Conferência de Imprensa sobre
a política de saúde
Declaração de Bernardino Soares Comissão
Política do PCP
5 de Abril de 2004
A apresentação de um balanço do desempenho em 2003 dos hospitais S.A. constituiu a mais recente operação de propaganda do Governo e em particular do Ministro da Saúde. Na verdade o apregoado sucesso da gestão dos Hospitais S.A. não resiste à simples prova da realidade que os utentes e os profissionais de saúde encontram diariamente nessas unidades. Há nestes hospitais crescentes dificuldades de acesso aos cuidados de saúde para as populações, uma perigosa degradação das condições de trabalho para os profissionais, severos constrangimentos orçamentais, uma obsessão com a diminuição de despesas e com a obtenção de receitas próprias, que conduz a situações de discriminação e negação de direitos dos utentes, ameaça a autonomia de intervenção dos profissionais de saúde e põe crescentemente em causa a segurança e a qualidade dos cuidados prestados.
A nova acção de propaganda sobre as supostas e nunca demonstradas vantagens dos hospitais S.A., repetiu o que já tinha feito em 2003 em Março (até pela voz do primeiro-ministro), em Julho e em Setembro, e em 2004 em Janeiro e agora em Março. Contudo nunca foi dada informação mais concreta e discriminada, conforme solicitámos em requerimento em Julho de 2003 (ainda por responder), nem sequer no Orçamento de Estado. Trata-se de uma lógica de pura propaganda.
Aliás o Ministro da Saúde e a Ministra das Finanças anunciam com pompa e circunstância a sua versão dos dados sobre os hospitais S.A., mas não dizem uma palavra sobre as restantes unidades. É caso para perguntar se Luís Filipe Pereira é o Ministro da Saúde ou se é simplesmente um Ministro S.A..
Mas o próprio balanço apresentado pelo Governo, pelas suas insuficiências e contradições, é suficiente para pôr em evidência o fracasso desta política: se não vejamos:
- Os dados apresentados não têm, segundo o próprio Ministério da Saúde, carácter definitivo;
- Continuamos a não ter acesso à desagregação da despesa, que nos permita saber por exemplo quanto é que cada hospital gastou em medicamentos, em meios de diagnóstico e tratamento ou em pessoal;
- Mantém-se a ausência de informação sobre questões determinantes como as dívidas acumuladas a fornecedores e trabalhadores, a situação do capital social, o endividamento à banca, ou a estrutura e proveniência das receitas;
- No aumento de produtividade anunciado não se explica que peso tem a alteração de critérios de contabilização dos actos praticados que se verificou na generalidade dos hospitais, desdobrando e multiplicando os registos, como por exemplo passando a contabilizar como cirurgias pequenas intervenções em ambulatório que antes não eram assim identificadas;
- Escondem-se factores objectivos para determinadas variações de produção que nada têm a ver com o regime de gestão, como no caso do aumento de cirurgias do hospital Pulido Valente, em que aumentaram de 1 para 3 os blocos operatórios;
- Não há termos comparativos com os hospitais do Sector Público Administrativo, nem com o que aconteceu em anos anteriores nos actuais S.A., sendo certo que a tendência natural da generalidade dos sistemas de saúde, e também do nosso Serviço Nacional de Saúde há vários anos, é o crescimento do número de actos praticados;
- Continua a não haver qualquer controle de mecanismos de selecção adversa ou de envio de doentes para outras unidades (designadamente se não forem S.A.);
- Não há verdadeiros indicadores de controlo da qualidade, utilizando-se meramente dados como a demora média de internamento e o aumento da cirurgia ambulatória;
- Esconde-se que o défice do Ministério da Saúde duplicou em relação ao orçamentado em 2003 e que uma parte importante desse aumento deverá caber a estas unidades;
- Omitem-se os custos com os salários e as mordomias com o novo exército de gestores nomeados para os Hospitais S.A.;
- A notícia de hoje de que não foi contabilizada uma parte importante das despesas com medicamentos, o que permitiu aligeirar o aumento dos custos é bem sintomática da falta de credibilidade destes dados. Diz o Ministro da Saúde que este era o mecanismo normal nos anos anteriores. Mesmo que fosse assim, sempre haveria uma pequena diferença: é que nos anos anteriores os hospitais não eram sociedades anónimas e agora são e devem ter as contas analisadas como tal, o que obviamente obriga a contabilizar todos os custos da sua actividade, incluindo os medicamentos.
Mais uma vez exigimos que seja divulgada toda a verdade sobre a situação dos 31 hospitais S.A., quer em relação à situação financeira, quer em relação à prestação de cuidados de saúde, e não apenas uma “verdade” filtrada pelos interesses do Governo.
A situação dos hospitais S.A. é um dos aspectos mais visíveis de uma política de privatização da saúde e de destruição do Serviço Nacional de Saúde. A ofensiva em curso traduz-se num cada vez maior encarecimento dos custos da saúde para as populações, na crescente dificuldade em ter acesso a consultas, cirurgias, médico de família, tratamentos ou exames e portanto numa inaceitável negação do direito à saúde constitucionalmente previsto.
Esta política tem merecido do PCP uma forte e fundamentada denúncia, acompanhando uma crescente contestação pelas populações e pelos movimentos de utentes. A necessidade de parar e inverter esta ofensiva exige uma resposta firme. Por isso o PCP decidiu lançar uma acção nacional em defesa do Serviço Nacional de Saúde, da garantia do direito à saúde para todos os portugueses e de rejeição da política deste Governo.
Esta campanha, a decorrer nos próximos meses, pretende ser um forte elemento de contestação popular à política de destruição do Serviço Nacional de Saúde e incluirá uma de recolha de assinaturas, dirigida ao Primeiro-ministro, acompanhada de um conjunto de encontros com entidades intervenientes neste sector e de iniciativas e acções de debate e esclarecimento descentralizadas, visando ampliar a denúncia e o protesto contra a política do Governo.
Neste quadro, o PCP apela ainda aos trabalhadores e às populações, para que participem na concentração e desfile convocados pela CGTP para Lisboa na próxima quarta-feira, 7 de Abril, Dia Mundial da Saúde, que será uma importante jornada de luta contra a ofensiva de destruição do Serviço Nacional de Saúde em curso.