Senhor Presidente,
Senhores Deputados,
A aprovação da directiva 2001/20/CE, cuja transposição é hoje proposta, ocorreu num contexto político e económico que importa ter presente. Por um lado afirmam-se as necessidades de desenvolvimento da investigação científica na área dos medicamentos, sobretudo face à forte concorrência dos EUA. Por outro verifica-se que as intenções e os propósitos da Indústria farmacêutica Europeia, de resto fortemente concentrada, assentam fundamentalmente na vontade de maximizar lucros e reduzir riscos de investimento e não seguem, nem de perto nem de longe as necessidades de saúde pública.
Um dos primeiros objectivos apresentados pela IF é a diminuição da burocracia na aprovação e acompanhamento dos ensaios clínicos. Claro que se deve entender que por detrás do eufemismo da redução da burocracia está obviamente a vontade de remover níveis de controlo e decisão no acompanhamento dos ensaios clínicos que são afinal garantias dos direitos dos utentes e da conformação dos ensaios às regras de saúde pública e da segurança.
É positivo por isso que não tenha sido acolhida a pretensão da IF de haver um parecer único de autorização de ensaios a nível europeu para os ensaios em vários países.
De resto existe hoje uma fronteira muito ténue, em muitos casos, entre as estratégias de marketing e comercialização e as de investigação, da IF. Muitos ensaios têm uma nítida preocupação, da parte da indústria farmacêutica, de abrir caminho a uma comercialização mais alargada de determinado produto ou de abrir para ele uma quota de mercado.
Isso está bem patente no facto de a maioria da experimentação se dirigir, não para medicamentos verdadeiramente inovadores, mas para medicamentos que, com escassa dose de inovação, vêm substituir outros cuja patente se esgotou ou que perderam valor comercial.
Na verdade os critérios de prioridade, assentes nas necessidades de saúde pública, definidos pelas autoridades estatais, não são o que comanda as directrizes principais da investigação científica. Precisaríamos, em Portugal e na UE de políticas públicas activas mais fortes, que retirassem parte da investigação do domínio quase absoluto das prioridades da IF.
A legislação que agora analisamos tem no cômputo geral vantagens em relação ao regime anterior nas duas questões fundamentais nesta matéria: a garantia de segurança dos ensaios clínicos e a protecção dos interesses dos participantes nos ensaios. Contudo encerra insuficiências.
Regula só matéria de ensaios com medicamentos, sem dúvida a mais sensível, mas existem outros ensaios – por exemplo de novos tratamentos, meios de diagnóstico, etc..
É da maior importância a criação da Comissão de Ética para a Investigação Clínica, que terá um papel decisivo na regulação dos ensaios clínicos em Portugal, criando um crivo prévio, nacional e tecnicamente habilitado à sua realização.
São da maior importância as novas competências do INFARMED nesta matéria de ensaios clínicos, que precisam de condições concretas para serem exercidas. A possibilidade por existirem autorizações tácitas por decurso do prazo de decisão, apesar de haver exigência de autorizações expressas nalguns casos, exige que seja dada ao INFARMED capacidade e meios para decidir de forma informada e fundamentada. A possibilidade de se exercerem a todo o tempo inspecções sobre o cumprimento das regras e dos protocolos que regulam os ensaios exige meios (como aliás se faz noutros países).
Da mesma forma importa prever como se processará a habilitação das Comissões de Ética para a Saúde. Importa ainda na regulamentação criar regras que evitem a existência de conflitos de interesses na CEIC.
Importa também prestar atenção às dificuldades na formação e funcionamento das CES. Rui Nunes, o indigitado presidente da ERS autor de um estudo sobre o funcionamento das comissões de ética, reconhecia há pouco tempo as insuficiências nessa matéria.
A garantia do fornecimento do medicamento gratuito só até à introdução no mercado, isto é, à comercialização, é insuficiente. Porque não prever pelo menos, adoptando aliás o critério dos três anos previsto para a presunção da responsabilidade dos danos sofridos pelos participantes? Seria uma justa medida que para além de garantir a manutenção de tratamentos que cada doente iniciou e que, sendo inovadores, entram no mercado com preços em regra bastante elevados, desincentivaria intenções de impor uma lógica mais comercial nos ensaios.
Na regulamentação é preciso garantir uma
interpretação ampla do conceito de medicamento experimental, que
considere todos os medicamentos
utilizados, para protecção dos doentes.
É preciso igualmente garantir uma correcta regulamentação e aplicação prática do seguro obrigatório, face às incertezas em relação ao cálculo do risco.
É preciso ainda acautelar as questões relativas aos ensaios feitos em ambulatório, designadamente em centros de saúde e saber qual é a comissão de ética competente ou se é a CEIC.
E ainda colmatar a lacuna da não exigência de serviços farmacêuticos responsáveis pelo circuito do medicamento experimental se o centro de ensaio for no sector privado.
Mas há uma questão muito importante face à política de saúde actual. É a questão dos ensaios como fonte de receita para as instituições, face às necessidades de financiamento e à política de busca desesperada de receitas imposta pelo Ministério da Saúde aos hospitais, sociedade anónima ou não.
É uma mistura explosiva e que pode abrir caminho à secundarização da saúde pública e das prioridades de investigação, em favor das necessidades de financiamento, sujeitando as unidades de saúde ao poder financeiro da IF.
Disse.