Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,
Senhores Membros do Governo,
Para uma discussão séria sobre políticas de saúde, há um ponto de partida que é indispensável: o Serviço Nacional de Saúde é uma conquista fundamental do Portugal de Abril, que veio concretizar o acesso a um direito universalmente consagrado em termos constitucionais. E isto, em larga medida, com um êxito assinalável: veja-se os índices de desempenho do SNS e a sua destacada posição no plano internacional.
Mas é preciso saber o que sucessivos governos têm feito com o Serviço Nacional de Saúde; e para além das declarações de retórica e propaganda da direita, e do preconceito ideológico anti-social do Senhor Ministro, é preciso saber o que está no concreto a acontecer às populações que se dirigem aos serviços de saúde, aos hospitais; àqueles que esperam e desesperam por uma consulta médica ou uma operação cirúrgica. Mas também àqueles que, nos serviços, no exercício da sua profissão, se debatem com um esforço incalculável para ultrapassar carências absolutas ao nível do investimento e dos recursos.
De cada vez que se ouve o discurso do Governo e da maioria de direita sobre esta matéria, dá para perguntar onde têm andado os governantes e os deputados que hoje detêm o poder de decisão.
É que o país de que fala o Senhor Ministro e os Senhores Deputados da maioria não é certamente o país que nós encontrámos, e encontramos, nas múltiplas iniciativas que o Grupo Parlamentar do PCP tem levado a cabo sobre a Saúde, e que trazem razões acrescidas esta interpelação ao Governo.
Só nestas semanas que antecederam este debate, o PCP promoveu visitas e reuniões em dezenas de unidades de saúde, entre hospitais, centros e extensões de saúde, centros de atendimento a toxicodependentes; encontros e debates com populações e profissionais.
Reunimos com responsáveis de serviços, organizações sindicais, ordens profissionais, organizações de utentes da saúde. Tornámos a constatar as condições degradadas e degradantes em que são prestados os cuidados de saúde às populações. E tomámos conhecimento de situações que, pela sua gravidade, não podem deixar ninguém indiferente.
E a este nível voltamos a sublinhar, pela sua alarmante gravidade, as profundas carências de recursos humanos de que agora (só agora!) tanto se ouve falar.
Na verdade, há muito que o PCP vem denunciando o problema – e denunciámo-lo desde logo no quadro da desastrosa política educativa de sucessivos governos. Porque quem semeia ventos colhe tempestades. E os ventos que no passado e no presente têm sido semeados com a política de numerus clausus estão a dar esta tempestade de falta de médicos, de enfermeiros, de técnicos de saúde.
É grave a situação que se vive em relação a anestesistas, a pediatras, a obstetras. Veja-se o que está a acontecer em unidades como o Hospital de Famalicão, o de Pedro Hispano, o Centro Hospitalar de Viana do Castelo, o Centro Materno-Infantil do Norte, as urgências pediátricas em Lisboa.
A carência de médicos de família é particularmente avassaladora. Há seguramente mais de um milhão e meio de portugueses sem médico de família. São 1500 médicos de medicina geral e familiar que estão em falta. Só no distrito de Setúbal faltam mais de uma centena.
É neste distrito aliás que se vive a pior situação do país. É revoltante o que se está a passar nos Centros de Saúde, com utentes que passam horas à espera para uma consulta que nunca acontece. E é revoltante que numa região que tanto contribui para a criação de riqueza no nosso país, com alguns dos melhores indicadores nacionais de qualidade de vida, esteja no topo da tabela das taxas de mortalidade.
Mas, Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados, se é verdade que se destaca pela sua gritante dimensão o problema da falta de profissionais da saúde no nosso País, não é menos real a clamorosa situação em que muitas instalações se apresentam.
Veja-se o estado em que se encontram equipamentos como o Centro
de Saúde de Aljustrel, o Centro de Saúde de Santarém ou
a Extensão de Saúde do Pinhal Novo.
São instalações indignas, degradadas, incapazes de oferecer
o mínimo de conforto e segurança a quem lá se dirige. Quer
do ponto de vista sanitário, quer das infra-estruturas eléctricas,
de saneamento ou climatização, quer do estado em que se encontram
os próprios gabinetes médicos e de enfermagem.
No caso da Extensão de Saúde do Bocage, no Barreiro, a sala de espera é o passeio da Avenida. As instalações não permitem, por falta de espaço, esperar por uma consulta no interior do edifício.
Noutras Extensões de Saúde como a de Santa Iria da Azóia, que ontem mesmo visitámos, ou de Santos Nicolau, em Setúbal, entre outras, os doentes são obrigados a subir as escadas até ao terceiro piso, porque os serviços estão instalados entre o primeiro e o terceiro piso de um edifício sem elevador. Escusado será explicar o que isto significa para a saúde daqueles utentes…
Mas enquanto estas e outras instalações apresentam gritantes necessidades de substituição, por outro lado vemos unidades de saúde que foram construídas há meses, ou mesmo anos, e que continuam sem data prevista para entrar em funcionamento. E isto porque não se sabe quando é que os profissionais e equipamentos serão disponibilizados!
São os casos de Centros e Extensões de Saúde como o de Torres Vedras, ou o de Miratejo (no Seixal), ou o de Vale da Amoreira (na Moita), ou da Moita (na Marinha Grande).
Ou ainda o caso do futuro Hospital Distrital do Litoral Alentejano. Um hospital que está concluído, com uma parte do equipamento já pronto a funcionar… mas que não se sabe quando nem como terá o pessoal necessário, muito menos quando abrirá as suas portas ao público.
A própria indefinição quanto à existência ou não de uma maternidade mantém-se, ao arrepio das promessas feitas em campanha eleitoral.
Entretanto, encerradas que foram diversas valências do velho hospital de 161 anos que há de ser substituído, as populações daquela região são obrigadas a fazer deslocações de mais de 80 quilómetros para aceder a cuidados hospitalares.
Há anos que vimos alertando para o que se passa naquele hospital – aliás como há anos vimos alertando para as impossíveis condições do Hospital Distrital de Seia.
De resto, a reiterada relutância do Sr. Ministro em enfrentar aquele cenário é já um veemente testemunho da situação que ali se vive. Pois imagine, Sr. Ministro: se a V.Exa. lhe custa tanto lá ir, imagine o que custa a quem lá vai por estar doente!
Mas sobre as dificuldades sentidas na vida dos Hospitais, poucos exemplos serão mais sugestivos do que a recente iniciativa do Departamento de Cirurgia do Hospital de Santarém. Nada menos que um “Campeonato da melhor solução” para gerir aquele serviço.
Dizia o anúncio em questão que o autor da melhor ideia do ano seria premiado com um fim de semana numa pousada; para a melhor ideia do trimestre, um jantar oferecido num restaurante da cidade; para a ideia do mês, um DVD à escolha do premiado.
O Governo, ao que sabemos, não terá concorrido, até porque com as ideias que tem vindo a defender, não havia de ganhar nem uma cassete pirata…
Mas se as ideias do Governo são más para o país, a actuação concreta não é melhor.
O combate à droga e à toxicodependência continua marcado pela mais confrangedora paralisia, desarticulação e ausência de resposta aos problemas.
A decisão de retirar a autonomia financeira ao Instituto da Droga e Toxicodependência já provocou situações inaceitáveis de atraso no cumprimento de compromissos financeiros. Há dívidas de milhões de euros, acumuladas durante meses, de que o Governo e a maioria são objectivamente os responsáveis. É caótico para os serviços o que se passa na gestão.
A este problema o Governo responde com uma espantosa decisão: a própria prevenção da toxicodependência, tão apregoada pelo Sr. Ministro, ficou esta semana bloqueada. Hoje mesmo recebemos a informação que, por ordem do Ministério das Finanças, estão a ser canceladas assinaturas de protocolos de acção, designadamente diversos Planos Municipais de Prevenção, em vários concelhos de todo o país. E isto está a acontecer em vários distritos: Lisboa, Setúbal, Santarém, Castelo Branco, Viseu.
Com este tipo de actuação, é cada vez mais evidente o que pretende o Governo, quando é o próprio Sr. Ministro que diz à imprensa que até admite, se o balanço nesta área for negativo, voltar no próximo ano a criminalizar os consumos.
Assim se vê que tínhamos mesmo razão quando afirmámos que a estratégia da direita era e é de torpedear e condenar ao fracasso os passos positivos dados na Estratégia Nacional de Luta contra a Droga.
A verdade é que esta política brutal de desinvestimento público que o Governo tem seguido está directamente relacionada com a estratégia dos interesses privados.
Portugal é o país da União Europeia com os salários mais baixos, com o maior crescimento do desemprego, com a maior perda de salários reais… e simultaneamente o país onde as famílias pagam, directamente do seu bolso, a maior fatia das despesas com a saúde.
Para cada euro que se gasta em saúde no respectivo país, os espanhóis pagam do seu bolso 30 cêntimos. Os franceses e suecos pagam 23 e os alemães 22. No Luxemburgo paga-se 8. Em Portugal pagamos 43!
Mas como o Senhor Ministro acha que isso ainda é pouco, aumentou 30 a 40% as taxas ditas “moderadoras” nas urgências e consultas dos hospitais e centros de saúde, e alargou para mais do dobro o número de actos sujeitos a estas taxas.
Há poucos dias tivemos mais um testemunho da dimensão revoltante a que chega a injustiça desta política.
É o caso de uma mulher da Covilhã, reformada, antiga trabalhadora dos lanifícios. Foi uma das contempladas com esse espantoso aumento de reformas com que o Governo brindou os idosos deste País: nada menos que um aumento de 79 cêntimos ao fim do mês.
Ora, com este aumento de 79 cêntimos, a reforma desta mulher passou a estar 14 cêntimos acima do salário mínimo nacional. Em consequência disso, ela agora tem de pagar as tais taxas “moderadoras”, de que antes estava isenta. E ficou a saber que não pode sequer recusar este aumento de miséria que veio prejudicar a sua vida.
Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,
Senhores Membros do Governo,
Assinala-se precisamente hoje, Dia dos Direitos Humanos, a passagem do 55.º Aniversário da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Pois o combate que travamos no nosso próprio país pelos direitos humanos também se faz em cada acção que desenvolvemos pelo direito do nosso povo aos cuidados de saúde.
A este propósito, cabe naturalmente saudar a intervenção firme e persistente dos profissionais do sector, médicos, enfermeiros, técnicos, administrativos, auxiliares, em defesa dos seus direitos – e em defesa do Serviço Nacional de Saúde – a par do que tem sido a luta determinada de organizações dos utentes.
Face a esta verdadeira “declaração de guerra” que o Governo dirige a profissionais e utentes da Saúde, torna-se cada vez mais claro que é urgente mudar o rumo das políticas de saúde para este país. Assumir uma outra orientação, uma outra política, que assuma a saúde, não como um negócio para alguns, mas efectivamente como um direito de todos.
Na verdade, se certas normas comunitárias fossem mesmo para seguir à risca, já o Senhor Ministro teria às costas um cartaz avisando que «a política deste governo prejudica gravemente a saúde dos portugueses». E o alerta que deixamos é também uma expressão de confiança na resposta que as populações saberão dar a esta política.
Disse.