Integração da medicina dentária no Serviço Nacional de Saúde e a carreira dos médicos dentistas
Intervenção de Bernardino Soares
22 de Fevereiro de 2006

 

 

Sr. Presidente,
Srs. Deputados,

Reeditamos hoje um debate que fizemos em legislaturas anteriores sobre um tema muito importante, que é o da saúde oral, e que é o exemplo do incumprimento da Constituição em matéria de acesso aos cuidados de saúde.

A Constituição diz que o Serviço Nacional de Saúde, instrumento para a realização do direito à saúde, deve ser universal e geral, isto é, deve abranger todos os cuidados de saúde considerados necessários para uma saúde completa e global. No nosso país, este «geral» foi sempre com dentes à parte, porque os cuidados de saúde oral nunca estiveram abrangidos pelos cuidados prestados pelo Serviço Nacional de Saúde, e cada vez estão menos, com o desaparecimento progressivo dos estomatologistas e com a não inclusão da medicina dentária no Serviço Nacional de Saúde.

Já sabemos como é que o Governo interpreta a Constituição, tem uma interpretação sui generis. Onde se lê «tendencialmente gratuito», o Governo lê «tendencialmente pago», onde se lê «socialização dos custos com medicamentos» o Governo lê «transferência para os utentes de cada vez mais custos com medicamentos » e onde se lê «Serviço Nacional de Saúde geral» o Governo lê «Serviço Nacional de Saúde com cada vez menos respostas».

A questão parece ser apenas abstracta, mas tem aqui um afloramento concreto muito importante: precisamos de ter uma resposta, nos centros de saúde, nos hospitais, de dimensão muito superior à que temos hoje, que permita que as pessoas, os cidadãos, tenham acesso aos cuidados de saúde oral. Se isso é assim, então só se faz integrando no Serviço Nacional de Saúde, não em massa, como disse o PSD, números significativos de médicos dentistas, abrindo para tal uma carreira de médicos dentistas no Serviço Nacional de Saúde, para que, tal como noutras áreas, haja, nos serviços públicos, resposta para esta tão grande necessidade de cuidados de saúde.

Não vale a pena dizer que isto pode ser resolvido só com convencionados. Não é verdade! Neste momento, a carência é tal que certamente precisamos de recorrer aos convencionados. Mas uma coisa é recorrer aos convencionados abdicando de uma resposta pública, outra — essa, sim, correcta, e cumpridora da Constituição — é manter, perante as necessidades, o recurso à prestação convencionada, mas trabalhar para que haja mais resposta nos serviços públicos, e é isso que os governos não têm feito ao longo dos anos.

Também não vale a pena dizer, como disse a Deputada Fátima Pimenta (ou pareceu-me querer dizer), que isto se resolve apenas com a prevenção. A prevenção é muito importante, mas, depois, há tudo o resto.

Porque se assim fosse, bastava fazermos prevenção em todas as especialidades no Serviço Nacional de Saúde, e o resto logo se via. Ora, não é assim; é preciso prevenção — e por isso valorizamos os passos muito importantes que foram dados nesse sentido —, mas também é preciso atacar o grave problema de saúde oral que temos na generalidade da população do nosso país, e isso este Governo não está a dar sinais de fazer.

Este debate apresenta-nos uma realidade muito interessante, e até curiosa, que é a de, nesta matéria, termos até o CDS, embora de uma forma mitigada, a defender a vinculação à função pública destes profissionais de saúde.

Penso que isto é muito curioso. Mas mais curioso ainda do que esta súbita conversão do CDS aos benefícios da vinculação pública e das carreiras da Administração Pública é a resposta do Partido Socialista.

Percebemos já, durante este debate, por que é que o Partido Socialista não quer médicos dentistas nos serviços de saúde. Não quer que os serviços públicos sejam públicos, como temos vindo a ver pelas declarações e pelas medidas do Governo. O PS não quer os médicos dentistas no Serviço Nacional de Saúde público porque está a planear que, tal como a medicina dentária, outras especialidades também passem a ser cada vez mais privadas, e isto é que vai de encontro à sua política.

Este é um bom exemplo da desigualdade no acesso aos cuidados de saúde. Quem tem dinheiro pode ter acesso aos cuidados de saúde no nosso país, e com grande qualidade, porque temos bons profissionais e consultórios e clínicas bem equipadas. Mas quem não tem dinheiro não pode, e aí é que está o problema.

É neste exemplo concreto que vemos como é indispensável, para que o direito à saúde seja para todos, que o Serviço Nacional de Saúde tenha resposta. E, neste caso, o Serviço Nacional de Saúde não tem resposta. Qual é a consequência? Quem não tem dinheiro tem mais dificuldade em aceder a estes cuidados de saúde oral e, por isso, é que é tão importante a dignificação e o aumento da resposta do Serviço Nacional de Saúde. Assim, é preciso relembrar, tal como refere a Constituição, que para assegurar o direito à saúde o País tem um instrumento fundamental: o Serviço Nacional de Saúde geral, universal e tendencialmente gratuito. Assim ele se mantenha na Constituição, assim ele se mantenha também na prática governativa, o que não tem acontecido nos últimos tempos.

A verdade é que a integração destes profissionais no Serviço Nacional de Saúde custa dinheiro. Mas muito mais caro custa a falta de saúde oral que as populações do País têm, muito mais caro custa ter um País em que o direito à saúde não é para todos, porque, por não haver resposta pública, temos a discriminação a funcionar e temos um grave problema de saúde oral na generalidade da população do nosso país.