Medidas de combate à evasão e fraude de contribuições
ao regime da Segurança Social
Intervenção do Deputado Lino de Carvalho
5 de Fevereiro de 2003
Senhor Presidente,
Senhores Deputados,
Em 6 de Janeiro deste ano a Sra. Secretária de Estado da Segurança Social afirmava, em entrevista a um órgão de comunicação social, que a dívida à Segurança Social, resultado de evasão e fraude, tinha aumentado de 2,12 mil milhões de euros em 1995 para mais de 3 mil milhões em finais de 2001 (últimos dados até então provisoriamente apurados) – a que haverá que somar os juros de mora - presumindo este membro do Governo que o valor em finais de 2002 fosse já maior. E entendeu sublinhar que o crescimento destes volumosos montantes se deve a “dívida nova”. E ainda que 17 mil contribuintes são responsáveis por cerca de 80% daquela dívida. Em média, cada um destes devedores é responsável por cerca de 140 mil euros (cerca de 28 mil contos).
Mas disse mais a Secretária de Estado da Segurança Social. Confessou então a “inexistência de um sistema de informação que permita um controlo em tempo real do comportamento dos contribuintes e que, assim permita uma acção rápida e preventiva”. E portanto, acrescentamos nós, que permita conhecer, pelo menos, o valor real da dívida em tempo útil. O atraso de mais de dois anos na informação estatística do montante efectivo da dívida contributiva é só por si elucidativo e não necessita de comentários adicionais. O que necessita é de medidas que resolvam este problema.
Pois bem, senhores deputados. O Projecto de Lei do PCP, que hoje debatemos, destina-se precisamente a criar um sistema de informação e controle fiáveis, em tempo real, que permita responder às ineficiências que o próprio Governo reconhece existirem. Esperemos pois que, reconhecendo isto de forma séria, a maioria não venha para o debate com a prévia decisão tomada de recusar esta iniciativa só por vir da oposição. A realidade é confirmada pelo membro do Governo que tem a tutela desta matéria. A resposta está aqui, no nosso projecto. Se o Governo e a maioria não se querem limitar a fingir que estão preocupados para depois não tomarem as medidas que são necessárias para combater os problemas têm agora a oportunidade de dar um passo em frente e, com as melhorias que em sede de especialidade possam ser inseridas, fazer do Projecto de Lei do PCP a base para o combate à evasão e fraude de contribuições à Segurança Social.
A verdade é que o Sistema Público de Segurança Social tem enfrentado, particularmente nos últimos anos, um sério problema de evasão e fraude em larga escala. São muitas as empresas que funcionam ilegalmente, iniciando a sua actividade, sem que o Sistema de Segurança Social tenha capacidade para o conhecer. Como também não são poucas as empresas que descontam as respectivas contribuições aos seus trabalhadores no final de cada mês ou de cada período remunerado de trabalho e, depois, retêm, as cotizações, não as entregando nos cofres da Segurança Social ou múltiplos casos de contribuintes que declaram remunerações inferiores às efectivamente praticadas. Falámos em empresas. Mas o mesmo se passa, por exemplo, com muitos clubes de futebol e com múltiplas outras instituições. Quantos de nós, por exemplo, com o aumento do fenómeno da imigração não tem sido confrontado com notícias dos trabalhadores nessas condições não conseguirem regularizar a sua situação perante o SEF porque, tendo trabalhado e descontado, pura e simplesmente patrões sem escrúpulos retêm esses montantes e não os entregam ao Estado ? Os valores em dívida constituem hoje, aliás, uma fonte significativa de uma ilegítima e paralela forma de financiamento das empresas que, mais a mais, se sentem confortadas pelo regime de contra-ordenações que estabelecem montantes de coimas significativamente baixos.
Estamos perante crimes que violam direitos e garantias dos trabalhadores, que
defraudam o Estado, que contribuem para fragilizar a sustentabilidade financeira
do Sistema Público de Segurança Social, mas que também
criam situações de concorrência desleal entre empresas que
cumprem e não cumprem as suas obrigações contributivas
perante o Estado. E o que fizeram sucessivos Governos para pôr cobro a
esta situação? Nada ou muito pouco de estrutural. O Governo do
PS não criou sequer um Sistema de informação único
e nacional. Os sistemas informáticos instalados, onde se consumiram 130
milhões de euros nos últimos sete anos, não estavam ligados
em rede e assentavam em plataformas tecnológicas diferentes de região
para região. O que se passou com o Instituto de Informática que
originou atrasos enormes no pagamento das prestações sociais como
os subsídios de desemprego e de doença são disso um exemplo
claro. Mas o Governo actual pouco mais fez do que promover a arrecadação
de alguma da dívida em falta – e o valor arrecadado não
chegou a 6% do total da dívida sem juros - através da operação
de regularização extraordinária de dívidas ao Estado
que se configurou, aliás, como um perdão estimulador da criação
de novas dívidas. E a verdade é que existem até acordos
estabelecidos na concertação social com a definição
de medidas para o combate à fraude e evasão contributiva que só
muito limitadamente estão a ser concretizadas.
Ora, o que o PCP vem trazer é uma solução que termine com
a descoordenação - ou mesmo desconhecimento mútuo - hoje
existente entre os diversos serviços da Administração Pública
responsáveis pela arrecadação das receitas fiscais e da
Segurança Social. Que acabe com a ausência de um sistema de informação
interno, nacional e fiável e com a falta de cruzamento das informações
disponíveis, tendo presente obviamente o respeito pela privacidade dos
dados pessoais. Que ultrapasse, nos casos e condições adequadas,
as dificuldades resultantes do sigilo bancário.
O que propomos, então?
1. Sempre que uma empresa, individual ou em nome colectivo, proceda à
entrega de uma declaração de início de actividade nos termos
do Código do IVA, a administração tributária informará
desse facto, nos trinta dias subsequentes, o respectivo Centro Distrital da
Segurança Social. Assim, e ao contrário do que sucede hoje, o
Sistema de Segurança Social passará a ter conhecimento de todas
as empresas que iniciam a sua actividade e poderá, deste modo, verificar,
no final de cada mês, se estas inscreveram ou não os seus trabalhadores
e se estão a cobrar e a entregar o valor das respectivas cotizações;
2. É criada uma Base de Dados da Segurança Social, que deverá
ser autorizada e acompanhada pela Comissão Nacional de Protecção
de Dados, e que tem por finalidade organizar, normalizar e manter actualizada
a informação a nível nacional relativa a todos os contribuintes
e beneficiários. Esta Base de Dados deverá disponibilizar a informação
que detem a qualquer Centro Distrital que o solicite, desde que, obviamente,
fundamentado em indícios fortes de incumprimento de obrigações
de um contribuinte;
3. Qualquer beneficiário, através da criação e utilização
de um cartão informatizado com uma senha pessoal e intransmissível,
poderá ter acesso à sua ficha individual e, assim, controlar,
ele próprio, se os seus descontos estão registados;
4. A Administração Tributária enviará à Inspecção
Geral da Segurança Social, no final do segundo trimestre de cada ano,
a listagem completa das remunerações constantes da declaração
referente ao ano anterior entregue por cada empresa, com vista ao cruzamento
de dados com os valores declarados pelo contribuinte à Segurança
Social;
5. Quando exista divergência detectada no cruzamento da informação
e quando haja indícios de que o número de trabalhadores de uma
empresa e as remunerações constantes da declaração
de rendimentos não coincidem com os números e valores reais os
Centros de Segurança Social podem solicitar a intervenção
da Inspecção Geral do Trabalho ou da Inspecção Geral
de Finanças;
6. Cria-se, junto de cada Centro da Segurança Social, um departamento
para recuperação de contribuições em dívida,
constituído por representantes do Sistema Público de Segurança
Social, da Inspecção Geral de Finanças e da Inspecção
Geral do Trabalho;
7. Prevê-se a possibilidade de levantamento das informações
protegidas por sigilo bancário, nos termos da legislação
em vigor;
8. Finalmente, é criado um sistema de controlo, entre a Administração
Tributária e os Tribunais, dos processos enviados para execução
fiscal de forma a evitar a sua prescrição.
Eis, senhores deputados, um sistema simples, desburocratizado, capaz de terminar com este quadro intolerável de permanente e reiterada fuga de contribuições da Segurança Social como, aliás, reconhecem as conclusões do relatório da Comissão de Trabalho ao afirmar que “as medidas preconizadas neste projecto de lei são exequíveis e são susceptíveis de contribuírem para o aperfeiçoamento dos mecanismos de combate à evasão às contribuições para a segurança social”. Só que reconhecendo isto é incompreensível, então, que a maioria tenha aprovado, logo a seguir, nas mesmas conclusões, contra todas as evidências e as afirmações da própria Secretária de Estado da Segurança Social, que o ordenamento jurídico português já contém as estruturas e mecanismos suficientes para dar resposta ao problema. Não contem, senhores deputados. Querem um exemplo? Existe, de facto, um Departamento do Contribuinte criado, no papel desde Julho de 2000, no âmbito do IGFSS. Mas, como o aumento das dívidas e as declarações dos próprios membros do Governo demonstram, sem quaisquer efeitos práticos nem meios. O que estamos, pois, é perante mais um exercício de hipocrisia política. Reconhecem publicamente, como não podem deixar de o fazer porque sabem que essa é a realidade e o sentimento da opinião pública, que é preciso combater a evasão contributiva. Derramam lágrimas … Mas depois, quando é preciso passar à prática, e tomar medidas efectivas contra os interesses que beneficiam dessa evasão, clamam com o pretexto do segredo fiscal e previdencial, com a afirmação de que afinal já está tudo feito ou em curso, para que nada na prática se faça. É aqui como noutras áreas da vida pública. Recorda-nos o velho adágio: é preciso que mude alguma coisa – neste caso, o discurso – para que tudo fique na mesma – as medidas.
Esperemos que até ao final do debate e até à votação os senhores deputados da maioria e o Governo não queiram ficar colados a este ditado.
Disse.