Criação do regime especial de protecção de crianças e jovens com doença oncológica
Intervenção de Bernardino Soares
14 de outubro de 2005

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

Julgo que, em relação ao projecto que hoje discutimos, há questões gerais e questões mais particulares.

Em relação às questões gerais, penso que é indispensável reconhecer a oportunidade deste projecto, que aborda e pretende criar um regime de protecção específico para as crianças e jovens com doença oncológica. Julgo que se justifica haver um regime específico, sem prejuízo de haver um cruzamento com outros regimes já existentes. É evidente que considero que tem de haver uma articulação (e, na especialidade, esse trabalho pode fazer-se) com outras normas e outras regras mais genéricas que já existem e que também se podem aplicar a estes casos, mas haverá certamente um tratamento próprio desta situação concreta que não dispensa este diploma ou um diploma que vá no sentido que aqui é proposto pelo PSD.

Temos também a ideia de que, independentemente do diploma, é preciso, depois, cuidar da sua aplicação — como já aqui foi dito —, por exemplo, nas unidades do Serviço Nacional de Saúde, pois muitas das medidas que aqui são propostas exigem a existência de infra-estruturas, de meios, de condições concretas para que sejam asseguradas. Não é possível prever, como é de direito, o acompanhamento dos pais — aliás, não só na doença oncológica, mas também noutras situações — e, depois, não haver condições mínimas para que isso aconteça, por debilidades das nossas infra-estruturas. É necessário, portanto, que a este reconhecimento de direitos corresponda a adequação das condições das próprias unidades hospitalares.

É preciso também que alguns dos direitos que aqui são propostos, e outros que já existem na lei, para os pais, para os acompanhantes e para as pessoas que cuidam destas crianças e jovens tenham garantias de aplicação no sector privado e que não sejam ultrapassados pela pressão e pela situação do mercado laboral que temos hoje, em que cada vez mais o exercício de direitos é dificultado pela precariedade da relação laboral e pela situação de eminente desemprego ou cessação de contrato que impende sobre muitos trabalhadores. É nessas situações que esta protecção é mais necessária e é preciso encontrar meios para que, na prática, seja garantida.

Julgo também que, no momento em que está prestes a terminar a vigência do Plano Oncológico Nacional, aprovado em 2001, talvez valha a pena, na revisão deste Plano, sem prejuízo de ele ser geral, introduzir referências concretas à situação da doença oncológica para crianças e jovens, que merecem uma abordagem específica até do ponto de vista da sensibilização dos próprios profissionais de saúde para as especificidades desta situação.

Em relação às questões em sede de especialidade, há várias que podem e devem ser vistas, uma das quais já foi levantada pela Sr.ª Deputada Teresa Caeiro. Penso que é preciso ponderar, por exemplo, os limites máximos para a atribuição de alguns destes direitos, porque, julgo, não há justificação para que, se a situação de doença se prolongar numa fase mais avançada e não na fase inicial, cessem esses direitos — porventura, numa fase em que eles são ainda mais necessários do que no início da situação de doença oncológica. Portanto, podem haver aqui prazos máximos que são desnecessários e que até podem ter efeitos contrários àquilo que é pretendido, na generalidade, pelo diploma. Penso que isso deve ser ponderado.

Sobretudo, penso que seria muito útil que, desde logo, na lei mas, depois, na prática, nas unidades de saúde houvesse uma obrigação de informação aos pais, aos acompanhantes, aos familiares, às próprias crianças e jovens dos direitos que lhes assistem e que lhes virão a assistir ainda mais se um projecto desta natureza, depois de melhorado e burilado, vier a ser aprovado. A informação desses direitos é fundamental e deve ser sempre cumprida nas unidades de saúde, pelos profissionais de saúde, por forma a que o conhecimento e o acesso a estes direitos não fique dependente apenas da diligência dos que estão nessa situação e das suas famílias. São situações em que, porventura, essa não é a primeira preocupação que vem à mente de quem nelas está — de ir procurar saber e informar-se sobre os seus direitos. É preciso que as próprias unidades de saúde, de imediato, façam a divulgação e promovam o acesso a esses direitos, que são tão importantes em todas as situações e, em particular, na que hoje, aqui, discutimos.