Intervenção da
deputada Luísa Mesquita

Direito a licença especial
nas situações de gravidez de risco

12 de Maio de 1999


Senhor Presidente
Senhores Deputados
Senhoras Deputadas

Já hoje aqui falámos da protecção à Maternidade e Paternidade e já hoje aqui afirmámos como tímida e lenta tem sido a legislação nesta área.

O projecto de lei que agora apresentamos é de tudo, isto e mais, ainda um excelente e, simultaneamente, inacreditável exemplo.

A denúncia da situação que determinou a entrega da iniciativa legislativa do PCP foi feita, exactamente, no dia 8 de Março, quando as comemorações oficiais que, regra geral, esquecem as discriminações, as violações da lei, as desigualdades, as violências e a ausência de iguais oportunidades, ocorriam como manifestação de que o Governo considera a maternidade e a paternidade "valores sociais eminentes" (tal como o consagra o artigo 1º da Lei 4/84) e por isso as trabalhadoras grávidas, puérperas e lactantes têm direito a especiais condições de segurança e saúde nos locais de trabalho (tal como o determina o artigo 16º da mesma lei).

E o que se passa Senhor Presidente, senhores Deputados e senhoras Deputadas brada aos céus e só visto se acredita.

"Elogiar um dia, discriminar nos restantes", iniciava-se assim a denúncia feita pelo Sindicato dos Professores da Região Centro em 8 de Março de 1999.

E mais adiante acrescentava a organização sindical "aquilo que leva o S.P.R.C. a promover uma conferência de imprensa no dia Internacional da Mulher não é a "celebração administrativa" de uma data "politicamente correcta" de ser comemorada.

(...) É o grito de angústia de uma organização que há mais de três anos vem travando um combate com o Ministério da Educação sobre uma matéria que discrimina professoras e que, perante a inflexibilidade e a insensibilidade dos governantes, se vê na obrigação de denunciar o problema nas esperança de que assim seja resolvido".

De facto, sinuoso é o trajecto das palavras aos actos.

O PS (Governo e Grupo Parlamentar) pretenderam convencer o país que a reserva de quotas por sexos tinha como objectivo o combate à exclusão e à discriminação da mulher, e, logo foram seguidos por outras estruturas afins.

Mas a pretenção de ofuscar o sol com a peneira, evidenciou-se sol de pouca duração.

Afinal, nem o quadro legal vigente - compaginado pela Constituição da República, pelas diversas leis de protecção da maternidade e paternidade e pelos decretos lei que as regulamentaram - o governo do Partido Socialista está interessado em cumprir.

E por isso, o Ministro da Educação denomina a "gravidez de risco" de "gravidez clínica" e considera-a uma situação normal de doença.

O Estatuto da Carreira Docente no seu artigo 100º afirma que "as juntas médicas das direcções regionais de educação são as únicas entidades competentes para avaliar da verificação da situação de risco para o nascituro que, para a doente grávida, constitua fundamento para dispensa dos seus deveres funcionais no respectivo estabelecimento de educação ou de ensino".

Este texto permitiu ao Ministério da Educação, através de uma simples circular, sub-titulada, de - orientação normativa - de 19 de Maio de 97, aviltar a lei.

E diz assim a circular, "a norma constante do nº 2 do artigo 100º do E.C.D. é uma mera norma de atribuição de competência às juntas médicas das Direcções Regionais de Educação, pelo que o direito subjectivo à dispensa dos deveres funcionais" é remetido para a administração educativa.

Partindo desta interpretação, o Ministério da Educação determina, através de uma leitura restritiva do quadro legal, que só poderão beneficiar dos direitos previstos na lei as professoras, cujas repercussões sobre a gravidez decorram ou se encontrem associadas "à actividade desenvolvida em virtude da exposição a agentes e processos ou condições de trabalho".

Desta intencional e desrespeitadora leitura dos instrumentos legais, o Ministério da Educação conseguiu "poupar algum dinheiro", reduzindo praticamente a zero o universo de professoras que, poderiam ser na perspectiva governamental e são de facto, abrangidas pela lei

E assim, de grávidas passaram a doentes e por isso a atestado médico.

E porquê?

Porque a grande maioria das situações de gravidez de risco não surgem directamente associadas ao exercício profissional da docência, mas às grandes deslocações a que, diariamente, as docentes se encontram sujeitas, à necessidade de repouso absoluto ou ainda a uma eventual necessidade de intervenção médica da urgência que, dificilmente, é viável na maioria das localidades onde, muitas vezes, é quase total a ausência de infra-estruturas na área da saúde.

E quando afirmamos que estas violações da lei têm cariz, exclusivamente, economicista, queremos dizer, por exemplo, que esta circular determina que as docentes grávidas, transformadas em docentes doentes, ficam sujeitas a perda do vencimento de exercício, que significa o desconto de 1/6 do vencimento durante os primeiros 30 dias, ficam sujeitas à perda do tempo de serviço para efeitos de progressão na carreira e de concurso para a integração nos quadros ou na mudança de escola.

E perder um dia de serviço na carreira docente, significa perder um valor na graduação profissional, considerada para efeitos de concurso.

E assim, o governo determina a desigualdade e a discriminação. Uma professora que viva uma gravidez de risco é penalizada relativamente a outra professora que não viva esta situação e relativamente a todos os seus colegas do sexo masculino.

A única excepção prevista na circular ministerial, é que a docente tem o direito, "em caso de risco clínico que imponha internamento" aos trinta dias de "doença", a ver acrescidos outros 30 que se incluem no "período de licença por maternidade que a mulher grávida pode gozar antes do parto".

E para que não restem dúvidas, a circular de Maio de 1997 do Ministério da Educação esclarece "deste modo, as ausências ao serviço motivadas por risco clínico comprovado a que não corresponda internamento, ou que excedam (em caso de internamento) o referido acréscimo de 30 dias de licença por maternidade, só poderão ser justificadas por doença, seguindo o regime das mesmas, o disposto no nº 3 do artigo 27º do Decreto-Lei nº 497/88, de 30 de Dezembro, que determina o respectivo desconto para antiguidade, quando ultrapassem 30 dias em cada ano".

Senhor Presidente
Senhores Deputados
Senhoras Deputadas

Poderia narrar algumas situações ocorridas de Norte a Sul do País com muitas professoras; umas já penalizadas/discriminadas, outras aguardando a penalização/a discriminação.

Poderia referir os indeferimentos do Ministério da Educação relativamente aos requerimentos formulados pelas professoras nesta situação.

Mas todo este quadro é do conhecimento do Governo.

Durante o ano transacto, a FENPROF colocou diversas vezes esta questão ao senhor Secretário de Estado da Administração Educativa; no entanto, nada foi resolvido, nada foi feito a não ser a continuidade da ilegalidade.

Senhor Presidente
Senhores Deputados
Senhoras Deputadas

Estas são as razões que justificam a iniciativa legislativa que o PCP apresentou e que agora analisamos.

Estamos convictas e convictos que esta Assembleia não deixará de reparar a gritante injustiça de que são alvo muitas mulheres portuguesas e saberá responder ao apelo formulado pelo Sindicato dos Professores da Região Centro.

Afinal "o combate à exclusão e às discriminações, a igualdade de tratamento entre homens e mulheres, fazem-se dia a dia, naquelas que parecem ser as mais pequenas e insignificantes atitudes de cada pessoa, de cada entidade ou instituição, de cada governo".

Disse.