Diversificação das fontes de financiamento — a nova forma de contribuição das empresas para a segurança social com base no valor acrescentado bruto (VAB)
Intervenção de Bernardino Soares
15 de Março de 2006
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
Chegados a este ponto do debate podemos dizer que o agendamento potestativo que fizemos valeu bem a pena.
Valeu a pena porque a questão da sustentabilidade e do futuro do sistema público de segurança social são uma das mais importantes questões do presente e do futuro na nossa sociedade; valeu a pena porque desmentiu, mais uma vez, as declarações dos que querem «enterrar» desde já a segurança social.
Aliás, tendo ouvido o Sr. Primeiro-Ministro dizer que quem está em oposição à política do Governo está a fazer oposição ao País, perguntamos se não é este o caso do Ministro das Finanças, que, ao mesmo tempo que o PS e o Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social fazem juras de defesa do sistema público de segurança social, afirma, de forma incendiária, a falência da segurança social para daqui a 10 anos.
De duas, uma: ou, afinal, é esta a verdadeira política do Governo para a segurança social, até porque o PS não quer alterar a lei de bases aprovada pela direita, ou, então, o Ministro das Finanças está contra o Governo e contra o País.
Valeu a pena este debate porque dá sinais claros aos portugueses sobre o que é a realidade e o que são os problemas da segurança social.
Em primeiro lugar, dá um sinal de alerta aos trabalhadores portugueses para que não se deixem enganar com as verdades supostamente absolutas das vozes que tratam a evolução da segurança social sempre em tom de «crónica de uma morte anunciada», procurando impor como realidade aquilo que é apenas a sua vontade.
Este debate e as importantes propostas que apresentamos dão também um importante sinal aos trabalhadores, designadamente aos mais jovens, para que não cedam à tentação de, por vontade própria ou pressão patronal, enganados pela suposta falência inevitável do sistema público, deixarem de contribuir, na medida do seu salário, para a segurança social. Muito do futuro da segurança social joga-se também na capacidade de contrariar o divórcio entre os trabalhadores mais jovens e a segurança social e que as correntes privatizadoras querem assimilar.
Este debate dá finalmente um sinal para que especialmente os trabalhadores entendam que a defesa do sistema público de segurança social é uma batalha inadiável na luta por uma sociedade mais justa e democrática.
É verdade que o sistema de segurança social está numa encruzilhada. Debilitado por sucessivas políticas que lhe negaram receitas, enfraquecido pela fraude e fuga às contribuições, desajustado face ao novo tipo de tecido económico, sobrecarregado pela crise, que persiste e se arrasta, carente de resposta em relação a prestações sociais e pensões, tantas vezes insuficientes, o sistema público exige medidas que garantam o seu futuro e a protecção das gerações vindouras. Nunca negámos a existência destas dificuldades, sabemos que há problemas, mas também que há soluções.
Neste debate, apresentámos algumas das possíveis soluções, que têm fundamentação técnica, como poderemos demonstrar em sede de especialidade, e que ao mesmo tempo estão abertas ao debate e às contribuições de todos. Desde logo, propondo que sejam exploradas diversas fontes de financiamento e recuperação de receitas. Fica para o debate futuro esse número de receita potencial da segurança social, que hoje é desperdiçada — 62 000 milhões de euros.
Apresentamos a proposta inovadora de tributar, com taxa reduzida, as transacções em bolsa pelo período necessário, a fim de assegurar que o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social detenha a capacidade para garantir dois anos de pensões, como, aliás, está previsto na lei. Sim, é um aumento de imposto, mas é um aumento de imposto justíssimo, porque permite taxar uma actividade especulativa e transferir essa receita para a segurança social.
O momento é, aliás, o adequado para lançar esta proposta, porque com tanta agitação do mercado bolsista, qualificada pelo Ministro das Finanças como a prova da dinâmica da nossa economia e do mercado de capitais, mais se justifica que parte, ínfima, dessa dinâmica reverta para a solidariedade social.
Retomamos hoje igualmente, com um projecto renovado em relação aos anteriores, a inovadora ideia, lançada pelo PCP em 2002 e defendida com entusiasmo neste Plenário pelo Deputado Lino de Carvalho, de introdução da ponderação do valor acrescentado bruto das empresas como factor correctivo da sua contribuição para a segurança social. É também um aumento de contribuições, mas para introduzir justiça no que hoje é tratado de forma desigual, prejudicando, designadamente, a criação de emprego.
Não se diga, o que parece ser o único, ou o principal, argumento do Governo, da maioria e de outras forças, que isto vem prejudicar as empresas da inovação. Não, Srs. Deputados! Estas empresas devem ser apoiadas pelas mais diversas vias e não necessariamente pela via das contribuições, obrigando a manter um sistema insuficiente e que penaliza a criação de emprego. Aliás, lembre-se que limitamos este novo mecanismo às empresas com volume de proveitos superior a 500 milhões de euros/ano e que nesta há muitas cujo VAB não radica na inovação e tecnologia mas, por exemplo, em actividades especulativas e financeiras.
Estas empresas devem, pois, ser apoiadas pelos mecanismos adequados e não necessariamente pela via da segurança social. Seria como se, tendo nós uma foice e um martelo, que vão muito bem juntos, como sabemos, usássemos a foice para martelar e o martelo para ceifar. Usemos cada instrumento para a sua função e não a segurança social como único instrumento para apoiar as empresas da inovação.
Quem não quiser entender que é preciso adequar a estrutura das contribuições à realidade do tecido económico está do lado de um imobilismo que, de forma não inocente, aposta na erosão da capacidade financeira da segurança social para adiante justificar corte de direitos e privatização de recursos.
Neste debate, tal como, aliás, temos feito em sede de Orçamento do Estado, demonstramos que a generalidade das análises, incluindo as do Governo, sobre a situação da segurança social teimam em olhar só para o lado da despesa e nunca para o da receita. Para equilibrar os pratos de uma balança podemos retirar peso de um lado, isto é, neste caso, cortar direitos e diminuir prestações, ou aumentar o peso do outro, isto é, diversificar e ampliar as receitas. O PCP opta, sem hesitações, pela segunda opção.
É preciso que tenhamos bem claras as consequências da privatização e da destruição da segurança social, pois significará o desaparecimento ou enfraquecimento de prestações essenciais, a não garantia das reformas, o fim da solidariedade intergeracional e o agravamento da desigualdade e da exclusão social.
Aliás, é curioso que a banca, sempre à espera que qualquer governo lhes entregue uma fatia das contribuições dos trabalhadores, esteja agora a tentar entregar à segurança social pública os seus próprios fundos de pensões, provavelmente descapitalizados. Que melhor prova para demonstrar que a entrega de qualquer pilar da segurança social ao sector financeiro só trará prejuízo para os trabalhadores e futuros pensionistas.
Por fim, está claro que, também nesta matéria, a política económica do Governo prejudica o País. Mais desemprego e estagnação económica prejudicam o País e prejudicam a segurança social e também aqui é preciso outra política, livre do espartilho monetarista do défice e comprometida com o desenvolvimento.
O debate valeu a pena, falta agora a votação. Teremos, então, a clarificação nesta matéria e saberemos quem está interessado em discutir soluções, mesmo que não concordando em absoluto com as nossas propostas, quem quer prosseguir o debate eventualmente apresentando as suas próprias iniciativas e quem quer que tudo fique na mesma. E saberemos, também, o que pretende o PS neste debate e nesta questão.
Se quer um debate amplo e uma convergência na defesa da segurança social, o PS deve, então, aprovar estes diplomas e aguardemos depois a proposta do Governo.
Estes projectos abrem uma porta para o futuro da segurança social pública, no cumprimento da Constituição de Abril. Agora se verá quem quer prosseguir e melhorar esse caminho e quem quer trilhar o caminho inverso.