Referendo das Regiões e a intervenção do PCP
Declaração de Carlos Carvalhas
24 de Julho de 1998

 

Como é do conhecimento público, o Partido Comunista Português tem-se empenhado, de forma coerente, na luta pela criação das regiões administrativas.

Em primeiro lugar porque consideramos a regionalização como um elemento importante de aprofundamento da democratização do país.

A todos os níveis de poder, das freguesias aos órgãos de soberania, existem órgãos democraticamente eleitos. Contudo, a nível regional, continuam a existir múltiplos centros de poder sem legitimidade democrática directa.

A instituição das regiões administrativas permitirá coordenar estes diversos centros de poder. Contribuirá para racionalizar os seus meios de intervenção. Pode dar rosto, através dos responsáveis que vierem a ser eleitos para os órgãos representativos, a poderes muitas vezes invisíveis e que se ocultam na sombra.

Em segundo lugar, entendemos que a regionalização é um vector importante para o reforço da democracia participada.

Vão aproximar-se os serviços públicos dos seus destinatários. Vão ser promovidas eleições, por sufrágio universal, para a designação dos eleitos dos órgãos regionais. Vai concretizar-se, tão amplamente quanto possível, o conceito de descentralização. É um factor de participação dos cidadãos na vida colectiva regional.

Descentralizar para desenvolver

Em terceiro lugar, a regionalização contribuirá como importante factor de reforço do desenvolvimento regional.

Vivemos nos últimos anos um período, em que se têm realizado investimentos públicos e também privados em Portugal. Mas é fácil constatar como a Administração Central, por intermédio das Comissões de Coordenação Regionais e dos serviços periféricos, se encontra demasiado longe das questões específicas do desenvolvimento regional. Os municípios, quer isolados, quer associados, encontram-se também em boa medida impotentes para dar resposta à maioria daqueles problemas.

Portugal está longe de ser o país harmonioso que alguns se lembram agora de apresentar. Quando analisada a realidade nacional numa perspectiva de desenvolvimento regional integrado existem enormes diferenças a nível económico, social, cultural. Há diferentes perspectivas de futuro entre as várias regiões do país.

Com as regiões administrativas em funcionamento, passarão a existir estruturas autárquicas vocacionadas para o debate, esclarecimento, planeamento e execução de projectos de desenvolvimento regional integrados. Estas estruturas devem ter como tarefa fundamental lançar, prosseguir e concretizar as intervenções e os programas que vierem a integrar os planos.

Em quarto lugar, a regionalização é condição indispensável para a necessária e urgente reforma da administração pública.

A passagem para as regiões administrativas de diferentes funções da administração periférica do Estado será um importante meio de reduzir drasticamente o grande peso burocrático que continua a caracterizar a nossa administração pública.

Neste aspecto, a regionalização terá também um papel importante na desconcentração do aparelho de Estado e na sua racionalidade. Pode fazer com que haja uma melhor distribuição em todo o território nacional de serviços públicos e de pessoal que aí desempenha funções.

Reforçar a coesão nacional

O Partido Comunista Português tem estado atento a todas as intervenções que têm vindo a ser produzidas sobre este tema. Tem registado todas as objecções que têm sido apresentadas. Mas não partilha a maioria delas. Como mostram as lições que resultam do evoluir da nossa vida colectiva, será a luta democrática e a firmeza e persistência da nossa intervenção que irá privilegiar as vantagens da regionalização e ultrapassar temores que alguns têm referido.

É nossa convicção que a regionalização virá a ser um contributo positivo para o reforço da coesão nacional.

As futuras regiões administrativas serão autarquias locais, como está consagrado na Constituição da República. No futuro, tal como hoje já o são as freguesias e os municípios, serão sólidos esteios da unidade e da coesão nacionais.

Temos hoje, no continente português, 275 municípios que têm competências, meios próprios e autonomia na sua utilização. Não existe por isso nenhuma divisão do nosso território. Antes é notório que o Poder Local democrático tem contribuído para o desenvolvimento. Para isso contribui o dinamismo, as reivindicações e a intervenção das actuais autarquias locais.

Quem afirma que a regionalização poderá vir a prejudicar os municípios, omite deliberadamente que a Constituição da República Portuguesa expressamente o impede.

Omite, igualmente, que as regiões terão como uma das suas atribuições o apoio aos municípios sem limitar os respectivos poderes. Vão assumir tarefas que, por razões de eficácia, não deverão continuar na dependência da distante administração central. Mas serão também tarefas que não podem ser descentralizadas para os municípios devido à sua dimensão e ao carácter supramunicipal das questões envolvidas.

Falsa questões

Os que agora combatem a regionalização em nome dos municípios são, muito provavelmente, os mesmos que, durante anos, têm atacado a sua autonomia e tentado negar-lhes os meios indispensáveis ao pleno exercício das suas funções.

Quem diz que não se justifica existirem órgãos de poder regional em Portugal está a falsear a questão. De facto, já hoje existem diversos serviços regionais, descoordenados, se não mesmo caóticos. Já hoje há centros de poder regional, com áreas diferentes, no nosso país.

As Comissões de Coordenação Regionais, as Direcções Regionais de Educação, de Agricultura, do Ambiente e Recursos Naturais, de Estradas, as Administrações Regionais de Saúde, de Segurança Social e outras direcções de serviços vão funcionando melhor ou pior, mas quase todos sem rosto, descoordenadas e sem legitimidade democrática directa.

Assim, uma das funções para as quais as regiões administrativas serão essenciais será para dar rosto, transparência e responsabilização a quem exerça cargos nas regiões.

Muitos são os que se preocupam com os custos da regionalização. Argumentam que o funcionamento das futuras regiões administrativas será muito caro. Tal não é verdade.

Para se aquilatar dos custos da regionalização, não chega só apontar o dinheiro público gasto no funcionamento dos órgãos e dos serviços regionais. É também obrigatório indicar as despesas actuais em pessoal, burocracias e despesas diversas que temos que suportar com o "poder regional" que já existe, comandado do Terreiro do Paço e que muitos procuram esconder.

Por outro lado, as contas da regionalização não podem ter apenas as partes a débito. Terão que considerar também os créditos que resultarão da supressão de lugares e da racionalização de serviços.

A criação das regiões administrativas e o seu funcionamento não será um processo caro. Permitirá, isso sim, responsabilizar pessoas pelo exercício nacional de cargos que hoje são sobretudo "jobs" opacos e dispendiosos.

O contributo do PCP

A estratégia do PCP na campanha de esclarecimento da opinião pública que se avizinha com vista ao referendo sobre a criação das regiões administrativas será a de colaborar com todos os que defendam o SIM às regiões administrativas nas respostas às perguntas formuladas no referendo.

Procuraremos trabalhar dentro da máxima convergência possível no sentido de se conseguir uma vitória no próximo referendo e, deste modo, dar um passo decisivo no caminho da concretização das regiões administrativas.

Duas ideias serão centrais na nossa intervenção:

Em Setembro, assim que decorra a reabertura da Assembleia da República, este órgão terá que se debruçar rapidamente sobre estes temas, no sentido de precisar melhor aspectos essenciais para as futuras regiões administrativas.

Entendemos que a definição das atribuições e competências, das finanças regionais e de outros aspectos do regime jurídico devem ser asseguradas pela Assembleia da República em Setembro.

O PCP já deu a sua contribuição com a apresentação de projectos de lei sobre estas matérias. Está disponível para trabalhar intensamente para que esta definição seja assegurada.

Regionalização é, tal como o PCP a entende, um processo normal e natural de democratização da vida política e da administração pública. Visa a democratização dos processos de decisão. Aponta para a racionalização na gestão dos recursos do país. Procura garantir a concretização de investimentos coordenados. Visa contribuir para a promoção da melhoria permanente da qualidade de vida.

Tal como sempre fazemos em todas as questões que exigem clareza de posições, não existem dúvidas quanto às posições que o PCP sempre assumiu nesta matéria.

Somos resolutamente pelo desenvolvimento da nossa vida democrática a todos os níveis. Somos pela coesão nacional. Somos pelo incremento da participação directa dos portugueses em tudo quanto lhes diga respeito.

Por isso dizemos SIM à regionalização.