Declaração
de Edgar Correia
Projecto de Lei de Bases da Segurança Social
10 de Novembro de 1999
Mais e melhor Segurança Social
1. A Segurança Social constitui nas sociedades de hoje um direito fundamental e uma função social do Estado de primordial importância.
Em Portugal sucessivos governos mantiveram as prestações sociais num nível muito baixo, deixaram acumular vultuosas dívidas do Estado em relação ao Orçamento da Segurança Social, assumiram uma postura de extrema permissividade face à evasão contributiva e ao enorme volume de dívidas das empresas, e deixaram desajustar o sistema público em relação às profundas mudanças ao nível do trabalho humano e da produção da riqueza e à variação dos parâmetros demográficos da sociedade.
O baixo nível das prestações sociais e outras insuficiências do sistema público de Segurança Social não põem porém em causa o direito fundamental que ele está incumbido de concretizar, não desvalorizam as suas inegáveis realizações e muito menos podem servir de argumento para os que querem destruir o imenso património social erguido com o trabalho e com o sacrifício de várias gerações de trabalhadores portugueses.
À política de menos segurança social e às orientações neoliberais que invocam a insustentabilidade financeira do sistema público para justificar a sua privatização parcial, contrapõe o PCP não só a necessidade, mas a possibilidade real de realizar uma Reforma Democrática da Segurança Social que defenda, reforce e aperfeiçoe o sistema público de segurança social como garante da concretização do direito de todos à segurança social.
2. São três os eixos fundamentais em que assenta essa importante reforma assumida pelo PCP:
— Primeiro: a garantia dos direitos adquiridos e em formação, de todos e individualmente de cada um, dos contribuintes/beneficiários do sistema público de segurança social, com reforço da confiança no sistema e recusa à aplicação de condições mais desfavoráveis que as vigentes.
— Segundo: a melhoria das prestações sociais e a elevação significativa e continuada dos seus valores, em especial das prestações que se encontram a níveis mais degradados.
— E terceiro: o reforço do financiamento do sistema público de segurança social, por forma a garantir, no presente e para o futuro, os compromissos assumidos e a permitir uma resposta de nível mais elevado e mais eficaz aos riscos sociais, que se vá aproximando dos padrões dos países mais desenvolvidos da União Europeia.
3. A apresentação a que o PCP procede hoje do seu Projecto de Lei de Bases da Segurança Social, tal como a entrega já feita na presente legislatura do Projecto de Lei nº 2 /VIII prevendo a elevação significativa e sustentada dos mínimos das pensões da Segurança Social, constituem importantes passos no caminho da intervenção e da luta pela concretização dessa reforma democrática.
Acresce à natural afirmação das propostas do PCP a exigência de uma clara demarcação e diferenciação política e parlamentar quer em relação ao Projecto já apresentado pelo CDS/PP, cujo propósito de privatização da segurança social é assumido abertamente, quer à Proposta de Lei de bases que o Conselho de Ministros aprovou na sua última reunião para ser enviado à Assembleia da República.
Remetendo um comentário definitivo em relação a esta Proposta de Lei do Governo para uma altura em que o seu conteúdo seja integralmente divulgado, são desde já de anotar criticamente:
- A pretensão do Governo de que a sua proposta "resulta de um esforço de consensualização das propostas apresentadas por vários partidos" na Assembleia da República no final da legislatura anterior, quando de facto ela se limita a retomar uma "proposta de texto final " apresentada unilateralmente pelo Grupo Parlamentar do PS que procurava "fazer a ponte" em questões essenciais com o PSD e com o CDS/PP, e divergindo profundamente nesses pontos em relação às posições do PCP.
- A insistência governamental numa linha de reduçâo do sistema público de segurança social (plafonamento), pese embora o tom dubitativo adoptado por responsáveis governamentais em relação aos efeitos esperados da adopção de tal política, acompanhada pela abertura de espaço para o desenvolvimento dos 2º e 3º pilares da segurança social (privados).
- A previsão da regressividade da taxa de substituição no cálculo do valor das pensões de reforma, favorecendo a evasão contributiva e a saída de contribuintes do sistema público para os esquemas privados.
- A admissão de que as taxas contributivas possam variar de acordo com políticas conjunturais de emprego, com a actividade ou sector económico e com a situação dos beneficiários, mas sem que o Governo assegure a indispensável transferência do Orçamento do Estado para o Orçamento da Segurança Social da compensação pelas receitas que lhe sejam subtraídas com tais decisões do Governo.
- A abordagem vaga da questão (fundamental) do financiamento futuro do sistema e a ausência de medidas concretizadoras da ampliação das bases de obtenção de recursos que não sejam penalizadoras dos rendimentos do trabalho.
4. O debate que vai ter lugar na Assembleia da República em torno da nova Lei de Bases da Segurança Social constitui uma matéria de transcendente importância política que vai marcar profundamente a legislatura iniciada há poucas semanas.
Conhecer o que verdadeiramente está em jogo e se está a decidir neste debate; compreender o verdadeiro sentido e alcance de orientações e medidas propostas, quantas vezes disfarçadas debaixo de uma espessa folhagem técnica e de densos enunciados de "princípios"; - constituem passos decisivos para convocar a atenção, a mobilização e a indispensável participação activa dos trabalhadores e do povo português no processo de reforma da Segurança Social.
A passagem de um sistema publico de Segurança Social, que nos termos constitucionais "incumbe ao Estado organizar, coordenar e subsidiar", para um sistema misto público - privado, construído à custa da redução do sistema público e da redução de direitos dos beneficiários, tal como o PS, o PSD e o PP, ressalvadas as diferenças, configuram nas sua propostas, não só não representaria nenhum progresso como significaria um profundo retrocesso social para os trabalhadores e para a sociedade portuguesa no seu conjunto.
Não surpreenderá por isso que, neste contexto, o projecto de Lei de Bases apresentado pelo PCP assente no desenvolvimento de duas linhas fundamentais: a defesa da segurança social, enquanto direito social universal e enquanto sistema público que lhe serve de suporte, como está consagrado na Constituição; e a proposta da melhoria e aperfeiçoamento da segurança social, através do reforço da sustentabilidade financeira do sistema e da criação de condições para a elevação do nível das prestações sociais e, em primeiro lugar, das que se encontram mais degradadas.
É por isso que, para além de muitos outros aspectos, no domínio decisivo do financiamento o PCP propõe o alargamento da base contributiva do regime geral dos trabalhadores por conta de outrem. De forma a acrescentar duas parcelas às contribuições mensais dos trabalhadores e das entidades empregadoras que incidem sobre as remunerações: a primeira constituída por uma contribuição anual das entidades empregadoras cujo volume de negócios ultrapasse um valor a fixar por lei, calculada pela diferença de uma percentagem do seu valor acrescentado bruto (VAB) e do somatório das contribuições mensais já pagas sobre as remunerações; e a segunda parcela, resultante de uma taxa a incidir sobre as transacções financeiras realizadas nas bolsas de valores.
O projecto do PCP defende também que o Governo estabeleça e anuncie um plano plurianual de amortização da volumosa dívida do Estado ao sistema público da Segurança Social, e que no caso da definição de taxas contributivas inferiores à taxa social única, ou da concessão de isenções ou de outras reduções de contribuições para o sistema, o Estado deve transferir anualmente para o orçamento da segurança social o montante global dos apoios que concedeu.
Anote-se, ainda, em matéria de complementaridade, a proposta de desenvolvimento de um regime complementar no seio do próprio sistema público de Segurança Social, de subscrição voluntária e com prestações definidas.
5. A Segurança Social constitui um património maior dos trabalhadores e do povo português.
Um património social que se encontra ameaçado pelos interesses poderosos do grande capital financeiro, que pretendem utilizar em seu proveito o enorme volume de recursos que as contribuições dos trabalhadores e das entidades empregadoras representam.
Mas um património social que pode ser defendido e melhorado, desde que os trabalhadores e os cidadãos em geral se mobilizem massivamente e imponham o respeito por um património social que é seu e pela salvaguarda de um sistema público que constitui o único verdadeiro garante dos seus direitos e das suas legítimas expectativas sociais.