Intervenção da
deputada Luísa Mesqiuta
Protecção da Maternidade e Paternidade
12 de Maio de 1999
Senhor Presidente
Senhores Deputados
Senhoras Deputadas
Mais uma vez temos para discussão uma proposta de lei que visa alterar a Lei 4/845, relativa à protecção da maternidade e da paternidade.
Como já o dissemos, há pouco mais de um ano, a propósito de outras iniciativas legislativas relativas à mesma matéria, a diversa legislação publicada desde 1984 tem sofrido, na generalidade, de uma timidez absurda e mesmo retrógrada, decorrendo daí o facto de transfigurar, algumas vezes, o texto constitucional, quando, naturalmente, o deveria verter de forma programática, actuante e realista.
É disto exemplo, a licença por maternidade, cujo período de 120 dias, proposto pelo PCP desde 1982, foi sempre rejeitado, tendo o texto aprovado em 1984 consagrado, somente, um período de noventa dias.
E só este ano, a partir de Janeiro de 1999, as mulheres portuguesas tiveram, finalmente, direito a um período de 120 dias.
É disto exemplo também, algumas das alterações introduzidas, a propósito da transposição da Directiva Comunitária 92/85 que o governo do PSD, trouxe à Assembleia da República, suprimindo direitos já adquiridos pelos trabalhadores e trabalhadoras portugueses.
Refiro-me ao conteúdo do artigo 1º - A que ainda hoje define trabalho nocturno, aquele que é prestado entre as 0 horas e as 7 horas, ignorando um diploma anterior que definia como nocturno, o trabalho prestado entre as 20 horas e as 7 horas.
Senhor Presidente
Senhores Deputados
Senhoras Deputadas
A proposta de lei hoje em debate melhora alguns aspectos do quadro legal vigente, deixando, no entanto, intactos outros que urgia alterar, como aquele que acabei de referir.
As alterações que o governo fez chegar à Assembleia, decorrem, quase exclusivamente, ou da necessidade de adequar uma lei com 15 anos a outros diplomas legais, entretanto existentes, e com disposições mais favoráveis e que, naturalmente, não podiam ser prejudicadas pelo disposto na lei nº 4 de 1984.
Refiro-me, por exemplo, ao regime jurídico da adopção; ou da necessidade de transpor para a ordenamento jurídico nacional a directiva comunitária nº 96/34 de 3 de Junho, transposição que deveria ter ocorrido até Junho de 1998, relativa à licença parental e ao direito a faltas ao trabalho por motivo de doença de familiares; ou então, o reconhecimento e mais vale tarde que nunca, de graves realidades, tantas e tantas vezes ignoradas ou minimizadas como os despedimentos sumários a que estão sujeitas muitas mulheres, só pelo facto de o serem e por isso mesmo, poderem, um dia, talvez, engravidar e ser mãe; ou ainda, o reconhecimento da existência, cada vez mais preocupante, de um aumento de gravidezes na adolescência, situação que requer urgentes medidas de diagnóstico e de avaliação para encontrar respostas adequadas de protecção e acompanhamento.
É muito pouco, risível mesmo, o que a proposta de lei contempla nesta área, ficando-se pelo "direito a um período de faltas aos avós destes recém-nascidos, desde que vivam em comunhão de mesa e habitação"; ou, então considerar que só têm este direito, os trabalhadores e as trabalhadoras, cujos netos tenham como progenitores, adolescentes até aos 16 anos, ignorando que a idade pediátrica é até aos 18 anos como o confirma a Convenção Internacional dos Direitos da Criança.
Mas sejamos realistas.
O fosso entre a lei e a prática é abissal. E as responsabilidades deste Governo, particularmente, têm sido muitas.
Ainda esta tarde, iremos apresentar um projecto de lei de protecção da maternidade com o objectivo de impedir que o Governo continue a ignorar a lei e a considerar a gravidez como se de doença se tratasse.
E isto só pode ter duas leituras:
- ou o país tem um Governo sistematicamente distraído;
- ou o governo possui, hipocritamente, dois pesos; o peso do discurso em nome da igualdade de oportunidades, e o peso da prática em nome da discriminação, cada vez mais feroz, que se abate sobre as mulheres.
É ou não verdade que este Governo apresentou propostas de lei que viabilizam a redução dos salários, dos subsídios de férias, de Natal e de desemprego, viabilizam o incentivo à transformação dos contratos de trabalho a tempo completo com direitos, em contratos a tempo parcial, sem direitos nem garantias.
É ou não verdade que as propostas governamentais anulam o direito a dois dias de descanso semanal, especialmente coincidente com o sábado e o domingo.
É ou não verdade que este governo tudo tem feito para precarizar e flexibilizar as relações de trabalho.
Todos o sabemos e o governo também o sabe que degradando-se a situação dos trabalhadores, aumentam as discriminações em relação à mulher.
A maternidade passa a ser um obstáculo que os empregadores utilizam para inviabilizar o acesso ao trabalho por parte das mulheres que são ou pretendem vir a ser mães.
E quando o conseguem, são penalizadas também. Muitas vezes não lhes é paga a remuneração referente ao tempo de dispensa para exercício de direitos consagrados, como os das consultas pré-natais, de preparação para o parto ou de amamentação ou aleitação.
Nesta matéria, congratulamo-nos pelo facto do Partido Socialista ter, finalmente, percebido que uma criança não amamentada tem o direito à aleitação.
Não foi capaz de o entender assim em 1984, quando o PCP propôs o direito a dispensa diária de trabalho, por dois períodos distintos, para amamentação e aleitação e o PS, lado a lado com o CDS-PP e o PSD rejeitaram esta proposta, porque, diziam então, os empregadores não gostariam de tantos direitos e as mulheres-futuras mães ou mães teriam dificuldade em assegurar o direito ao trabalho.
Mas os números, os oficiais, estão aí a confirmar as discriminações, as consentidas, as silenciadas e as sugeridas.
As mulheres constituem a maioria dos desempregados.
As mulheres são as mais afectadas pelas formas de trabalho precário e atípico, o trabalho ocasional, à peça, à tarefa e sem protecção social.
- As mulheres correspondem a mais de 50% dos trabalhadores com contratos a termo.
- As mulheres são 63% dos trabalhadores a receber salário mínimo nacional.
- As mulheres são 66% das titulares do rendimento mínimo garantido e destas mais de 20% têm filhos a cargo.
Quando o governo do PS discrimina, liberaliza, desregulamenta, flexibiliza atinge todos os trabalhadores, mas, particularmente, as mulheres.
Por isso é tão pouco o que o governo do Partido Socialista traz hoje à Assembleia.
Pouco, porque o quadro social de injustiças várias, de violações de direitos fundamentais do ser humano faz cada vez mais, parte do nosso quotidiano e atinge cada vez mais as mulheres, as crianças, os homens, a família, e o país.
Senhor Presidente
Senhores Deputados
Senhoras Deputadas
O processo legislativo é também um processo pedagógico.
- Alguns disponibilizam-se para a aprendizagem.
- Outros silenciam os saberes.
Mas a construção de uma sociedade mais justa e solidária é um projecto de futuro que não tem retorno.
Um jornalista americano, desaparecido na revolução mexicana, dizia a propósito dos que se recusam a construir uma sociedade de justiça e progresso.
"Um homem que viajava no deserto encontrou uma mulher.
- Quem sois? perguntou o Homem - e porque habitais este lugar medonho?
- O meu nome é VERDADE - respondeu a Mulher - e vivo no deserto para poder estar perto dos meus seguidores quando os seus companheiros os repelirem: Todos acabam por vir, mais cedo ou mais tarde".
Disse.