Intervenção da Deputada
Natália Filipe

Declaração Política sobre a situação da saúde em Portugal

12 de Outubro de 2000


Senhor Presidente
Senhoras e Senhores Deputados,

O Partido Socialista assumiu há 5 anos o Governo e há um ano seleccionou a SAÚDE como a prioridade das prioridades, a sua nova "paixão".

Ao fim deste tempo é legítimo perguntar:
n qual é a expressão da tão propalada "paixão"?
n quais foram os reflexos na melhoria da qualidade dos serviços prestados?

O Serviço Nacional de Saúde absorve a maior fatia de recursos financeiros e humanos que são disponibilizados para assegurar os cuidados de saúde à população. Só para o ano 2000, o Orçamento de Estado incluiu 900 milhões de contos para o SNS.

Contudo, em matéria de Saúde, o país está pior do que estava há 1 ano atrás e muitos são os problemas que se colocam aos cidadãos, em geral, e aos profissionais, em particular:

· Persistem as dificuldades de acesso a cuidados de saúde no domicílio e na comunidade, às consultas, aos meios auxiliares de diagnóstico e às cirurgias;
· É vergonhosa a carência de recursos humanos e a ausência de um plano estratégico;
· É insustentável a crescente desmotivação dos profissionais de saúde face ao aumento dos ritmos de trabalho,
· Acentua-se a escandalosa promiscuidade entre o sector público e o privado

Apesar de todo o investimento público que é realizado com o dinheiro dos impostos dos cidadãos; apesar do empenhado esforço de mais de 110 mil profissionais, por que razão os cidadãos não têm a resposta atempada aos cuidados de saúde de que necessitam e quando necessitam, em termos de acesso, volume, qualidade e continuidade?

Senhores Deputados,

É por que o Governo e a actual equipe do Ministério da Saúde não estão interessados numa verdadeira política de formação, incentivo e fixação de profissionais nem na rentabilização da capacidade instalada nos serviços públicos de saúde, promovendo um verdadeiro contrabando de utentes e de dinheiro dos cidadãos.

É por que o Governo não está interessado no fim do parasitismo do sector privado relativamente ao sector público, nem na desgovernamentalização e descentralização da administração do SNS, nem no financiamento adequado do SNS que potencie as suas capacidades.

Neste quadro e anunciada que foi a nova "paixão", o tempo demonstrou que a mudança de protagonistas no Ministério da Saúde e a limpeza de quadros que se verificou a seguir foi um claro sinal de inversão do rumo que se vinha seguindo para a saúde.

Na última legislatura, foi positiva a apresentação e discussão públicas de orientações e objectivos de curto, médio e longo prazo para concretização de ganhos em saúde para os portugueses. Havia uma estratégia mas, a equipa do Ministério evidenciou grandes dificuldades em levar à prática as orientações que definiu e de promover a necessária discussão em torno das peças legislativas que compunham o "sns 21".

O não envolvimento local dos principais "actores" (nomeadamente dos profissionais) que dinamizariam qualquer processo de transformação e a não apropriação social das mudanças em curso foram erros tácticos que derrubaram a estratégia que estava em desenvolvimento e evidenciaram as próprias contradições do Partido Socialista.

O PCP tomou posições críticas em relação às medidas legislativas aprovadas pelo Governo no anterior mandato do PS mas, também reconheceu que a sua aplicação seria um passo positivo para a regeneração do SNS, interrompendo a linha neoliberal que se vinha a verificar.

A paralisia na concretização das peças do "sns 21", com o pretexto da redefinição de prioridades, surge agora como a antecâmara do regresso das velhas políticas neoliberais, de natureza privatizadora, de redução do Estado a um papel exclusivamente financiador e regulador, deixando para os privados a exploração da prestação de cuidados de saúde, ficando o SNS reservado a um papel meramente caritativo e assitencialista.

O actual pseudo vazio de orientação política e de estratégia não traduz, como alguns querem fazer crer, ausência de Política de Saúde. Pelo contrário, a orientação da Política de Saúde é clara e estamos convictos de que está em curso uma das maiores ofensivas contra o SNS.

Senhor Presidente,
Senhoras e senhores Deputados,

Para o PCP está colocada em marcha uma verdadeira contra-reforma da Saúde.

Nada fazendo para melhorar a organização, o funcionamento, a direcção e a administração das instituições e do SNS, este continuará com os mesmos problemas de sempre.

A táctica é continuar a degradar ... a definhar ... Logo, a privatização surgirá como a resposta natural, inevitável e socialmente compreensível !!!

A suspensão do Programa Acesso para recuperação de listas de espera em cirurgia até Abril de 2000, por falta de orientações e medidas operacionais, sustentou o acumular das listas de espera e acalentou a ideia de que o serviço público não dá resposta.

Esta situação criou as condições para abrir esta "área de negócio" ao sector convencionado. A prová-lo temos o "Contrato-tipo" para as convenções com o sector privado, publicado durante o Verão, e a comprová-lo a recente assinatura do Protocolo com a União das Misericórdias.

Esta medida contraria a Lei aprovada na Assembleia da República, por iniciativa do PCP, que prevê expressamente que o recurso a contratos com o sector privado só se verifique quando, comprovadamente, os serviços públicos de saúde tenham esgotado a sua capacidade de dar resposta às necessidades dos utentes.

E, ao serem estabelecidos contratos com o sector privado, por 5 anos automaticamente renováveis, fica clara a intenção de transferir para os privados esta área da prestação e não investir na rentabilização dos serviços de saúde públicos - os blocos operatórios e o equipamento instalado vão continuar parados por grandes períodos do dia.

O pacote de legislação relativa aos medicamentos/genéricos e às comparticipações traduz uma clara cedência aos vorazes interesses dos lobbies do sector e vai traduzir-se, no imediato, em mais gastos directos e indirectos por parte dos cidadãos. Para além de que traduz um claro desrespeito pela Lei recentemente aprovada nesta Assembleia

A política de recursos humanos para a saúde é uma verdadeira vergonha nacional.

Sendo assumida e reconhecida a carência de recursos, o Governo não apresenta qualquer plano estratégico de formação, não investe estruturalmente na qualificação dos nossos jovens e passa o dia a pagar anúncios em jornais espanhóis para ofertas de emprego.

Este é mais um exemplo do desrespeito pela Assembleia da República onde foi aprovada em Janeiro deste ano, por unanimidade, por iniciativa do PCP, uma recomendação ao Governo no sentido de elaborar um plano de acção urgente de aumento de formandos.

Em suma, o PS aprova medidas legislativas na Assembleia da República que o mesmo PS, o Governo, viola descaradamente.

Senhores Deputados,

Ao nível do orçamento há indícios de derrapagem financeira. E que o reforço financeiro verificado no último Orçamento, ao invés de ter sido utilizado para apoiar a modernização e a reorganização do SNS, foi completamente absorvido pelos principais credores do sistema. Além disso, não podemos deixar de ignorar as informações segundo as quais haverá restrições financeiras em unidades hospitalares e centros de saúde que estão a fazer perigar os níveis mínimos de aprovisionamento e de segurança, pondo em causa o volume e a qualidade dos cuidados.

E continuam a aumentar as dívidas do SNS. Ou seja, tudo em nome do bom rigor orçamental.

Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores deputados,

Na apreciação do PCP, a actual Política de Saúde assenta numa clara estratégia de ataque ao SNS.
Os aspectos tácticos são:
n a continuação da degeneração da organização, do funcionamento, da direcção e da administração das instituições públicas e do SNS;
n o aumento das despesas do SNS à custa das convenções com o sector privado e com os medicamentos, tornando-o insustentável;
n a degradação das condições de trabalho, nomeadamente por carência de profissionais, gerando desmotivação e desalento.

Os principais instrumentos desta estratégia consistem:
n no desvio para o sector privado da recuperação das listas de espera e dos meios auxiliares de diagnóstico;
n na entrega da construção e da gestão das unidades de saúde ao sector privado, em perspectiva para os novos hospitais;
n na manutenção da gestão privada no Hospital Amadora/Sintra e o possível alargamento a outras unidades da região;
n no pacote legislativo dos medicamentos que está publicado;
n nas alterações ao estatuto jurídico dos hospitais sem que as experiências existentes sejam avaliadas;
n na nova lei de bases da saúde que parece estar em preparação algures nas "gavetas de uma sub-cave" na João Crisóstomo;
n na criação de empresas de profissionais para gerir centros de saúde.

O PCP e outros democratas que não aceitam a liberalização deste sector social estarão na primeira linha de combate e defesa da regeneração do SNS.

O PCP recusa o caminho que mantenha e acentue a divisão dos portugueses em cidadãos de 1ª e de 2ª. Defendemos um SNS reorganizado e modernizado, regressado à filosofia democrática e humanista que a Constituição consagra.

Daqui queremos deixar ao Governo do Partido Socialista um aviso muito claro:
- a manter o estado em que se encontra a Saúde em Portugal, estará a assumir uma pesada responsabilidade. E ver-se-á, inevitavelmente, confrontado com a resistência do PCP e o protesto de utentes e dos profissionais de saúde que não aceitam a destruição do SNS.

Disse.