Interpelação centrada nas questões da
Segurança Social e da sua reforma
Intervenção do deputado Octávio Teixeira
27 de Maio de 1998
Senhor Presidente
Senhores Membros do Governo
Senhores Deputados
Através desta Interpelação ao Governo, o PCP trouxe hoje ao debate neste Plenário
uma das questões mais sérias que se colocam à sociedade portuguesa no médio
prazo.
Fizemo-lo não porque o PCP dê guarida às vozes que, por interesses económicos
ligados à especulação financeira ou por motivações ideológicas dos que suportam
e apadrinham esses mesmos interesses, proclamam a eminente ruptura financeira
da Segurança Social para a tentar liquidar.
Bem pelo contrário.
Quisemos debater o presente e o futuro da Segurança Social, com a seriedade
que emprestámos ao debate, porque entendemos que ela constitui um instrumento
insubstituível de justiça social e de solidariedade nacional.
Um instrumento que, para quem, como o PCP, tem para a sociedade portuguesa uma
perspectiva evolutiva dos direitos sociais no progresso, deve ser permanentemente
reforçado no sentido da generalização dos direitos de protecção social e da
sua universalização.
Por isso entendemos que o futuro da Segurança Social deve ser estudado, debatido
e preparado com tempo e com muita reflexão. Sem a precipitação que, sob o cutelo
de uma hipotética ruptura a curto prazo, tenderia a pressionar uma solução de
deriva liberal, arrastando consigo, inevitavelmente, um enorme passo na direcção
da regressão social.
Diversamente, esse futuro deve ser maduramente ponderado e assentar numa dinâmica
e numa vontade de crescente afirmação de preocupações de uma cada vez maior
justiça social. Na prática e não apenas no discurso. Porque, tal como o trabalho,
a garantia da protecção social não pode representar apenas uma fonte de rendimentos,
mas tem de ser considerada como um factor da dignidade pessoal e de integração
e participação na sociedade.
Senhores Deputados,
A reforma da Segurança Social comporta múltiplos aspectos económicos e sociais.
Mas ela é, fundamentalmente e na sua essência, uma questão política.
O modelo de reforma que vier a ser adoptado assentará, necessariamente, em posicionamentos
políticos sobre o presente e o futuro da sociedade portuguesa, e sobre o papel
que nela deve desempenhar a protecção social.
E, neste âmbito, queremos ser muito claros.
A postura do Governo em relação à reforma da Segurança Social está longe de
ser tranquilizante.
Aos compromissos programáticos no sentido de que o "desenvolvimento da responsabilidade
social do Estado não pode ser posto em causa", têm-se vindo a avolumar declarações
e decisões de sentido inverso.
Mostram-no, por exemplo, a recente e precipitada decisão do Governo de, no curto
prazo de um mês, elaborar uma proposta de nova lei de bases da Segurança Social.
Mandando às ortigas a sua proposta pública, pouco antes feita, de diálogo plural
e sério com forças políticas e sociais visando a reforma da Segurança Social.
E deixando perceber que o Governo facilmente cede a meras razões de conjuntura
política, ainda que com manifesto e perigoso prejuízo para a solução séria de
uma questão central para o futuro dos portugueses.
E mostram-no, fundamentalmente, o acolhimento que o Governo deu a teses inseridas
no Livro Branco da Segurança Social.
Teses cuja tendência pesada é a da submissão do social ao económico e da substituição
da responsabilidade e garantia públicas pelo negócio financeiro privado. Assente
na filosofia liberal de que os direitos sociais, duramente conquistados pelos
trabalhadores, são um obstáculo à sacrossanta competitividade, no contexto da
propalada mundialização da economia e da ideologia da concorrência desenfreada.
Senhor Ministro,
As dificuldades financeiras do sistema de Segurança Social que se podem perspectivar
a longo prazo, não autorizam nem podem servir de pretexto para que o Governo
se proponha uma orientação no sentido de privatização, ainda que parcial, do
sistema de protecção social.
Desde logo porque uma tal opção não faria mais que substituir as actuais contribuições
obrigatórias para o sistema público de Segurança Social por encargos, na prática
igualmente obrigatórios, beneficiando e enriquecendo empresas gestoras de fundos
e seguradoras privadas. Por acréscimo, colocando as reformas futuras dos trabalhadores
na dependência, fundamentalmente, da evolução dos mercados financeiros.
Por outro lado, e correlativamente, porque nem o Governo nem ninguém pode pretender
escamotear que foram precisamente as desordens económicas e financeiras que
marcaram os países europeus na primeira metade deste século (com a consequente
quase falência dos regimes de reformas privadas) que favoreceram e impuseram
o desenvolvimento de regimes públicos obrigatórios assentes no princípio da
repartição.
Recessões económicas e derrocadas nos mercados financeiros que ninguém garante
que não continuem a repetir-se, eventualmente com ainda maior gravidade e mais
duras consequências.
Mas, essencialmente, porque a questão que objectivamente está colocada, é a
de que o actual modelo de financiamento baseado exclusivamente nos salários,
por razões em que avulta a alteração da relação entre activos contribuintes
e inactivos beneficiários, será insuficiente a longo prazo.
Ora, é a esta questão central que a reforma da Segurança Social tem de dar resposta
adequada e atempada. Resposta que, em nosso entender, terá de assentar basicamente
em duas realidades.
A primeira, e ao contrário do que pretendem as empresas financeiras e os responsáveis
políticos liberais, é a de que a protecção social não é uma devoradora de riqueza
criada. É sim um conjunto de mecanismos de redistribuição de rendimentos, pelo
que os recursos para ela canalizados não desaparecem do circuito económico,
antes nele são reinjectados sob a forma de prestações sociais que se transformam
em consumo e em produção.
A segunda realidade decorre da necessidade de a reforma do modelo de financiamento
da Segurança Social conferir uma nova coerência ao financiamento dos mecanismos
de diferentes tipos de solidariedade e, simultaneamente, promover uma menor
penalização do factor trabalho e uma repartição mais equitativa das cargas contributivas
que esse financiamento exige.
O que apela, para algumas modalidades de protecção social, a uma solidariedade
de expressão nacional suportada por fundos públicos financiados por receitas
fiscais.
E na componente das reformas do regime geral, aponta para a extensão da base
de incidência contributiva a um conjunto mais vasto de elementos da exploração
empresarial para além do salário. Com vantagens acrescidas para o emprego, pela
redução dos efeitos discriminatórios na escolha dos factores de produção e por
uma mais justa repartição das contribuições entre empresas capital-intensivas
e empresas trabalho-intensivas.
O que não se vislumbra é qualquer realidade que imponha a necessidade de plafonamento
das reformas no sistema público da Segurança Social.
Porque o plafonamento nada mais significa que o desvio de contribuições do sistema
público para sistemas privados.
Porque o plafonamento não contribuiria para a resolução dos problemas de financiamento
da Segurança Social, apenas daria resposta à gula insaciável dos mercados financeiros.
Porque, a final, o plafonamento se sustenta basicamente na perspectiva da privatização
e seria a porta aberta ao aumento das desigualdades sociais e à redução do nível
global de protecção social.
Em suma, porque significaria optar pelo rumo da regressão social e não pelo
do progresso social.
E se estas são as questões nodais da reforma, importa igualmente reafirmar que
este objectivo de longo prazo não se opõe a imperativos imediatos. Nomeadamente
à revalorização extraordinária das pensões mínimas de reforma. Para além de
uma exigência irrecusável do ponto de vista social essa revalorização pode ser
encarada como um instrumento privilegiado de uma política de crescimento económico.
O que a sua concretização exige é que se deixem de formular os problemas do
presente numa visão estática e meramente contabilística. E, fundamentalmente,
que haja da parte do Governo a necessária vontade política.
E é essa vontade que continua a faltar ao Governo do PS.
Lamentavelmente!
Disse.