Defesa da indústria nacional de medicamentos genéricos em matéria de comparticipações
Intervenção de Bernardino Soares (sessão de perguntas ao Governo)
3 de Fevereiro de 2006
Senhor Presidente,
Senhores Deputados,
Num debate passado o Ministro da Saúde criticou a política de medicamentos do PSD dizendo:
“quiseram tomar uma medida precipitada e experimentalista, ao lançar os genéricos sem ter o mercado totalmente preparado e sem olhar para a produção nacional, admitindo que os genéricos viessem a ser praticamente ocupados pela produção estrangeira.”.
Tal desvelo pela produção nacional pareceria sincero se não existissem cada vez mais fortes sinais de que o Governo se prepara para dar uma machadada final na indústria nacional de genéricos, não dependente de licenças de multinacionais.
Como?
Utilizando as questões das patentes de medicamentos para bloquear administrativamente as autorizações de introdução do mercado e comparticipações de medicamentos genéricos de produção nacional.
Trata-se introduzir no processo que corre no Infarmed para a autorização ou comparticipação de cada medicamento genérico a obrigatoriedade de dirimir questões de patentes.
Ora este é um mecanismo completamente ausente das normas europeias sobre a medicamentos ou da agência europeia e outras agências nacionais de outros países. A questão das patentes deve ser dirimida pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial e se for caso disso pelos tribunais.
É que se passar a ser norma que a invocação de problemas de patentes suspende o processo de autorização ou de comparticipação do medicamento, isso significa que as empresas multinacionais passarão a poder, sempre que quiserem bloquear a entrada de um medicamento genérico de uma empresa que não seja por si licenciada, basta invocar um problema de patente, que será dirimido em meses ou anos pelos tribunais, para conseguir que esse medicamento genérico concorrente não entra no mercado ou não é comparticipado, o que significa igualmente a sua morte comercial.
A prazo só teríamos o mercado de genéricos que as multinacionais permitissem e não o que o país precisa para melhor aplicar os seus recursos e diminuir os custos para os utentes. Ora o Governo sempre se refere aos preços comparativamente elevados dos nossos genéricos com preocupação; mas se esta medida avançar os genéricos terão ainda mais o preço e a utilização que as multinacionais quiserem.
Uma decisão neste sentido:
- submete os interesses do nosso país aos interesses estrangeiros
- prejudica as empresas nacionais não dependentes de multinacionais, designadamente no que toca ao emprego
- limita o crescimento do mercado de genéricos, deixando-o a prazo completamente nas mãos das multinacionais
Por isso queremos hoje que o Governo garanta que não está em negociação com a indústria multinacional nenhuma cedência em matéria de contaminação do processo de autorização de venda e comparticipação e que não pretende no futuro tomar nenhuma medida neste sentido, nem no Estatuto do medicamento nem em nenhum outro instrumento.
(…)
Sr. Presidente,
Sr. Secretário de Estado,
Quanto à pergunta, ela é sobre a defesa da indústria nacional de medicamentos genéricos em matéria de comparticipações.
Ora, se avançar esta ideia de introduzir a questão das patentes no processo de autorização da introdução no mercado dos genéricos nacionais ou de comparticipação, isso significa que, em matéria de comparticipações, vamos ter o fim dos medicamentos genéricos produzidos pela indústria nacional que não esteja dependente de licenças das multinacionais.
Sr. Secretário de Estado, peço-lhe que não confunda as questões: não lhe pedi um balanço sobre o mercado de genéricos, nem defendemos que haja a ignorância das questões das patentes.
O que não pode haver é a suspensão do processo de comparticipação por causa de questões das patentes. As questões das patentes têm de ser dirimidas em sítio próprio e não há na União Europeia, ao contrário do que referiu, uma orientação no sentido de «contaminar» o processo de aprovação de comparticipação com as questões das patentes. Aliás, esse mecanismo só existe — e julgo que num destes países já foi retirado — na Roménia, na Hungria e na Polónia. Portanto, não penso que seja aqui que tenhamos de ir buscar o melhor exemplo.
E o Sr. Secretário de Estado pode dizer que este fluxograma que aqui tenho não está assinado pelo INFARMED — e não está —, mas garanto-lhe que não fui eu que o fiz. E garanto-lhe também que, se o Governo está a tencionar introduzir, como moeda de troca, no acordo com a indústria farmacêutica, a questão da suspensão dos medicamentos genéricos da indústria nacional, sempre que alguém invocar um problema de patente, isso significa que a indústria multinacional até pode agora aceitar um crescimento zero, porque sabe que, em breves anos, vai ter na mão o controlo do mercado de genéricos e vai poder decidir, apenas invocando que há um problema de patente, sendo que isso suspende o processo de comparticipação, quais são os medicamentos genéricos que podem ir para o mercado comparticipados e quais são os que não podem ir. E essa vantagem concorrencial absolutamente demolidora e que esmaga a indústria nacional independente é inaceitável.
O que queria ouvir aqui do Sr. Secretário de Estado é que não há qualquer intenção do Governo em que os processos de autorização de introdução no mercado e de comparticipação possam ser suspensos pelo levantamento ou pelo invocar de um problema de patentes. Esta é que é a garantia que queremos ouvir aqui.
O problema de patentes, se existir (para todos os medicamentos e não só para os genéricos), tem de ser resolvido nos sítios próprios. Não pode é ser uma arma de arremesso para a questão da comparticipação ou para a questão da autorização de introdução no mercado. Se assim for, o Governo presta um muito mau serviço ao mercado de genéricos e à indústria nacional independente.