Sobre a situação da Saúde em Portugal e perspectivas de futuro
Intervenção do deputado Bernardino Soares
22 de Abril de 1998

 

Senhor Presidente,
Senhores Deputados:

O sector da saúde foi sem dúvida um dos mais atacados pela política neo-liberal dos Governo do PSD, o que se traduziu em profundas perdas no direito à saúde dos cidadãos portugueses.

O que se exigia e exige na política de saúde é a inversão completa desta tendência valorizando e investindo no Serviço Nacional de Saúde, instrumento privilegiado para garantir um acesso pleno e democrático dos cidadãos à saúde.

Apesar deste imperativo, continua a degradar-se a situação do Serviço Nacional de Saúde e não há da parte do Governo uma opção clara para a sua defesa e modernização, nem sequer a capacidade para concretizar algumas intenções positivas para ter acesso aos cuidados de saúde.

São as listas de espera para consultas de especialidade nos hospitais.

São os milhares de utentes sem médico de família.

É a falta de cuidados prestados nos domicílios a doentes que têm dificuldades em dirigir-se aos centros de saúde.

É a falta de médicos, enfermeiros e outros técnicos que limita fortemente a resposta às necessidades das populações.

São as comparticipações insuficientes e os reembolsos demorados que tornam medicamentos indispensáveis bens de luxo que poucos podem alcançar.

O Governo afirma repetidamente a sua prioridade aos cuidados primários de saúde, mas na prática fecham-se extensões necessárias às populações e inscrevem-se verbas irrisórias no PIDDAC que adiam por mais tempo a construção de instalações essenciais para muitas populações.

E repetem-se, dia após dia, à chuva e ao sol as filas de pessoas desde as 4, 5 e as 6 horas da manhã à porta dos centros de saúde, na tentativa desesperada de conseguir consulta para si ou para um familiar.

Nos hospitais, continua a sobrecarga da urgência, enquanto nas consultas externas as demoras aumentam, pagando os doentes esta ineficiência com a degradação do seu estado de saúde.

A resposta do Governo não é pelo alargamento ou pela melhor organização dos hospitais. A resposta do Governo é a alteração do estatuto jurídico dos hospitais, em que se avança no caminho da desregulamentação laboral e do ataque às carreiras profissionais e em que se abre a porta para uma gradual e mal disfarçada desresponsabilização do Estado, à semelhança do que acontece noutros sectores sociais.

Outra área em que a situação é de grande gravidade é a dos recursos humanos. O interior do País está já hoje quase sem médicos e a carência alastra a nível nacional. Todos assumem que esta situação atingirá níveis insustentáveis dentro de alguns anos, mas as medidas tardam em chegar.

Quanto aos enfermeiros, nem é preciso esperar alguns anos. Estamos já hoje numa situação insustentável e mesmo nos centros urbanos é cada vez mais frequente encontrar quadros de hospitais e centros de saúde preenchidos em menos de metade no que diz respeito ao pessoal de enfermagem.

É generalizado o recurso aos regimes de acumulação de funções com evidentes prejuízos para a vida dos profissionais mas também para a qualidade dos cuidados prestados.

É uma situação insustentável que exige resposta imediata, pela abertura do numerus clausus em medicina e enfermagem. Não é admissível que as escolas de enfermagem estejam a formar, por decisão política, apenas metade do que poderiam fazer. Não é admissível que hoje se formem por ano nas faculdades de medicina menos médicos do que há 40 anos atrás.

Esta degradação do Serviço Nacional de Saúde passa também pelas questões do financiamento. É verdade que o SNS deve ser melhor administrado, que há ganhos de rendimento a atingir. Mas isso não pode fazer esquecer que existe um permanente e sucessivo sub-financiamento do SNS responsável por grande parte da degradação a que se assistiu nos últimos anos.

Mais ainda. Ao contrário do que nos tentam fazer crer, a solução não é diminuir direitos e reduzir o SNS a um sistema assistencial de cuidados mínimos garantidos, enquanto que aos restantes só quem tem dinheiro tem acesso.

A solução é atacar os interesses instalados dos que se servem com abundância do orçamento da saúde e diminuir as margens de lucro das multinacionais dos medicamentos e dos equipamentos, do sector convencionado onde imperam os monopólios na hemodiálise e nas análises clínicas ou dos construtores civis que entre atrasos e reformulações de projectos embolsam mais uns milhões à custa do erário público.

Para isso não houve nem há vontade nem coragem.

Que fique claro que os custos com que a política de saúde se deve preocupar são os custos que paga a saúde dos portugueses e são os custos da discriminação de quem menos pode e mais precisa.

Disse.