Dossier sobre a regionalização
Perguntas e Respostas sobre a Regionalização
Junho de 1996

 

1. O que é a Regionalização?

As Regiões Administrativas são autarquias de âmbito regional. São parte do Poder Local. São entidades intermédias, situadas entre o Poder Central e os municípios, eleitos pelas populações e destinadas a complementar a acção municipal. É assim que a Constituição da República as consagra e define estabelecendo que a organização autárquica no país é constituída pelas freguesias, municípios e regiões administrativas. É esta parcela das instituições locais cuja criação está em debate.

A criação das Regiões Administrativas corresponderá no fundamental à possibilidade de conferir, através da eleição directa pelos cidadãos, legitimidade e representatividade democrática a um poder regional não eleito que já hoje exerce um conjunto de funções e competências de nível supramunicipal sem qualquer controlo das populações e dos próprios municípios.

2. Que benefícios podem resultar da regionalização?

A regionalização é um factor de democratização. Com efeito, a todos os níveis de poder, da freguesia aos órgãos de soberania, existem órgãos democraticamente eleitos. Ora, a nível regional também existem órgãos de poder, com destaque para as Comissões de Coordenação Regional e outros serviços periféricos dos ministérios, só que os titulares dos cargos que os dirigem não são legitimados através do voto popular e não respondem pelos seus actos perante as populações. Esta «Administração periférica do Estado» tem vindo, aliás, a tornar-se cada vez mais importante, sem que a sua actividade seja controlada pelas populações e sem que o «poder regional» responda através do voto periódico perante os eleitores.

Em segundo lugar, a regionalização é um instrumento que favorece a democracia participativa. É conhecido o facto de a aproximação dos serviços públicos em relação às populações e a legitimação do poder através do voto popular constituir um estímulo à participação, se nesse sentido se verificar a necessária vontade política. As possibilidades de participação são infinitamente maiores quando existem eleitos do que quando se verifica a nomeação por parte do Governo Central.

Em terceiro lugar, a regionalização pode favorecer o desenvolvimento. Com efeito, a regionalização pode não ser uma condição necessária nem suficiente do desenvolvimento, mas também é inquestionável que a existência de regiões e de um sistema democrático representativo ao nível regional pode estimular os serviços públicos, contribuindo para a sua dinamização. O próprio facto de o poder regional ter que responder pelos seus actos em eleições competitivas pode dinamizar o investimento público. Além disso, tendo o desenvolvimento uma dimensão não apenas económica, mas também social, cultural e ambiental, o poder regional democrático e as suas actividades podem ser um factor benéfico e uma contribuição importante para o assegurar. Acresce ainda que um sistema de finanças regionais que garanta maior investimento onde há maior atraso pode ser um instrumento de correcção de assimetrias.

Em quarto lugar, a regionalização é condição de uma reforma administrativa democrática, que dê coerência à administração periférica do Estado e permita descentralizar e desburocratizar. Ainda hoje existem oitenta divisões «regionais» diferentes consoante os diversos serviços públicos, obrigando em grande parte do País o cidadão a encaminhar-se para cidades diferentes consoante os problemas que tem a tratar.

3. As regiões podem prejudicar os municípios?

As regiões não só não prejudicam os municípios como devem ser um instrumento que contribua para a sua afirmação e reforço. Quem afirma que os municípios seriam prejudicados com a regionalização omite que a Constituição impede que sejam afectados os seus poderes (artigo 257º). Omite igualmente que as regiões serão criadas para apoiar os municípios e para se encarregarem de tarefas que, não havendo vantagem em dependerem da Administração Central, também não podem ser descentralizadas para os municípios devido à dimensão das questões envolvidas.

Os que agora combatem a regionalização, em nome dos municípios, são os mesmos que durante anos têm atacado a sua autonomia e negado os meios indispensáveis ao pleno exercício das suas funções.

4. A criação de associações de municípios ou o fortalecimento dos municípios é uma alternativa para as regiões?

Ninguém mais do que o PCP se tem batido por dar maiores meios às autarquias, mas estas não têm dimensão suficiente para desempenhar determinadas atribuições que há vantagem em descentralizar. Não deixa de ser curioso, entretanto, que os que afirmam que o fortalecimento dos municípios seria uma alternativa às regiões são os mesmos que, ao longo de vinte anos, não levantaram a voz nas grandes lutas para o fortalecimento do Poder Local e para denunciar os ataques de que foi alvo. Pelo contrário, os que costumam denegrir os municípios são os mesmos que agora dizem defender a alternativa municipal às regiões. A verdade é que o sistema de Administração português é muito centralizado, é mesmo um dos mais centralizados que existe, e por isso tanto precisa de municípios mais fortes, como da instituição das regiões.

5. É verdade que as regiões não têm qualquer tradição histórica em Portugal?

A tradição histórica vai no sentido de existirem divisões regionais com base nas quais foi definida a área de actuação territorial da Administração Pública. Desde a Revolução Liberal houve estruturas intermédias eleitas entre o município e a Administração Central, excepto nos períodos de centralismo e/ou ditadura. No regime fascista, os próprios presidentes de câmaras eram nomeados pelo Governo Central. Seria essa, na opinião do regime de então, a única forma de garantir a unidade nacional, de assegurar a competência dos presidentes, de impedir conflitos. Foi contra argumentos e mentalidades deste tipo que se fez o 25 de Abril. O que está agora em causa é também, fundamentalmente, dotar de legitimidade democrática poderes que já existem, já estão instalados na periferia, mas não respondem pelos seus actos perante as populações. Quem falou contra as regiões pretendeu esquecer que já existe um nível intermédio de poder entre a Administração Central e os municípios, poderoso e burocratizado, só que como emanação do poder «laranja» e sem controlo popular. Não instituir as regiões administrativas será seguir uma outra tradição, a dos períodos de centralização e autoritarismo.

6. Argumenta-se que sendo Portugal um país com pouca população a criação das regiões não assume a importância que justificou a sua concretização noutros países. Tem isto fundamento?

Seguramente que não. Em primeiro lugar porque a criação de regiões ou de instituições a elas equiparadas se verifica em países de dimensão e população semelhante ou mesmo menores que as nossas, como é exemplo a Dinamarca.

Em segundo lugar porque mesmo em países de maior dimensão coexistem re-giões maiores com outras que não apresentarão diferença comparativamente às que provavelmente venham a ser criadas em Portugal. Por exemplo em Espanha onde a dimensão média das regiões ronda os 2,2 milhões de habitantes há as que não ultrapassam os 250 mil. Na Dinamarca a população das 14 regiões varia entre 200 e 600 mil habitantes. Em França há regiões com 270 e 700 mil habitantes. Na Itália onde as regiões apresentam uma população média de 2,8 milhões a menos populosa conta com 115 mil. Mesmo na Alemanha há regiões que abrangem uma população de 1,5 milhões de habitantes ou seja significativamente menores que pelo menos 2 das possíveis regiões administrativas a criar em Portugal.

7. Há portanto uma grande diversidade de situações entre as diversas instituições de natureza regional na Europa...

É um facto. Há grandes países, como a Alemanha, a Espanha, a Itália e a França que têm regiões com uma determinada dimensão e com determinados objectivos. Mas há outros países com a dimensão de Portugal, ou mais pequenos do que Portugal, que estão regionalizados. É o caso da Áustria, Bélgica, Dinamarca, Holanda. As suas estruturas intermédias de poder têm, como já vimos, em média menor área e menos população do que teriam as regiões de Portugal. Naturalmente que os seus poderes e recursos administrados são também menores do que os que são geridos pelos Estados federados ou do que pelas grandes regiões que correspondem a na-cionalidades ou a grupos étnicos com grande especificidade cultural.

Sublinhe-se que a nossa Constituição admite que possam ser estabelecidos regimes diferenciados para as regiões decorrentes naturalmente de eventuais particularidades que resultem de cada região em concreto que venha a ser criada.

8. Mas tendo em conta a área do país terão as regiões dimensão que justifiquem a sua acção?

A observação da situação dos outros países permite concluir que esse não é um problema impeditivo da existência das regiões e da prossecução dos seus objectivos. Repare-se que a área média das regiões é de 3070 Km2 na Dinamarca, 3290 na Holanda, 10170 na Bélgica e 15060 na Itália.

Áreas que, como se podem verificar, se aproximam ou ficam mesmo aquém das que, por exemplo, as regiões do "Alentejo", "Estremadura, Oeste e Ribatejo" ou" Beira Interior", virão a deter.

Há quem agite o argumento de se querer regionalizar um país que é mais pequeno do que algumas regiões europeias, escamoteando que há Estados europeus que são seguramente mais pequenos do que algumas das regiões a criar em Portugal. Como já se sublinhou, a criação das regiões administrativas não constitui nenhum processo de criação de regiões autonómicas ou de novos Estados mas tão somente, de conferir legitimidade e representatividade directa e regional a este nível de autarquia tal como a Constituição da República as consagra e define.

9. No entanto, afirma-se que só fazem sentido as regiões quando há problemas étnicos, linguísticos ou nacionalidades que devem conviver no quadro de um Estado unitário ou de uma federação de Estados...

O facto de não termos problemas de nacionalidades para resolver no quadro de um Estado unitário não significa que não existam outras questões a que temos que fazer face, em especial a participação, a racionalização administrativa e a descentralização...

10. Mas afirma-se que está em risco a unidade nacional...

Ao contrário, as regiões podem ser um instrumento de unidade e solidariedade nacional e não de divisão, sobretudo se for correctamente feita e se as populações sentirem que as regiões mais atrasadas passarão a ter autonomia e a dispor de mais recursos do que até agora. Em geral, as regiões não devem servir para dividir o País, mas sim para unir os municípios e as populações a partir da base, assentando nas suas próprias escolhas.

Note-se, de resto, que as regiões administrativas do Continente, que são autarquias e são parte do Poder Local, vão administrar menos fundos e ter menos atribuições e competências do que as regiões político-administrativas dos Açores e da Madeira, e em relação a estas nunca os responsáveis dos partidos que invocam esse argumento se preocuparam com esta questão ou reclamaram referendos.

11. As regiões podem representar a criação de uma nova burocracia e novas clientelas?

A burocracia dos ministérios instalada nas regiões já existe. Imiscui-se constantemente no funcionamento dos municípios, tem um papel essencial na gestão dos fundos comunitários. É a burocracia que o PSD controlou e em nome da qual disse em 1994 que não queria mais burocracia, nem alargar a "classe política". Por isso, já há "burocracias regionais", e poderosas, que se tentam apresentar junto da Comunidade Europeia como dispondo de legitimidade. São elas que representam as "regiões" de Portugal na CE e em várias instâncias a nível internacional. As regiões administrativas não seriam uma nova burocracia, mas sim a possibilidade de democratizar a administração dos ministérios instalada nos territórios do País e combater a burocracia já existente.

12. O que são as Comissões de Coordenação Regionais (CCR)?

As CCR não são mais do que estruturas desconcentradas da Administração Central criadas e desenvolvidas para uma intervenção crescente na definição e execução de políticas regionais. Desde a sua criação em 1979 (na sequência das Comissões de Planeamento Regional de Marcello Caetano) até hoje as suas competências e poderes foram sendo progressivamente ampliadas.

Note-se que a definição das suas funções, que inicialmente se apresentava circunscrita a acções de apoio e coordenação à actividade das autarquias, evoluiu de modo a que hoje se assumem como organizações incumbidas de coordenar e executar as medidas de interesse para o desenvolvimento das respectivas regiões.

13. As Comissões de Coordenação Regionais (CCR) não preenchem hoje uma parcela importante das funções e competências que deveriam ser exercidas pelas Regiões Administrativas?

Sem dúvida que sim. Atente-se aliás no facto de a estrutura de cada uma das cinco CCR compreender 4 Direcções Regionais e mais de duas dezenas de Divisões para alem de um conjunto de outros serviços que concentram mais de sete dezenas de competências especificas de natureza e âmbito estritamente regionais. Entre elas, e a titulo meramente exemplificativo, encontram-se competências no domínio da elaboração dos planos de ordenamento regionais, gestão dos programas nacionais de reabilitação urbana e reconversão de áreas clandestinas, intervenção na administração das regiões hidrográficas, participação na elaboração do Plano de Desenvolvimento Regional, elaboração de planos e programas de instalação de equipamentos colectivos, elaboração de programas de investimentos para protecção e valorização dos recursos naturais, gestão das áreas protegidas de interesse regional, elaboração de estudos com vista à promoção do desenvolvimento económico e social local.

14. As CCR acabam portanto por gerir um conjunto de verbas não desprezíveis, não é verdade?

Sim, é verdade. A despesa global prevista em Orçamento de Estado para 1996 para o conjunto das 5 CCR é de 43 milhões de contos.

15. Mas as CCR acabam por intervir e determinar a aplicação de outras verbas?

Sem duvida. As CCR têm uma intervenção significativa em todo o processo de gestão dos fundos comunitários. São directamente responsáveis pelos 300 milhões de contos atribuídos aos Programas Operacionais correspondentes às cinco "regiões". Se atendermos que a par destes, a aplicação das verbas de outros Programas comunitários como os destinados ao "Ambiente e Renovação urbanas", à" Promoção da política de desenvolvimento regional "e ao" Turismo e Património cultural" (dotados com mais de 350 milhões de contos) são determinados pelas CCR, é fácil de perceber a influência e peso político que estas estruturas acabam por assumir, indevidamente, nas políticas de desenvolvimento local e regional.

16. Refere-se, entretanto, a despesa que representaria instituir as regiões.

Esconde-se que apenas os 53 membros das juntas regionais serão remunerados, mas o mesmo não acontecerá com os membros das assembleias regionais, que só receberão senhas de presença, ao contrário do que já foi afirmado. Esconde-se que os serviços e os edifícios onde funcionarão as regiões devem ser transferidos das Comissões de Coordenação Regional e de outros serviços periféricos dos ministérios para a dependência das instituições regionais. Cargos como Presidentes das Comissões de Coordenação Regional, entre outros, vão ser extintos, os dezoito governadores civis vão ser substituídos por nove governadores regionais e as verbas geridas por serviços sem legitimidade democrática vão ser geridas, esperemos que melhor e de forma mais transparente e participada, por órgãos eleitos.

17. A inexistência de regiões contribui de alguma forma para a acentuada e desigual repartição dos recursos públicos entre os níveis centrais e locais da Administração?

Indiscutivelmente que sim. Os orçamentos das instituições locais no seu conjunto representam comparativamente ao respectivo Produto Interno Bruto (PIB) entre 8 e 9% na França, Bélgica e Alemanha e entre 14 a 20% na Itália, Holanda e Inglaterra. Se se tiver em conta que em Portugal este valor não atinge os 5% poder-se-á concluir do prejuízo que tal constitui particularmente se atendermos que o nível de administração local rentabiliza superiormente o dinheiro público como se poderá verificar pelo facto de as autarquias locais serem responsáveis por mais de 25% do total do investimento público dispondo apenas de 8% dos respectivos recursos.

18. Mas a criação das regiões não virá a traduzir-se num aumento substancial do número de efectivos da administração publica?

Nada indica que assim seja. Repare-se que por exemplo em França e na Itália, países onde a regionalização tem algum significado, o número de efectivos concentrados nas instituições regionais é de apenas de 0,4 e 2,0 % do total de efectivos sediados no total dos vários níveis da administração local.

19. A questão dos limites geográficos das áreas de cada região não tem vindo a ser excessivamente dramatizada?

Não é possível ignorar que a área de cada região não deixa de ser uma questão com importância no debate que deve conduzir à criação das regiões. Tê-la em conta para procurar encontrar com a participação das populações e das assembleias municipais as soluções que melhor correspondam ao desejado por aquelas é, sem duvida, obrigação a respeitar na condução do processo de regionalização. O que não é legitimo é transformar esta questão no centro dos objectivos da regionalização, atribuindo-lhe uma dimensão e dramatismo que não encerra. A regionalização não é essencialmente um processo de divisão regional mas sobretudo um processo de democratização e legitimação democráticas de actos e práticas administrativas que como já vimos hoje, são exercidas por entidades não regionais.

É, aliás, curioso que aqueles que hipervalorizam a questão das áreas não tiveram qualquer hesitação em criar artificialmente, e sem qualquer consulta, mais de meia centena de divisões diferentes ao sabor da vontade de cada ministério.

20. Há quem refira as divisões que resultarão do debate acerca das áreas e capitais.

É aos municípios, igualmente, que deveria caber uma palavra decisivamente conformadora da área das futuras regiões. Aos que se alegram com diferenças nas propostas em matéria de áreas de partida, o PCP responde que deixem os municípios e as respectivas populações dizerem com quem querem unir-se. O PCP compromete--se a estar atento às posições manifestadas e a procurar garantir que as opiniões emitidas sejam tidas em conta pela Assembleia da República, dentro da lógica da delimitação das regiões a estabelecer.

21. Tem algum fundamento a acusação de que a regionalização estava a ser feita de cima para baixo e longe da participação das populações?

Essa é uma das várias acusações sem fundamento difundidas pelos que se opõem à regionalização. Ao processo de criação das Regiões Administrativas é inerente uma alargada participação de todas as assembleias municipais.

Se for montado o mecanismo previsto pela Constituição (o chamado "referendo orgânico ou indirecto") e adoptada a solução proposta pelo PCP, as coisas em concreto passar-se-iam assim. Numa primeira fase a Assembleia da República procede a uma primeira consulta aos 275 municípios do Continente da qual resultará um contributo para o trabalho com vista à aprovação da Lei de Criação.

Após a aprovação desta, é aberta uma nova fase de consulta às assembleias municipais, destinada ao seu pronunciamento face à proposta de área da região que em concreto é proposta na Lei de Criação. Desta fase pode resultar por deliberação dos municípios, a confirmação das áreas propostas ou, pelo contrário, a sua alteração seja por cisão ou fusão de áreas regionais ou ainda a simples opção de transferência de um ou mais municípios entre 2 regiões diferentes com as quais confine.

Nos casos em que desta consulta resulte um parecer favorável de todas as assembleias municipais, a Assembleia da República aprova a chamada Lei de instituição em concreto.

Em todos os outros casos haverá ainda necessidade de uma terceira consulta envolvendo as assembleias municipais das regiões envolvidas nas eventuais propostas de cisão, fusão ou transferências.

A instituição em concreto depende sempre da aprovação de 2/3 das assembleias municipais que representem a maioria da população envolvida.

Se tivermos ainda em conta que seguramente muitas das assembleias municipais procurarão , antes da emissão do seu parecer, proceder a um debate e auscultação da população e agentes locais para fundamentarem a sua posição é fácil constatar que a acusação de uma regionalização repentina e feita sem participação é uma falsidade.

22. Mas afirma-se que sem referendo as regiões não terão legitimidade...

As regiões a serem aprovadas terão a legitimidade que resulta da própria representatividade da Assembleia da República; e, ao mesmo tempo, da legitimidade dos municípios e da ampla intervenção popular que deve ser assegurada. As próprias regiões a instituir deverão ter as áreas que resultarem do debate e da emissão de opiniões pelas assembleias municipais.

A intervenção municipal é particularmente importante porque as regiões devem ser concebidas como servindo para unir os municípios a partir da base e não para o dividir a partir do centro.

23. Há quem defenda o referendo regional como um meio de maior participação...

Somos naturalmente favoráveis à mais alargada participação. No entanto importa deixar marcadas, a propósito do referendo regional duas observações. A primeira é que a proposta da introdução do referendo regional não pode constituir um elemento adicional de diversão tendente a justificar novos adiamentos ao andamento do processo de criação das regiões. A segunda é que o referendo regional não pode traduzir-se na secundarização do papel e intervenção que os municípios devem assumir. Repare-se, aliás, que o processo de consulta às assembleias municipais permite uma mais nítida e profunda manifestação de vontade local. Enquanto este, por exemplo, permite, como já vimos, a um município pronunciar-se em concreto não apenas sobre a área da região proposta, mas igualmente manifestar a sua intenção em optar por outra região de fronteira, o referendo regional limitará o resultado da sua auscultação ao acordo ou desacordo com determinada área de região proposta sem possibilidade de interferir na definição dos seus contornos mais particulares.

24. Mas o que se passa quanto à proposta de fazer depender de referendo nacional a criação das regiões?

As forças políticas e personalidades que têm defendido publicamente o referendo nacional sobre a regionalização costumam invocar que ele se justifica quer por que a opinião pública está dividida nesta matéria quer sobretudo porque, nas sondagens, aparece uma maioria significativa de inquiridos a pronunciar-se favoravelmente à realização desse referendo.

Entretanto, este facto tem de ser encarado com naturalidade. Desde a reclamação do referendo sobre Maastricht (a que PS e PSD se opuseram) que o referendo passou a ser visto com simpatia e a ser genericamente identificado pelos cidadãos como uma forma da sua participação nas decisões. É praticamente certo que se houver sondagens a perguntar aos cidadãos se querem um referendo em relação a qualquer outra matéria mais falada, mais controversa ou mais sentida, a resposta maioritária será igualmente positiva, sem que isso signifique que se possam ou devam fazer tais referendos.

Também a divisão de opiniões é o mais corrente em muitas questões da vida nacional e nem por isso se defenderá que, só por isso, se façam referendos sobre tais questões.

Estando a regionalização consagrada na Constituição como um elemento de organização do Estado, o referendo nacional sobre ela representaria o perigoso precedente de referendos sobre matéria constitucional, com carácter plebiscitário, levando a que aspectos constitucionais do regime democrático (direitos e liberdades, organização democrática do Estado, etc., etc.) passassem a poder ser alterados por decisão de uma maioria conjuntural de eleitores, quando hoje, para a sua alteração, são exigidos 2/3 dos deputados e ainda assim com importantes limites materiais de revisão.

Acresce ainda que é legítimo suspeitar que, não sendo crível a realização em 1997 de três actos e campanhas eleitorais - referendo sobre regionalização, referendo sobre a União Europeia e eleições autarquicas - a insistência por parte de alguns na realização do referendo nacional sobre a regionalização esconde na verdade o propósito de inviabilizar o referendo sobre a União Europeia - abragendo Maastricht - isto é, de impedir que o povo português se pronuncie sobre decisões que, essas sim, afectaram profundamente a soberania nacional e tiveram consequências tão profundas na vida do país no plano económico e social.

25. O PCP é uma força de apoio ao PS na questão da regionalização?

Nem pensar. Essa visão - insistentemente dada por muitos órgãos de comunicação social - não tem qualquer fundamento. O PCP bate-se pelas suas próprias ideias e concepções quanto à regionalização expressas nos seus próprios projectos legislativos (os primeiros a serem apresentados, pelo que, em boa verdade, foi o PCP quem colocou a regionalização na "agenda política").

O PCP tem sérias discordâncias com muitas concepções e soluções constantes dos projectos do PS. E estando naturalmente aberto para o diálogo necessário e a procura de plataformas de entendimento que permitam fazer avançar a regionalização democrática, o PCP não apoiará uma qualquer regionalização nem será cúmplice dos factos consumados que os entendimentos do PS com o PSD e o PP viessem a criar.