Elaboração do segundo inquérito alimentar nacional
Intervenção de Bernardino Soares
2 de Fevereiro de 2006
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
Vinte cinco anos depois do primeiro inquérito alimentar, pelos vistos, vamos ter aqui uma recomendação forte, capaz de levar o Governo a pôr m prática um segundo inquérito e, pelos menos, a aproximar-se do ritmo mais frequente — e, esperemos, daqui para o futuro mantendo-o — que outros países têm na adopção destes inquéritos, de quatro em quatro anos, por exemplo.
É bom lembrar que na legislatura anterior este debate já se fez e que, na altura, a maioria de então invocava a existência deste inquérito no Plano Nacional de Saúde para votar contra a iniciativa, como, aliás, tanto quanto me pareceu, vai fazer quanto a este projecto de resolução. Ora, a verdade é que este é um dos aspectos fundamentais em relação ao Plano Nacional de Saúde, que está cheio de medidas tecnicamente positivas mas faltam-lhe quer meios assegurados para a sua concretização quer objectivos concretos de calendarização que nos permitam aferir se elas vão ser, ou não, levadas a cabo. Este é um bom exemplo das falhas do Plano Nacional de Saúde.
Este inquérito permitirá, certamente, avaliar o tema da alimentação, o que leva quer às questões da obesidade e de outras doenças quer às questões da subnutrição. A Organização Mundial da Saúde refere que a alimentação está directa ou indirectamente relacionada, em mais de 10%, com os problemas de hipertensão, em quase 8%, com os problemas de colesterol e directamente relacionada, numa percentagem elevada, com a obesidade e o excesso de peso, sendo, assim, um factor de risco de doenças como as do aparelho circulatório, a diabetes, o cancro e a osteoporose.
Por outro lado, este debate tem de chamar à colação a questão da falta de actividade física entre a nossa população, consequência de erradas políticas de desporto, quer no desporto escolar quer no desporto em geral na sociedade, sendo que nunca foram dadas as condições necessárias, desde muito perto do 25 de Abril, para a generalização da actividade física, com a importância que isso tem para uma vida saudável.
O nosso país tem um dos mais elevados níveis de sedentarismo e está entre os primeiros no que concerne à falta de actividade física.
A questão da alimentação está muito ligada aos estilos de vida que hoje temos, à urbanização das populações, ao êxodo rural, não só no nosso país mas a nível mundial, e à consecutiva concentração das populações nas cidades, provocando uma alteração do seu estilo de vida e, consequentemente, do seu estilo de alimentação. E certamente ninguém poderá negar que a vida que hoje muitos portugueses têm, com um ritmo elevadíssimo, muitos deles a terem dois empregos, com pesadas deslocações do seu emprego para a sua casa, com um gasto de tempo muito elevado por falta de acessibilidades e de transportes públicos adequados, a juntar aos baixos recursos e às dificuldades sociais e económicas, é, sem dúvida, um ambiente favorável para haver problemas ao nível da alimentação em diversos aspectos, quer da subnutrição quer de uma alimentação errada.
Esse problema é, sem dúvida, especialmente sentido ao nível da obesidade infantil. Recentemente, um estudo divulgado da Universidade de Coimbra chama a atenção para esta matéria, realçando o facto de mais de 30% das crianças portuguesas estarem em situação de obesidade, que é uma percentagem das mais elevadas da União Europeia. Trata-se de um estudo que reconhece a importância da obesidade dos pais como factor de risco na obesidade das crianças e que dá uma enorme importância à questão da alimentação, mas cuja responsável não deixa de pôr o acento tónico no aspecto do sedentarismo das nossas crianças e da falta de actividade física suficiente.
De facto, 52% das crianças inquiridas neste estudo não tem qualquer actividade física e a maioria das restantes apenas tem uma hora por semana de actividade física, o que, segundo os dados internacionais, é manifestamente insuficiente.
Existe, sabemos disso, um grupo de trabalho ao nível do Ministério da Saúde para aplicar o Programa Nacional de Luta Contra a Obesidade, que está não preocupado no fundamental com a prevenção mas, sim, com o tratamento, deixando o aspecto da prevenção completamente desguarnecido.
É por isso muito importante esta discussão e a aprovação deste projecto de resolução, para que tenhamos um inquérito alimentar sério, rigoroso e que nos permita ter uma política alimentar mas também, aliada a ela, uma política de fomento da actividade física e do desporto adequadas para combatermos os problemas da subnutrição e da obesidade e as suas consequências para as doenças na nossa sociedade.