Intervenção da Deputada
Natália Filipe

Regulamentação das medicinas não convencionais

31 de Maio de 2000



Senhor Presidente
Senhoras e Senhores Deputados

A História da Medicina é tão velha como a história da humanidade - esta afirmação já a ouvimos certamente com alguma frequência.
Permitam-me que cite alguns enxertos do Relatório das Carreiras Médicas elaborado em 61 pela Ordem dos Médicos onde podemos ler o seguinte:
"A medicina, como outros ramos das ciências humanas, tem de adaptar-se ao ritmo do mundo moderno, porque constitui um dos seus factores de progresso. (...)
E lemos também que "(...) não se pode ignorar que as transformações científicas, económicas, sociais e políticas que o mundo sofreu nos últimos decénios, e sofre actualmente, criaram novas situações ao médico e modificaram, até certo ponto, as condições do exercício da sua arte. (...)"
A medicina, como tradicionalmente a conhecemos no ocidente, é herdeira de um passado longínquo onde as práticas incidiam na cura dos males do corpo e que veio a desenvolver o método científico do conhecimento das doenças e do seu tratamento.
E foram efectivamente as transformações das sociedades, nomeadamente, o desenvolvimento técnico-científico e tecnológico, da investigação, das tecnologias da informação, que levaram ao aprofundamento e reorganização contínua e progressiva dos saberes em diferentes disciplinas da saúde.
Consequentemente, criaram-se, desenvolveram-se e afirmaram-se novas profissões de saúde, com saberes próprios, práticas e técnicas cientificamente reconhecidas que, com maior ou menor visibilidade, são hoje socialmente reconhecidas como imprescindíveis à obtenção de ganhos em saúde por parte dos cidadãos.
Por outro lado, a evolução das sociedades modernas, do saber técnico e científico, das tecnologias da saúde e da compreensão de que o fenómeno saúde-doença dos indivíduos depende de diversas e multifacetados factores fizeram com que, cada vez mais se fale dos indivíduos saudáveis ou doentes como um todo, numa dimensão holística e não biomédica.
É neste contexto que a nosso ver emergem, com clareza, duas ideias centrais a considerar:
- quer em termos de política de saúde, no que respeita às profissões da saúde, em que a comunidade científica da saúde não enquadra exclusivamente a disciplina da Medicina (dita convencional) mas muitas outras como Enfermagem, Farmácia, Psicologia, Sociologia, etc;
- quer no que se refere consequentemente à melhoria das condições de saúde dos cidadãos onde, para a obtenção de ganhos em saúde, é determinante a concorrência de todos os saberes organizados naquelas e em outras disciplinas científicas, traduzíveis em intervenções autónomas e interdependentes dos respectivos profissionais.
Para o cidadão cada vez é mais clara a noção de que os seus problemas de doença ou a melhoria dos seus níveis de saúde não dependem da actuação exclusiva de um só tipo de profissionais de saúde mas de equipes multidisciplinares onde a complementaridade funcional e o respeito pelo espaço de competências próprias de cada uma das profissões não podem ser palavras vãs.

Daí que tem cada vez mais sentido falarmos de cuidados de saúde e menos em actos médicos.

Senhor Presidente
Senhoras e Senhores Deputados
Em relação à matéria que agora está à discussão todos temos a consciência que se trata de uma questão deveras controversa, onde os interesses são dos mais variados e onde a discussão está longe de ser pacífica.
É uma verdade irrefutável, em Portugal e em todo o mundo, que cada vez mais o cidadão recorre às práticas das chamadas medicinas não convencionais, que muitos também chamam de terapêuticas ou práticas alternativas ou complementares.
A nível dos diferentes Estados-Membro da União Europeia existem estatísticas que apontam para a utilização frequente destas terapêuticas alternativas com tendência para aumentar.
Manter a situação existente é permitir que estas práticas continuem a desenvolver-se sem estarem criados os mecanismos que garantam ao cidadão a prestação de cuidados de saúde de qualidade.
A ser assim, é verdade que a não regulamentação do exercício destes profissionais e do conjunto dos aspectos envolventes, poderá colocar, de facto, problemas de saúde pública.
Estas questões precisam de ser profundamente discutidas para que quaisquer medidas que se venham a ser desenvolvidas não se traduzam em
redondos fracassos.
De resto, o desenvolvimento desta matéria deveria caber ao Governo que nunca promoveu a regulamentação necessária estando, mais uma vez, um problema de grande especificidade técnica e de carácter eminentemente regulamentar a ser analisado na Assembleia da Repáblica.
O Projecto de lei do BE merece da nossa parte algumas dúvidas e críticas que gostaríamos de colocar e que tanto quanto nos é dado a perceber também se colocam a muitos profissionais de saúde:
n devemos falar em medicinas ou em práticas terapêuticas ?
n quem define as áreas a reconhecer?
n quanto à liberdade de escolha do cidadão ( uma esta questão que é sempre colocada pelo neoliberalismo ao pretender justificar a escolha entre o sector público e o sector privado) ela deve dar lugar à garantia de cuidados de saúde de qualidade, tarefa que o Estado tem de assegurar;
n em relação à regulação destas práticas terapêuticas, do reconhecimento das Escolas e a comparticipação dos medicamentos consideramos que é precoce ser colocado neste momento e entendemos que deve sofrer o mesmo processo e desenvolvimento que tiveram outras profissões e os medicamentos que utilizamos, não devendo beneficiar de uma legitimação "à priori".
Ou seja, tem que ser sustentado o reconhecimento destas práticas terapêuticas sob o ponto de vista técnico e científico, da qualificação dos profissionais e do seu exercício com vista a assegurar ao cidadão cuidados de saúde com qualidade.
Pela nossa parte, julgamos que a questão em debate deve ser discutida com a maior clareza, profundidade e rigor e é nesse sentido que contribuiremos para esta discussão.
Disse.