Sobre o escandaloso favorecimento do Grupo Mello no Hospital
Amadora-Sintra
Declaração de Bernardino Soares, líder
do Grupo Parlamentar do PCP
2 de Agosto de 2003
A decisão do tribunal arbitral sobre o Hospital Amadora-Sintra não foi uma surpresa. Há muito se sabia ser este o terreno mais favorável para os interesses do Grupo Mello, que gere aquele hospital desde 1 de Janeiro de 1996. Por isso o contrato de gestão assinado, entre o Governo PSD de então e aquele grupo privado, incluiu uma cláusula, de duvidosa legalidade, que remete a resolução de todos os litígios para um tribunal arbitral, de cuja decisão não há recurso.
Durante estes anos a gestão privada do Hospital Amadora-Sintra resultou em graves prejuízos para a população abrangida. Ao mesmo tempo registou-se uma completa ausência de fiscalização da execução do contrato, quer quanto às questões de saúde, quer quanto às questões da execução financeira, durante os Governos do PS e do PSD/CDS.
O actual Governo comportou-se de forma inaceitável em todo este processo. O próprio Ministro da Saúde, em declarações que lhe são atribuídas num jornal semanário, afirmou que “O Estado foi condenado por ter argumentado de forma frágil, o que é lamentável”. A extraordinária afirmação, que ignora que o Ministro da Saúde é o primeiro responsável pela defesa dos interesses do Estado e pela sua fundamentação, deixa claro que ao assumir uma posição de aparente neutralidade neste processo, o Governo beneficiou objectivamente os interesses do Grupo Mello.
Lembre-se que ao fazer depender qualquer avaliação do contrato de gestão da decisão do tribunal arbitral, o Governo prorrogou-o automaticamente, a partir de 1 de Julho passado e por mais um ano, anunciando já que a partir de agora deixa de haver razões para questioná-lo. Para além disso esta decisão vem no momento certo para aquele grupo privado, que se prepara para concorrer à privatização de 10 novos hospitais.
Recorde-se ainda que as irregularidades e ilegalidades na execução do contrato de gestão do Hospital Amadora-Sintra foram levantadas por várias entidades - cuja missão é fazer cumprir a lei, defender o interesse do Estado e fiscalizar a aplicação dos dinheiros públicos - desde uma anterior direcção da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (aliás prontamente demitida pelo então Ministro da Saúde do Governo/PS, Correia de Campos), até à Inspecção Geral de Finanças e ao Tribunal de Contas, ignorando o Governo e em particular o Ministro da Saúde as suas conclusões.
Esta decisão constitui um escandaloso favorecimento dos interesses do Grupo Mello, ao concluir pela condenação do Estado a pagar-lhe mais de 38 milhões de euros, quando por exemplo as conclusões da Inspecção Geral de Finanças determinavam a devolução por este grupo ao Estado de 77,9 milhões de euros.
Mais uma vez se comprova a justeza da proposta do PCP de criação de uma comissão parlamentar de inquérito para a avaliação deste negócio, rejeitada pelo Governo, pelo maioria parlamentar e pelo Grupo Mello. Ao recusar o esclarecimento público deste processo, o Governo quer ocultar a convergência das suas decisões com os interesses daquele grupo e evitar as perturbações que a avaliação negativa da única experiência de gestão privada de um hospital público, traria para o processo de privatização da saúde em curso.
O PCP continuará a denunciar o prejuízo para o Estado e para
as populações que constitui a gestão privada do Hospital
Amadora-Sintra e o inaceitável proteccionismo dos interesses privados
que caracteriza a política do Governo e este processo em concreto.