Senhor Presidente,
Senhores Deputados,
Ao fim de 20 anos de actividade, está amplamente provado que o Serviço Nacional
de Saúde é indispensável para garantir o acesso à saúde do povo português. A
existência de um serviço público de saúde é um instrumento fundamental para
que todos possam ter acesso aos cuidados sanitários.
Mas as carências continuam a existir, reflectindo sobretudo as dificuldades
sócio-económicas existentes. E a verdade é que o Serviço Nacional de Saúde foi
sempre um alvo privilegiado de todos os interesses que pretendem ocupar de assalto
este lucrativo sector. E que sucessivos Governos foram executores de uma política
de delapidação dos recursos públicos na saúde. A verdade é que ao longo dos
anos se sucederam as medidas que degradaram o Serviço Nacional de Saúde, sempre
com o intuito de abrir a porta à privatização e à diminuição para um espaço
residual da prestação pública, limitando-a a uma função de assistência caritativa.
O subfinanciamento foi constante, impedindo um investimento adequado e o funcionamento
adequado e suficiente das instituições; a política de recursos humanos comprometeu
a capacidade de resposta dos serviços, e continua a não ser alterada sendo o
quadro de futuro cada vez mais negro; procedeu-se a uma privatização dissimulada
da prestação de saúde em diversas áreas, quase sempre à custa dos fundos públicos;
permitiu-se e estimulou-se a promiscuidade entre o sector público e o privado,
numa situação de inaceitável parasitagem.
E o curioso é que são os mesmos que durante décadas atacaram e desvalorizaram
o SNS, que agora aparecem a dizer que é preciso caminhar para outra solução,
necessariamente privatizadora, porque o sistema público não funciona.
Querem convencer-nos que os serviços públicos de saúde não têm outro remédio
senão ser burocráticos, ineficientes, desperdiçadores e mais caros.
Mas foram estes mesmos que detiveram durante 20 anos a pasta da saúde, contribuindo
decisivamente para a situação existente.
O actual Governo do PS não fez uma verdadeira inversão da política antes seguida.
Nem sequer cumpriram muitas das promessas com que acenaram ao povo português.
Por tudo isto é necessário um grande discernimento na avaliação de certos discursos
que falam da reforma de que o Serviço Nacional de Saúde necessita. Querem dizer
privatização.
O Partido Comunista Português defende a necessidade de uma reforma do Serviço
Nacional de Saúde, mas uma reforma democrática, que aumente a participação das
populações, que valorize os profissionais e, sobretudo, que produza mais e melhores
cuidados de saúde.
Senhor Presidente,
Senhores Deputados,
O Partido Comunista Português é um partido de crítica mas também de propostas.
Hoje discutimos três importantes Projectos de Lei do PCP, que a serem aprovados
serão importantíssimas mudanças no Estado actual do Serviço Nacional de Saúde.
A Lei Quadro de financiamento do Serviço Nacional de Saúde é uma resposta à
situação de asfixia financeira do Serviço Nacional de Saúde e à má distribuição
dos recursos existentes. Existe uma carência de recursos que limita gravemente
o funcionamento do SNS. A necessidade de racionalizar a utilização dos recursos
existentes, encontrando as melhores formas de organização e funcionamento, combatendo
os gastos desnecessários e atacando as enormes margens de lucro dos interesses
económicos que pirateiam o orçamento da saúde, não pode esconder esta carência.
Os recursos atribuídos têm sido determinados segundo critérios economicistas
e também eleitorais e partidários, sem atender às necessidades objectivas das
populações.
O financiamento na área da saúde não é uma mera despesa mas, sim, um verdadeiro
investimento social, de importância fundamental para a qualidade de vida da
população, sendo igualmente um importante motor do desenvolvimento do país.
É isso que fingem esquecer os arautos da racionalidade económica, que fazem
inevitavelmente coincidir com a privatização da gestão ou até da prestação.
O projecto de lei de finanças da saúde que apresentamos consagra o financiamento
suficiente do SNS pelo Orçamento do Estado, de forma a garantir a prestação
de cuidados de saúde de qualidade.
Para a definição de um orçamento justo e suficiente é necessário que sejam atribuídas
anualmente a cada Administração Regional de Saúde as verbas necessárias à prestação
de cuidados de saúde à população residente em cada região, com base em critérios
sócio-económicos, demográficos e sanitários, tendo em conta as necessidades
e os recursos existentes e visando objectivos de equidade social.
Por sua vez, a atribuição de financiamento às entidades prestadoras deve ter
como base orçamentos-programa contratualizados com as agências de cada Administração
Regional de Saúde.
É preciso pôr fim à gestão centralizada e completamente alheada das necessidades
reais que tem sido a realidade do SNS.
Por outro lado sabemos que a actual gestão dos dinheiros públicos permite a
promiscuidade entre a prestação pública e privada. Para nós a prestação de cuidados
de saúde no SNS tem de assentar no pressuposto do aproveitamento integral da
capacidade instalada da sua rede de serviços e de que o recurso a meios externos
só pode ter lugar em situações de insuficiência ou esgotamento da capacidade
instalada e com custos que não sejam superiores aos constantes das tabelas do
SNS. E não se deturpe esta nossa proposta dizendo que ela significa deixar utentes
sem assistência. Sabemos que há diversas áreas do SNS em que a prestação pública
não é neste momento suficiente e em que por isso temos de continuar a recorrer
à prestação privada.
Mas já não é possível entender que havendo capacidade disponível nos serviços
públicos ela não seja plenamente aproveitada, esquecendo olimpicamente as regras
da boa gestão. Nem é aceitável que não se invista no SNS de forma a ir suprindo
as carências existentes.
O Projecto do PCP de Lei quadro da administração e gestão democrática das unidades
de saúde é uma resposta à ideia de que os serviços de saúde funcionam mal, não
porque estão sujeitos a uma política de asfixia financeira, à gestão incompetente
e à falta de participação das populações e dos trabalhadores dos serviços mas,
sim, porque os sistemas públicos teriam uma tendência inevitável para o desperdício
e para a ineficiência.
A verdade é que as possibilidades de aperfeiçoamento dos mecanismos de gestão
e administração dos serviços públicos de saúde nunca foram aproveitadas pelos
vários governos, apenas tendo sido percorridos os caminhos da desresponsabilização
do Estado, da privatização dos cuidados de saúde ou da diminuição dos direitos
dos trabalhadores desta área como aliás fez o Governo PS.
A defesa do Serviço Nacional de Saúde e a sua reforma democrática passa também
pela melhor aplicação dos recursos existentes, independentemente de continuar
a existir uma situação de sub-financiamento. O aumento da articulação entre
os vários serviços e a responsabilização da sua gestão no sentido do aumento
e da melhoria da prestação de cuidados de saúde são vectores fundamentais de
uma política que vise uma verdadeira defesa do SNS.
O enquadramento legislativo existente opõe-se a uma política que assegure o
direito à protecção da saúde tal como está constitucionalmente consagrado.
A desgovernamentalização do SNS e a substituição progressiva dos mecanismos
de comando burocrático administrativo por processos de autonomia e de autoregulação
democrática constituem eixos estratégicos da reforma democrática do SNS que
o PCP há muito sustenta.
É de acordo com esta perspectiva geral que o PCP defende a adopção de mecanismos
de administração e gestão democrática baseados em princípios de equidade, dos
centros de saúde, hospitais e sistemas locais de saúde, entre os quais se referem:
1 - A adopção do concurso como método de selecção dos membros dos conselhos
de administração dos hospitais e das direcções dos centros de saúde sendo a
base do concurso o caderno de encargos elaborado pela Administração Regional
de Saúde.
2 - A constituição em cada hospital e em cada centro de saúde de um conselho
consultivo, constituído por representantes de associações de utentes e de organizações
sindicais, bem como por representantes, respectivamente, das assembleias municipais
e das assembleias de freguesia das suas áreas de influência e dotado de amplas
atribuições.
3 - A definição da qualidade dos serviços de saúde como um objectivo de desenvolvimento
contínuo.
4 - O desenvolvimento de uma política de estímulos aos serviços e aos profissionais
do SNS, tendo como objectivo a prestação de cuidados de saúde com melhor qualidade
e com maior eficácia.
A defesa da privatização da gestão dos serviços de saúde, ficando dependente
de uma lógica de lucro, tem passado pela imposição de uma gestão pouco adequada
às necessidades dos serviços de saúde públicos. Mas é possível gerir bem dentro
do quadro público e sem diminuir os direitos dos trabalhadores. E é isso que
prova o projecto do PCP.
Sr. Presidente
Srs. Deputados
O Governo continua a permitir que os grandes interesses estabelecidos no sector
da saúde absorvam o grosso dos recursos do Serviço Nacional de Saúde, situação
que é especialmente grave na área dos medicamentos.
Portugal é um país que se encontra completamente vulnerável face aos interesses
da indústria multinacional de medicamentos, os quais determinam, em grande medida,
o perfil de receituário dos serviços, verificando-se um largo consumo de medicamentos
desnecessários, ineficazes e dispendiosos.
As sucessivas derrapagens orçamentais e o aumento da despesa com medicamentos,
sem que isso se traduza em qualquer ganho para a população, mas tão só em fabulosas
margens de lucro para os interesses privados, não são inevitáveis.
Para afrontar a voracidade dos grandes interesses económicos é preciso tomar
medidas contra o seu favorecimento ilegítimo, atacando o consumo de medicamentos
desnecessários, ineficazes e dispendiosos.
O sistema actual de comparticipação de medicamentos e a forma como são prescritos
favorecem os medicamentos mais caros.
Os utentes e o SNS são, assim, penalizados à custa do favorecimento dos interesses
económicos do sector dos medicamentos.
A indústria leva à prática um marketing agressivo que pressiona os médicos no
sentido de prescreverem os medicamentos mais caros. Quanto às farmácias, elas
obviamente obtêm maiores margens de comercialização com os medicamentos mais
caros.
O Governo português, no seu próprio programa, prometeu tomar medidas para incentivar
a prescrição por princípio activo e para desenvolver o mercado de genéricos,
mas até agora não houve progressos.
Observe-se que o preço dos medicamentos genéricos é normalmente 20 a 30% mais
baixo que os correspondentes de marca e que nos próximos três anos grande parte
dos medicamentos com cotas significativas do mercado terão as patentes caducadas
aumentando, assim, as possibilidades de aumento da quantidade de genéricos.
Em praticamente todos os países da União Europeia estão em curso medidas visando
a contenção de gastos com os medicamentos e nos últimos anos diversos países
(Espanha, França, Itália, Holanda, por exemplo) têm vindo a tomar medidas no
sentido de promover o mercado dos medicamentos genéricos. Por outro lado, a
carestia dos medicamentos afecta cada vez mais os portugueses, que pagam do
seu bolso uma grande parte dos cuidados medicamentosos a que têm direito.
Para o PCP não é defensável que continue a penalizar-se a população e a desbaratar
os recursos do Serviço Nacional de Saúde e que se assista passivamente ao embolsar
ilegítimo de recursos públicos pelos grandes interesses económicos.
Assim, o PCP apresenta o «Programa de redução dos gastos com medicamentos»,
onde se incluem diversas medidas de comprovada eficácia na redução e racionalização
dos gastos com medicamentos, quer do SNS quer dos utentes.
As medidas apresentadas visam alterar diversos aspectos do regime de prescrição
e de comparticipação que actualmente favorecem os medicamentos mais caros à
custa dos utentes e do orçamento do SNS.
Assim, a prescrição médica em todo o Serviço Nacional de Saúde por substância
activa, nome genérico ou denominação comum internacional, e a implantação de
um Formulário Nacional de Medicamentos, acompanhada pelo desenvolvimento do
mercado de genéricos e da função de farmácia no âmbito do SNS, significa uma
poupança na ordem das dezenas de milhões de contos por ano e, simultaneamente,
menos custos e mais comodidade para os utentes.
Finalmente, é incompreensível e inaceitável que existam medicamentos prescritos
nos serviços do SNS cujo custo de comparticipação seja superior ao que se gastaria
com a compra directa e dispensa aos utentes nos próprios estabelecimentos do
SNS. Daí que a sua dispensa gratuita seja uma medida inadiável e com ganhos
substanciais tanto para o SNS como para os utentes.
Sr. Presidente
Srs. Deputados
É possível reformar o Serviço Nacional de Saúde num sentido democrático, que
aumente as garantias para o direito à saúde do povo português.
Com estas propostas dar-se-ão passos decisivos nesse sentido nas áreas em causa.
Estar do lado da defesa do SNS não é só dize-lo. É preciso tomar medidas concretas.
A manutenção da situação actual e a degradação progressiva do SNS só aproveitam
a quem o quer privatizar.
Por isso o PCP assume a defesa do Serviço Nacional de Saúde como fundamental
para o bem estar e o progresso do nosso povo.
Disse.