Debate sobre política de saúde
Intervenção de Bernardino Soares
16 de Dezembro de 2005

Sr. Presidente,
Srs. Deputados,
Srs. Membros do Governo,

O primeiro conjunto de questões que queria colocar tem a ver com a política do medicamento.

Durante a discussão do Orçamento do Estado, o Grupo Parlamentar do PCP levantou diversas vezes a questão da majoração de 25% para os utentes do regime especial no que diz respeito à comparticipação de medicamentos genéricos. Bem sei — estamos atentos — que já foi aprovado em Conselho de Ministros um diploma para prorrogar o prazo de aplicação dessa majoração de 25% para os utentes do regime especial. Só que, ao contrário do que tem sido feito nos outros anos e do que foi proposto pelo PCP, e que o Partido Socialista rejeitou durante a discussão do Orçamento do Estado, a prorrogação que o Governo aprovou, segundo o comunicado do Conselho de Ministros, é só até 30 de Junho.

Ora, uma vez que no Orçamento do Estado, no plano de contenção da despesa corrente, já estava pre-vista a diminuição desta majoração, que o Sr. Ministro não concretizou dizendo que isso teria custos muito grandes para os utentes e que, portanto, não estava a ser considerada, queremos que o Governo nos expli-que se esta prorrogação parcial apenas até meio do ano significa que o Governo está a planear pôr fim à majoração.

Ora, o fim desta majoração significará um acréscimo de 25% no custo dos medicamentos para os uten-tes do regime especial. Esta é uma medida muito grave a juntar às outras que já atingiram vários sectores da população e dos utentes no que diz respeito ao preço dos medicamentos.

As pessoas que estão em casa querem saber se vão deixar de ter, a partir do fim de Junho de 2006, essa majoração e se vão, portanto, pagar mais pelos seus medicamentos.

Nesta área, coloco-lhe ainda uma pergunta sobre a questão do protocolo que o Governo está a negociar com a indústria farmacêutica. É que surgiram notícias segundo as quais o gasto dos medicamentos nos hospitais ficaria excluído deste protocolo. Ora, como sabemos que é nos hospitais — e o Sr. Ministro já o reconheceu — que tem incidido uma boa parte da pressão da indústria para aumentar os gastos com medi-camentos, tendo o Sr. Ministro dito que é nos hospitais que tem havido uma boa parte deste aumento de gastos, quero saber se isto é verdade e em que condições é que vai ser celebrado este protocolo. Porque, Sr. Ministro, se este protocolo vai ser novamente uma espécie de rendimento mínimo garantido para a indústria farmacêutica, não estamos a defender os interesses do Estado nem os dos utentes.

É verdade que, de acordo com os protocolos que têm sido celebrados, acima de um determinado mon-tante a indústria devolve ao Estado o gasto com comparticipações, mas não devolve aos utentes, Sr. Minis-tro. Portanto, esta não é uma verdadeira medida de contenção do crescimento abusivo dos gastos com medicamentos, porque, mesmo que o Estado possa recuperar alguma parte, embora se garanta um deter-minado nível de consumo e de venda para a indústria farmacêutica, os utentes não podem recuperá-la, e têm sido estes os mais penalizados pela política do medicamento deste Governo.

Quero ainda abordar outras questões relacionadas com a rede de urgências que já foi aqui referida e também com a rede hospitalar.

O Governo já fez saber que vai concentrar as urgências mediante determinados critérios que me pare-cem, em certos casos, abusivos. Isto não quer dizer que não se considere que nalguns casos não haja condições para determinadas urgências funcionarem. Não excluo que isso possa acontecer em determina-dos casos concretos. Mas o que parece que está a conduzir esta operação não é essa preocupação fundamental, mas, sim, a da contenção dos gastos. Porque se não há nalguns centros de saúde e nas suas urgências meios de diagnóstico mínimos para garantir algum atendimento, então a solução é colocá-los lá e não retirar a urgência.

Aliás, pergunto se para a implementação desta política o Governo se está a basear nalgum documento semelhante a um que existiu em 1998 — a carta de equipamentos de saúde — onde se detectavam as maiores carências, nele constando, por exemplo, que, nos casos dos centros de saúde, se verificavam algumas situações de aparelhos desactivados por falta de pessoal. Nestes casos o que há a fazer não é em termos de radiologia, porque não há falta de técnicos de radiologia e de médicos radiologistas, pois, este pessoal pode ser colocado e não ser encerrada a urgência.

Também não sei como é que o Governo vai resolver as assimetrias regionais que continuam a existir, porque em matéria de meios de diagnóstico, que são uma das justificações que o Governo vai apresentan-do para que algumas urgências deste tipo sejam encerradas por não terem as devidas condições, a carta de equipamentos de saúde que já havia apontava no sentido de um enorme prejuízo para as regiões do interior que tinham muito poucos meios de diagnóstico, mas penso que isso continua a verificar-se.

O Governo tem que justificar por que é que vai implementar esta política sem um instrumento de pla-neamento, sem uma orientação de planeamento estratégico e procurando apenas cortar nos gastos e não investir onde é preciso para melhor servir as populações.

(…)

 

Sr. Presidente,
Sr. Ministro da Saúde,

Volto ainda brevemente à questão da majoração dos 25% na comparticipação dos medicamentos, porque os pressupostos que o Governo enunciou não se verificam. De facto, não temos genéricos com o volume suficiente para diminuir esta majoração e, mais do que o Governo agora dizer que vai depois avaliar os custos desta alteração para os utentes, o que temos já, no relatório do Orçamento do Estado para 2006, é um compromisso com esta diminuição, independentemente dos custos que venham a verificar-se e das consequências para os uten-tes. O Governo já tomou essa decisão, escusa de estar agora a dizer que vai avaliar se os seus custos são muitos ou poucos.

Quanto à questão das urgências e da sua concentração, é evidente que a primeira preocupação é redu-zir desperdícios; esse objectivo é que está a comandar.

E a prova disso é que não se conhece qualquer planeamento técnico que sirva de base a estas decisões que agora se anunciam. E estas decisões não são sequer vistas articuladamente com uma política de desenvolvimento harmonioso do território. O encerramento destas unidades nos casos em que o necessá-rio era um maior investimento nelas será mais um contributo para a desertificação e para as assimetrias regionais dos distritos do interior.

Quero ainda referir-me à questão da reestruturação da rede hospitalar em Lisboa. O anúncio, pelo Governo, do encerramento do Hospital do Desterro, designadamente nas suas importantes e essenciais especialidades de urologia e dermatologia, nos próximos meses não comporta a sua integração em qual-quer outra unidade deste centro hospitalar. Isso não é possível! O serviço de urologia presta 16 000 consul-tas/ano e o serviço de dermatologia presta 35 000 consultas/ano, sendo feitas mais de 1000 cirurgias neste hospital.

Aliás, é estranho que o Governo tenha anunciado também que até o Hospital de São José vai encerrar, pois o anterior executivo do PS mandou elaborar um plano director regional em que, mesmo com a abertura do novo Hospital de Todos-os-Santos e com os hospitais de Loures, de Vila Franca de Xira e com todos os outros que circundam Lisboa, se mantinha o Hospital de São José. Assim, pergunto se há um novo plano director regional ou se estas medidas são apenas decisões casuísticas para facilitar, como o novo Hospital de Todos-os-Santos vai ser construído numa parceria público-privada, uma privatização do centro hospita-lar que hoje existe e que tão necessário é para as populações.

Finalmente, vou referir-me aos hospitais EPE. Este estatuto é idêntico, na maioria dos pressupostos, ao estatuto dos hospitais SA. Por exemplo, nos critérios economicistas de gestão ou no contrato individual de trabalho como regra. Mais do que isso, como obriga a que anualmente o plano pessoal se adeqúe ao orça-mento, empurra para a contratação a prazo dos profissionais de cada um destes hospitais e, portanto, para a precariedade. Empurra também para os supranumerários, aliás, como o Sr. Ministro já anunciou em rela-ção ao Hospital de Santa Maria, e a uma concentração absurda da decisão nos Ministérios da Saúde e das Finanças e da Administração Pública em vez de haver autonomia, que era do que se precisava.

No entanto, a nota talvez mais importante desta alteração é o Governo dizer que a mesma é feita para afastar um pouco para mais longe as privatizações destes hospitais, mas depois, mantendo o capital social da unidade, em termos globais, público, o que faz é introduzir a privatização de várias das suas unidades orgânicas. É assim uma espécie de «cavalo de Tróia»: público por fora mas com a privatização lá dentro!