Quarta alteração ao regime jurídico do cheque sem provisão, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 454/91, de 28 de Dezembro Intervenção de Odete Santos
30 de Junho de 2005

 

 

 

Sr. Presidente,
Sr. Ministro da Justiça,

Gostava de lhe fazer apenas duas ou três perguntas.

Como me parece que o Sr. Ministro da Justiça é capaz de ter estatísticas mais detalhadas do que as que vêm no preâmbulo da proposta de lei e do que as que o Sr. Primeiro-Ministro, no debate sobre a justi-ça, nos trouxe aqui, gostava de lhe perguntar se há estatísticas em relação à quantidade de cheques até 150 € que ocupam os tribunais e, portanto, se se sabe quantas horas são perdidas com este tipo de pro-cesso nos tribunais.

Segundo a Associação Portuguesa de Bancos, no primeiro trimestre deste ano, houve mais de 35 000 cheques sem provisão no valor de 50 € a 150 €. Então, se eu fizer a multiplicação para saber o valor global anual destes cheques, chego a um montante elevadíssimo. Ora, segundo o Sr. Primeiro-Ministro, em 2003, para este tipo de crime — considerando o crime na sua totalidade e não só o referente aos cheques de valor igual ou inferior a 150 € —, verificaram-se 19 184 inquéritos, o que dá a ideia de que, afinal, não serão muitos os processos relativos a cheques sem provisão até 150 € nos tribunais.

Em segundo lugar, queria dizer-lhe que o PCP não está contra a medida, mas é preciso que fique claro, aqui, o que é que se anunciou aos portugueses como medidas fundamentais para o combate à morosidade da justiça e saber se, de facto, é assim.

O Sr. Primeiro-Ministro diz que, e cito, «O impacto desta medida permitirá que magistrados, polícias e oficiais de justiça dediquem o seu tempo ao julgamento e à investigação dos demais crimes (…). Pergunto o que é que V. Ex.ª espera desta medida e se, de facto, mantém que ela vai deixar os tribunais assim tão libertos para julgar outros tipos de crime, porque essa não é a opinião de todos os operadores judiciários.

Pergunto-lhe, ainda, se, depois de se ter tomado uma medida importante, em 1997, em relação aos che-ques pré-datados (não foi só a questão do aumento do montante para os 62,5 €), houve ou não, com o passar dos tempos, um avolumar de cheques sem provisão nos tribunais e se V. Ex.ª — porque estamos a falar da morosidade da justiça — calculou se vai haver ou não um aumento de processos de cheques sem provisão nos tribunais por crimes de burla e de falsificação de documentos e se os bancos irão tomar ou não medidas para se acautelarem, pois, nesse caso, já não se trata de um crime de cheque sem provisão mas de outro tipo de crimes.

(...)

Sr. Presidente,
Srs. Ministros,
Sr. as e Srs. Deputados:

Conforme já referi, foi num dia de grande pompa e circunstância, e para responder a um alarme social por causa do fim de prisões preventivas, que o Sr. Primeiro-Ministro veio a esta Assembleia anunciar medidas importantíssimas para a justiça — esta era a terceira. E disse a frase que há pouco citei, referindo que isto ia dar espaço para que magistrados, polícias e oficiais de justiça dedicassem muito mais tempo à investigação de outros cri-mes.

Claro que isto vinha antecedido de uma estatística, que, agora, ficámos a saber que se refere à genera-lidade dos cheques. Mas isto convinha, porque as pessoas lá fora fizeram as contas e exclamaram: «Chi!… Num ano, andam os tribunais preocupados com quase 40 000 cheques sem provisão até 150 €!». De facto, não era isso que estava aqui, mas foi o que as pessoas pensaram, porque, depois, dizia-se que eram 20 funcionários para tratar disto tudo. Mas não era dos cheques até 150 €, porque, afinal, o Sr. Ministro da Justiça não tem estatísticas para dizer quantos são os cheques até 150 €. E são muito poucos. Isso, de facto, percebe-se pelas estatísticas do primeiro trimestre da Associação Portuguesa de Bancos em relação a cheques entre 50 € e 150 €.

É claro que, depois, tem de se concluir que efectivamente esta não é a medida (nem sequer a terceira medida) — e será uma medida muito mais para diante — que vai descongestionar os tribunais. Bem pelo contrário!

Aliás, retenho o parecer da Ordem dos Advogados, que acho muito importante e que, para além de refe-rir, como já aqui foi dito, que esta medida irá aumentar as acções executivas, prevê que haja aumento das queixas, baseadas em cheques, pelos crimes de burla, de falsificação, etc., porque não podem fazer-se as queixas pelos crimes de cheques sem provisão.

Portanto, esta não é uma medida para aliviar os tribunais e para contribuir para um combate eficaz à morosidade da justiça.

Gostava de referir que, em 1997, houve dezenas de milhares de processos que foram retirados dos tri-bunais, mas não foi por causa dos cheques sem provisão até 62,5 €, não senhor, foi por causa dos che-ques pré-datados.

Esta foi a grande medida tomada em 1997, que, aliás, foi aplaudida. E esses é que cons-tituíam a grande maioria dos cheques que havia nos tribunais.

Iremos votar favoravelmente esta proposta de lei — é um pequenino avanço na despena-lização. Agora, achamos é que o que vai continuar a existir hoje não responde ao sentimento da comunida-de em relação ao cheque sem provisão. Excepto quando há burla ou qualquer outro crime com esse rela-cionado, o sentimento da comunidade não é que se trata de um crime mas, sim, de uma conduta que, de facto, desrespeita regras cívicas. Por isso, é injusto continuar a criminalizar-se só o uso do cheque sem provisão para além dos 150 €. Direi mesmo que é um crime que continue a penalização dos outros cheques e que se devia ter avançado muito mais, porque o que a Associação Portuguesa de Bancos diz é que isso é uma ameaça que nunca se iria verificar — noutros países, não se verificou.

Iremos votar favoravelmente esta proposta de lei, mas não queríamos que este debate terminasse sem desmistificar aqui esta terceira medida, proposta pelo Sr. Primeiro-Ministro, e sem dizer, usando não as muito interessantes metáforas cósmicas do Sr. Deputado Montalvão Machado, mas uma metáfora quiçá feminina, que «a montanha pariu um rato».