Diagnóstico genético pré-implantação e intervenções na linha germinativa
Intervenção de Odete Santos
1 de Fevereiro de 2006
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
Na investigação científica os acidentes também acontecem e não são sempre negativos. Esse foi o caso da descoberta de uma nova técnica de procriação medicamente assistida (PMA) — a da injecção intracitoplasmática —, que foi descoberta por mero acaso e numa experimentação directamente em ser humano e não em qualquer outra espécie animal, como habitualmente. Parece que tal nada tem a ver com o assunto, mas verão que tem.
Isto também só pode acontecer num contexto de liberdade, sem imposições morais, que nada têm a ver com ética, mas antes com preconceitos.
Vem isto a propósito deste projecto de lei e, concretamente, a propósito da proibição em absoluto da terapia génica nas células germinais, que o projecto de lei, mesmo no seu articulado, aliás de uma forma inédita em termos de técnica legislativa, justifica com a afirmação — veja-se o artigo 15.º, n.º 2 — de que a terapia génica nas células germinais para correcção de defeitos genéticos específicos ainda não é tecnicamente segura, pelo que não é permitida.
O n.º 1 desse mesmo artigo refere-se às intervenções na linha germinativa para aperfeiçoamento da espécie, e já não para correcção de anomalias, porque estas têm uma solução mais radical: a proibição não se deve a qualquer atraso na técnica.
A violação destas proibições no projecto de lei que hoje estamos a discutir constitui um crime punido com uma pena de 1 a 8 anos, mas nos termos do outro projecto de lei do BE, sobre procriação medicamente assistida, que classifica o diagnóstico genético pré-implantatório, logo no primeiro ou segundo artigo, como uma técnica de procriação medicamente assistida, a mesma violação da proibição já é punida com uma pena de 1 a 5 anos e não de 1 a 8 anos.
No projecto de lei não se prevê a revisão periódica desta legislação, ao contrário do que acontece em todos os projectos de lei sobre reprodução medicamente assistida.
É verdade que a terapia génica nestas células tem sido proibida nalguns países, por acaso naqueles que se situam entre os países ricos, mas é verdade também — e isto, enfim, é estranho e contraditório — que há dois países pobres que optaram por regular a intervenção na linha germinal: o Brasil e a India.
Estas intervenções levantam — reconhecemos — problemas éticos, dado que se trata de manipular células imortais, que transmitem as características a toda a espécie humana, por isso se compreende o atraso, entre nós notório, no debate sobre estas questões.
Mas é diferente a avaliação ética sobre a intervenção nas células germinais destinada a aperfeiçoar a espécie humana e sobre a intervenção destinada a corrigir anomalias graves do futuro embrião.
Assim refere o Boletim da Organização Mundial de Saúde n.º 80, do ano 2002, afirmando que as intervenções na linha germinal produzem efeitos irreversíveis nas futuras gerações e tornam possível o seu uso com fins eugénicos — este é o perigo —, o que levanta sérios problemas éticos.
No entanto, no artigo que vimos citando, distingue-se a apreciação em relação a duas situações.
Nos casos destinados ao aperfeiçoamento da espécie humana, as objecções radicam no facto de não termos o direito de condicionar futuras gerações, pois os indivíduos têm o direito de desenvolver livremente as suas capacidades, sem estarem biologicamente condicionados pela determinação do que é bom ou mau em determinado momento, o que, a acontecer, tratar-se-ia o de uma tirania intergeracional.
Ao mesmo tempo — diz o artigo —, nas intervenções com esta motivação, os seres humanos são tratados como objectos.
Já quanto às intervenções na linha germinativa com a finalidade para fins terapêuticos para prevenir a transmissão de doenças, as objecções situam-se no risco de transmitir danos às futuras gerações, riscos que a investigação científica poderá ir avaliando e minimizando através de técnicas.
É por isso que a UNESCO, no artigo 24.º da Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos, faz a afirmação, aliás cautelosa, de que as intervenções na linha germinal podem — não faz a afirmação — ser contrárias à dignidade humana.
E é por isso que a Convenção Europeia sobre Direitos Humanos e Biomedicina admite intervenções no genoma humano, no sentido de o modificar para fins preventivos, de diagnóstico ou terapêuticos e unicamente quando a finalidade não é a de introduzir alguma modificação no genoma de qualquer descendente — veja-se o artigo 13.º.
Parece-nos que, quanto às intervenções com fins terapêuticos, de diagnóstico ou preventivos, o projecto de lei supera pela negativa os dois instrumentos internacionais referidos, fundamentando a proibição absoluta com o facto de a técnica não ser segura.
Outros afirmam que se trata de uma utopia só realizável a muito longo prazo. Pois, mas segundo uma frase de uma peça de Gil Vicente em castelhano, «Por lo imposible andamos».
E a verdade é que somos de opinião de que, nestes casos de intervenções com finalidades preventivas ou de diagnóstico, o que poderá justificar-se é uma moratória e não uma proibição.
De qualquer forma, compreendendo, embora, as preocupações que estão na base da proibição, parece-nos que o caminho deveria ser outro, deveria ser o de legislar em termos de investigação científica primeiro. É que as proibições absolutas, quando se prestem a dúvidas, têm o efeito perverso de atrasar a investigação científica.
A conceituada revista Nature publicou uma investigação de cientistas de Harvard que envolveu pesquisas em células germinais, importantes, segundo os mesmos, para a aquisição de conhecimentos sobre defeitos de desenvolvimento logo nos primeiros estádios da vida e podem trazer novas descobertas para compreender a infertilidade masculina ou sobre a formação patológica de tecidos.
Os erros genéticos nesta primeira fase da vida podem explicar muitas doenças que aparecem depois do nascimento. Esse estudo de cientistas de Harvard diz: «A imortalidade das células germinais pode levar ao controlo de outro tipo de célula imortal: o cancro celular. E o seu papel no processo reprodutivo pode lançar luz sobre afecções depois do nascimento que ocorrem muito cedo após a fertilização».
Apesar desta investigação ter sido conduzida com células germinais de fetos abortados, avançou devagar, segundo os investigadores, dadas as controversas questões éticas envolvidas.
Ora, parece-nos que não é certo o caminho de proibições, pois estas influenciarão negativamente a investigação científica. Seria preferível apenas a moratória.
E sobre a utopia retomarei a afirmação inicial, que parecia fora de propósito, de que os acidentes acontecem e podem ser positivos. Não é possível profetizar qual o momento em que a utopia se realiza.
O projecto de lei contém ainda disposições sobre o diagnóstico genético pré-implantatório. Sobre a questão do diagnóstico genético já nos pronunciámos no outro debate, por isso não vou aqui retomar essa questão, mas gostaria de referir que todos os projectos de lei sobre a procriação medicamente assistida, inclusive o do Bloco de Esquerda, referem que o diagnóstico pré-implantatório é uma técnica da procriação medicamente assistida e também a intervenção na linha germinal, que cairá na última alínea, que fala em qualquer manipulação, etc.
A verdade é que esta matéria está a ser tratada no âmbito dos projectos de lei sobre procriação medicamente assistida.
O Bloco de Esquerda também prevê, no seu projecto de lei sobre procriação medicamente assistida, disposições sobre o diagnóstico genético pré-implantatório e sobre o rastreio de aneuploidias. Só não prevê a possibilidade de utilização do diagnóstico para determinação do embrião com grupo HLA compatível com o de irmão ou irmã, que apresenta neste projecto de lei.
Muitas das disposições constantes do projecto de lei que hoje discutimos foram transpostas — tenho de o dizer assim, porque este foi o primeiro projecto de lei do Bloco de Esquerda apresentado, embora os dois tenham dado entrada na Mesa no mesmo dia — para o projecto de lei sobre procriação medicamente assistida, nomeadamente as relativas à comissão, à sua constituição, ao consentimento das pessoas e aos direitos e deveres dos beneficiários.
Relativamente à parte penal, a utilização indevida do diagnóstico sem consentimento e também o uso de todas as técnicas de PMA são punidos no projecto de lei já aprovado com uma pena de 1 a 8 anos, enquanto neste projecto de lei o mesmo crime de utilização indevida do diagnóstico, das intervenções na linha germinativa e também das técnicas sobre procriação medicamente assistida sem consentimento é punido com uma pena de 1 a 5 anos. Gostaria de saber em que é que ficamos. Entre os projectos de lei apresentados no mesmo dia há uma diferença assinalável neste aspecto.
Nós defendemos o diagnóstico genético pré-implantatório com a amplitude que se torne necessária para a felicidade do ser humano, porque os receios que havia de que tirar uma ou duas células do blastocisto traria graves danos no embrião não se verificou, como está demonstrado. Defendemos isto, tendo em consideração que muitos dos casais que recorrem ao diagnóstico nem sequer são inférteis. Nos Estados Unidos, por exemplo, pelo menos de um terço dos casais que a ele recorrem são férteis e o recurso ao mesmo tende a expandir-se, ao mesmo tempo que se alargam as possibilidades e as finalidades do mesmo.
Mas o método seguido pelo Bloco de Esquerda, com dois projectos de lei entregues no mesmo dia, parece-nos incorrecto. Se a Assembleia vai legislar sobre a matéria, que o faça uma só vez numa lei coerente.
(…)
Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
Muito brevemente, apenas porque foi aqui referido — com certeza, não se dirigia ao PCP — que se queria «restringir» o diagnóstico préimplantatório só em relação aos casos de infertilidade.
De resto, a Sr.ª Deputada Ana Drago, há bocado, cometeu um erro de palmatória: disse que o diagnóstico pré-implantatório não era uma técnica de procriação medicamente assistida, mas no próprio projecto de lei do Bloco de Esquerda assim vem definido, e assim é!
Mas eu queria tão-só dizer que se o projecto de lei do Bloco de Esquerda sobre procriação só diz respeito aos casais inférteis, eu não o entendi assim.
Mas, pelo menos, o do PCP posso assegurar que não diz apenas respeito aos casais inférteis; diz também respeito aos casos em que há riscos de transmissão de doenças grave e também à questão de determinar o grupo HLA compatível para um irmão ou uma irmã.
Portanto, essas matérias — pelo menos, penso que também no âmbito do projecto de lei do PS isso está assim — serão lá discutidas.