PCP alerta para a situação na área da saúde
Declaração de Bernardino Soares, da Comissão Política do PCP em Conferência de Imprensa
22 de Julho 2003

 

1 - A intensa campanha de propaganda do Governo, acerca dos resultados dos hospitais transformados em sociedades anónimas, tem pés de barro. Em primeiro lugar porque decorreram poucos meses neste novo regime. Mas sobretudo porque as conclusões apressadamente apresentadas pelo Governo não foram sustentadas em dados concretos. Não houve discriminação dos dados e dos elementos comparativos nem esclarecimento por exemplo dos níveis de endividamento destes hospitais.

O pouco que se vai sabendo aponta no sentido de existirem sérias dificuldades de financiamento, uma enorme centralização de muitas decisões, com intervenção obrigatória de vários organismos dos Ministérios da Saúde e das Finanças, e um generalizado incumprimento das obrigações legais de aprovação e divulgação das contas.

Entretanto, as recentes propostas de contratos programa para estes hospitais, anunciadas publicamente, demonstram bem que a prioridade do Governo é a contenção de custos e não o aumento da prestação de cuidados de saúde. Não discordamos evidentemente da necessidade de uma melhor aplicação dos dinheiros públicos, que em muitos aspectos tem faltado ao Serviço Nacional de Saúde. Mas isso não se pode confundir com um sistema que trata como indesejável o aumento da actividade hospitalar.

2 - Na mais recente e longa entrevista do Ministro da Saúde, não houve, mais uma vez, qualquer referência à grave situação dos recursos humanos deste sector. E contudo este é um dos principais problemas que o Serviço Nacional de Saúde enfrenta.

Estima-se faltarem hoje cerca de 20 mil enfermeiros nos nossos serviços de saúde. Por outro lado nos médicos a situação atinge já contornos graves em muitas especialidades e devido à concentração nos principais centros hospitalares. Nos próximos anos a situação vai agravar-se rapidamente. Estima-se que dos actuais médicos 40% terão mais de 55 anos em 2007, número que sobe para 70% em 2012.

Mas se o Governo ignora este problema, ele está presente na vida de muitos milhares de portugueses. Por todo o país e a um ritmo quase diário sucedem-se os encerramentos de unidades de saúde, a diminuição de horários de atendimento, o aumento da lista de utentes sem médico de família ou em lista de espera, agravam-se as dificuldades de funcionamento dos serviços.

Face a esta situação, esperar-se-ia de um Governo com o mínimo de sentido de responsabilidade, uma intervenção imediata. Aliás passaram já mais de três anos desde que, por proposta do PCP, a Assembleia da República aprovou por unanimidade uma resolução que obrigava o Governo, então do PS, a criar um plano de acção urgente para fazer face a esta situação já então difícil.

Mas a divulgação das vagas disponíveis no ensino superior público deitou por terra qualquer expectativa. As faculdades de Medicina abrem mais 11 vagas em todo o país, enquanto as escolas públicas de enfermagem diminuem mesmo em 10 vagas a entrada de novos estudantes.

O Governo PSD/CDS não tem qualquer política para a questão dos recursos humanos em saúde e será responsável pelo agravamento dos problemas de falta de profissionais em todo o país e pelas desastrosas consequências para o acesso dos portugueses aos cuidados de saúde que serão inevitáveis nos próximos anos.

3 - Continua entretanto o encobrimento dos resultados para o Estado e para os utentes da gestão privada do Hospital Amadora-Sintra. O Governo ignora tudo. Ignora o relatório de uma anterior Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo; ignora o esclarecedor relatório da Inspecção-Geral de Finanças; ignora as conclusões do Ministério Público. E agora até o Presidente do Tribunal de Contas admite que o tribunal pode ter falhado ao aprovar o contrato do Amadora-Sintra.

Nos últimos dias foi tornada pública a intenção do Ministério Público de responsabilizar vários dirigentes do Ministério da Saúde pelos prejuízos para o Estado nesse processo. Mas essa decisão não pode fazer esquecer as responsabilidades políticas de vários governos e em concreto dos Ministros da Saúde. Foram os ministros da saúde do PS e do PSD que aceitaram a continuação, sem controlo eficaz, nem acompanhamento digno desse nome, do negócio do Hospital Amadora-Sintra. E são por isso politicamente responsáveis nesta matéria.

Para o Governo PSD/CDS nada disso importa. O que importa é garantir a continuação do negócio do Grupo Mello e não comprometer a sua posição na privatização de mais hospitais. Sobretudo o que o Governo não quer é pôr em causa o seu programa de privatização de novos hospitais, que se prepara para iniciar nos próximos dias mesmo sem ter cumprido a exigência legal de demonstrar as vantagens desta solução em relação à opção pública.