20%. Sendo certo, que a diferença entre o que ontem propunha e o que hoje mantém... é da ordem dos 70%!

Mas não é hora, nem nosso objectivo, "estragar a festa". Hoje parece que nestes princípios centrais todos estamos de acordo.

Ainda bem.
Por isso mesmo, e sem escamotear que em sede de especialidade temos várias divergências de opinião com o proposto pelo Governo e por outros grupos parlamentares, o PCP está disposto e disponível para a aprovação na generalidade de todas as iniciativas legislativas, de forma a que de todas elas sejam aproveitados os contributos positivos para a elaboração de uma melhor lei do financiamento dos partidos políticos.

Mas atenção.
Certamente que, na apreciação na especialidade, devem ser tidas em devida conta as apreciações que o Tribunal Constitucional tem feito à apresentação das contas anuais dos Partidos. Mas importa ter presente que, também neste âmbito, os Partidos não são todos iguais. Por exemplo, e diferentemente do que pode decorrer da leitura da exposição de motivos da proposta de lei do Governo, a verdade é que as considerações críticas do Tribunal à "não apresentação de contas consolidadas", à "falta de documentação original relativa aos documentos internos de transferência de fundos para as estruturas e organizações descentralizadas" ou à "não organização do inventário actualizado do património", dirigem-se a muitos Partidos mas, expressamente, não se reportam ao PCP.

E com a mesma clareza e frontalidade queremos deixar, desde já, quatro anotações.

A primeira, a de que nos recusamos a elaborar uma lei assente no pressuposto inicial de que os partidos políticos são, aparentemente por definição, como que associações de malfeitores. Tese em que, do meu ponto de vista, e por exemplo, se insere a exigência, do PSD, de duplicação de auditorias externas às contas dos partidos, pois é certo e sabido que o Tribunal Constitucional promove essa auditoria através de empresas especializadas.

A segunda , a de que não estamos disponíveis para enxamear a lei de espartilhos burocráticos e administrativos que, não tendo substancialmente a ver com a transparência e necessária fiscalização da vida financeira dos partidos políticos, tenham fundamentalmente como objectivo lançar poeira para os olhos e dificultar o seu regular e normal funcionamento, ou sirvam meros propósitos de chicana política. Por exemplo, aquela proposta bizarra do CDS/PP de apresentação prévia e obrigatória de orçamentos das campanhas eleitorais à CNE e a sua não menos estulta proposta dita de "fiscalização urgente de gastos de campanha eleitoral" através da IGF.

A terceira, a de que não estamos abertos a discriminações negativas dos partidos políticos face a outras instituições existentes na sociedade. Como mero exemplo, estamos abertos à consagração do levantamento do sigilo bancário relativamente às contas dos partidos políticos ... desde que esse princípio seja consagrado, pelo menos, para todas as entidades colectivas, incluindo as empresas.

Em quarto lugar, recusamos que, por razões circunstanciais ou não, esta revisão da lei de financiamento dos partidos políticos se venha a transformar numa espécie de leilão a ver "quem dá mais", como pelo menos o projecto de lei do CDS/PP expressamente o deixa perceber. A questão é suficientemente séria e nobre para exigir de todos a maior seriedade e responsabilidade.

Por último, queremos reiterar aquilo que para nós é uma certeza. Contribuiremos activamente, como sempre o temos feito, para que uma nova lei sirva a maior transparência e fiscalização do financiamento dos partidos políticos, para reduzir e tendencialmente eliminar a suspeição que neste âmbito inegavelmente existe por parte da opinião pública, dos cidadãos, dos eleitores.
Mas com a consciência clara de que não há lei nenhuma, por mais perfeita que seja ou pareça ser, que possa substituir-se ao comportamento ético dos partidos políticos. Como se comprova com os escândalos que ciclicamente têm rebentado em Itália, Espanha, França ou Alemanha. Ou como o faz temer as não menos cíclicas acusações públicas da existência de poderosos lobbies no nosso país...

Pela parte do PCP, garantimos que, com qualquer lei, continuaremos a exercitar esse comportamento ético.
Disse.

(...)

(pedido de esclarecimentos ao Deputado Rui Rio - PSD)

Sr. Presidente,
Sr. Deputado Rui Rio,

V. Ex.ª obrigou-me, com a sua intervenção, a colocar-lhe uma questão.

Não nos zangamos! Hoje, os meus ouvidos estão impressionantes, ouço tudo!
Sr. Deputado Rui Rio, percebi a sua repetida referência ao "popular" e percebi o que V. Ex.ª queria dizer com essa referência e com a questão da alteração de posições em relação ao financiamento dos partidos por empresas. Só que o Sr. Deputado Rui Rio foi longe demais, porque, pretendendo atingir o objectivo que queria atingir, excedeu-se e apareceu na tribuna, expressamente, como o grande, o mais antigo e o único defensor do não financiamento dos partidos por empresas.
Por isso, gostaria de lhe fazer uma pergunta muito simples, apenas por uma questão de registo, mais que não seja de registo na acta da sessão, mas também, já agora, se for possível, de algum pequeno registo histórico: desde quando é que o PSD começou a defender a proibição de financiamento dos partidos por empresas?
Faço-lhe esta pergunta e apenas esta pergunta, lembrando-lhe, de qualquer modo, em termos finais, que, no último projecto de lei que o PSD apresentou, e foi um dos que esteve na base da última alteração à lei, o PSD propunha que se mantivesse o financiamento dos partidos por empresas, só que as empresas, em vez de entregarem o dinheiro directamente aos partidos, entregavam-no aqui, na Assembleia da República, onde, depois, se pegava no "saco" e se fazia a divisão.

(...)

(pedido de esclarecimentos ao Ministro da Reforma do Estado e da Administração Pública)

Sr. Presidente,
Sr. Ministro,

gostaria apenas de lhe fazer dois ou três pedidos de esclarecimento. E vou fazê-los muito rapidamente, até porque, face à proposta de lei que o Governo apresenta e face à posição que temos assumido em relação a esta problemática do financiamento dos partidos políticos e ao nosso próprio projecto de lei, as divergências que possam, eventualmente, existir não são, neste momento, divergências de filosofia, não serão relativas a orientações essenciais, mas de especialidade.
De qualquer modo, há duas ou três questões que gostaria de colocar-lhe neste momento.
Uma delas tem a ver com os grandes vectores que V. Ex.ª referiu e com os quais, no essencial, estamos de acordo. Mas há a tal pecha, que já há pouco suscitei na minha intervenção, que, com toda a sinceridade, continuo a não perceber. Apesar da abertura manifestada, quer na proposta de lei quer agora na intervenção do Sr. Ministro, pelo Governo e pelo Partido Socialista para a redução do limite de despesas em campanhas eleitorais, não consigo perceber por que é que o Governo nesta proposta de lei mudou a sua orientação em relação à anterior proposta, que previa uma redução do limite de despesas com as campanhas eleitorais. Aliás, recordaria que os valores que propunha eram da ordem dos 403 000 contos, se a memória não me trai, o que significa que, com o novo salário mínimo, seria qualquer coisa da ordem dos 430 000 contos. No entanto, com esta proposta, como mantém o que está, são 721 000 contos, o que é uma diferença substancial.
A segunda questão tem a ver com eventuais espartilhos administrativos, referência que fiz na minha intervenção, os quais não têm por objectivo controlar o que quer que seja mas têm como resultado quase que impedir parte da actividade financeira dos partidos. E, no caso concreto da proposta de lei, vou referir-me claramente ao problema da obrigatoriedade de todas as despesas de campanha eleitoral serem pagas por cheque, e, quando se diz cheque, tem de ser cheque do partido.
Ora, em campanha eleitoral, qualquer partido tem dezenas ou centenas de pessoas por todo o País a fazer despesas, algumas pequeníssimas, das quais, depois, são prestadas contas, porque são pagas do bolso de quem as faz, etc. Como é possível obrigar a que toda e qualquer despesa, sem qualquer limite, portanto, a partir do zero, seja paga por cheque?
A terceira e última nota tem a ver com o problema - e é, mais uma vez, uma questão que teremos de analisar com cuidado em termos de especialidade - da compatibilidade interna das propostas. V. Ex.ª, na proposta de lei, propõe reconciliações bancárias trimestrais. Como é que isto, eventualmente, será compatível em termos de eficácia e de eficiência, se não existirem as contas consolidadas dos partidos?
Eram apenas estas três questões que, neste momento, gostaria de colocar ao Sr. Ministro.