Sobre os referendos
Nota da Comissão Política do PCP
8 de Julho de 1998
1. A Comissão Política do PCP analisou
as consequências resultantes da aprovação na Assembleia da República pelo PS,
PSD e PP das perguntas dos referendos sobre a União Europeia e sobre a regionalização,
e da possibilidade de esses referendos poderem vir a ser marcados para o mesmo
dia, tudo isto num contexto político inevitavelmente marcado pelo impacto da
forte abstenção verificada no referendo de 28 de Junho. A Comissão Política
reafirma, pela sua inteira validade e justeza, as intervenções feitas na Assembleia
da República pelos deputados do PCP, que dissecaram pormenorizadamente, no momento
próprio, os conteúdos e significados da aprovação de tais perguntas.
2. A Comissão Política do PCP considera
que o verdadeiro clamor público da generalidade dos comentadores, analistas,
constitucionalistas e personalidades políticas dos mais diversos quadrantes
ideológicos e partidários, que ecoou nos principais órgãos de comunicação social
do País após o conhecimento concreto das perguntas dos referendos e do contexto
do referendo sobre a despenalização do aborto, questionando a forma e conteúdo
das perguntas, a sua constitucionalidade, os problemas decorrentes da sua possível
simultaneidade e, inclusive, a realização dos referendos por razões políticas,
jurídicas ou de simples bom senso, veio fortalecer e sublinhar a justeza das
posições assumidas pelo PCP ao longo deste atribulado processo.
3. A Comissão Política do PCP julga-se
no inteiro direito de exigir o completo esclarecimento das responsabilidades
políticas pela situação a que se chegou, elucidação que não deve deixar margem
para qualquer dúvida. O PCP recorda que esteve desde muito cedo contra opiniões
e decisões do PS, PSD e PP sobre esta matéria em sede das direcções partidárias,
da Assembleia da República e do Governo, que acabaram por configurar um processo
que agora desembocou nas perguntas que são conhecidas. As apreciações e considerações
agora feitas por outros repetem várias questões para que, em tempo oportuno,
o PCP alertou e previu. Assim, o PCP não aceita que, a coberto de diversos substantivos
colectivos, da abstracta «classe política», dos «políticos» ou dos «dirigentes
partidários», baseados no puro e simples esquecimento das diferentes posições
assumidas pelo PCP, se procure meter e misturar tudo e todos no mesmo saco.
Tudo e todos amalgamar numa informe (ir)responsabilidade colectiva, assim promovendo
a absolvição segura dos partidos que têm pesadas culpas no cartório. O PCP não
aceita que se faça tábua rasa dos acordos, negociatas, conluios, reviravoltas,
cedências e cumplicidades do PS, PSD e PP que, às claras e as mais das vezes
às escuras, por tacticismo, eleitoralismo ou pura e simples falta de coragem
política, provocaram toda esta embrulhada. No processo de revisão constitucional.
No processo da regionalização. No processo de abordagem da questão europeia.
Como, aliás, no processo do referendo sobre a despenalização do aborto.
4. A Comissão Política do PCP insiste
em afirmar que:
A pergunta do referendo sobre a integração europeia, além de ferida de inconstitucionalidade,
é hoje uma evidente fraude reconhecida pela generalidade dos cidadãos. Tal referendo
só pode ser defendido por quem tem a consciência pesada e teme o esclarecimento
e a livre opção do eleitorado sobre as questões da União Europeia que, de facto,
deviam ser sujeitas a referendo. As recentemente sugeridas saídas para um possível
«não» no referendo europeu, só podem ser admitidas como exercício de ficção
política e, a serem perfilhadas pelos responsáveis governamentais, só confirmariam
uma de duas coisas: ou que a pergunta foi de facto redigida para obter um sim
esmagador, ou que o referendo não serve para nada;
A possível simultaneidade dos dois referendos, para lá da duvidosa constitucionalidade,
só pode ser defendida por quem, intencionalmente ou não, não quer uma efectiva
mobilização e esclarecimento do eleitorado sobre as questões em causa. Basta
recordar, como tem sido evidenciado por muitos face ao acontecido no referendo
sobre a despenalização do aborto, o significado perturbador e confusionista
de duas campanhas simultâneas, com duas séries de tempos de antena, a multiplicidade
de variantes dos apelos ao voto, a que se somariam inevitáveis e complexos problemas
técnicos não desprezíveis em matéria de participação eleitoral: mesas com dois
cadernos eleitorais ou um caderno com duas colunas, dois boletins de voto, duas
urnas, etc., etc. Pode dizer-se que a pretendida simultaneidade contribuirá
para desacreditar ainda mais o referendo como instrumento da democracia portuguesa,
já seriamente abalado com a experiência de 28 de Junho!
5. A Comissão Política do PCP reafirma
a necessária convergência de opiniões e vontades para evitar o que deve e pode
ainda ser evitado, reduzindo ao mínimo os evidentes custos políticos de algumas
decisões, no mínimo pouco reflectidas. Um clamoroso erro não pode ser corrigido
com um erro maior. O simples bom senso, uma lídima vontade de melhorar a participação
política dos portugueses em importantes questões da sua vida colectiva, a defesa
dos créditos democráticos do referendo que merece sobrepor-se a estritos e curtos
interesses partidários, devem prevalecer para anular o referendo sobre a questão
europeia, decisão que, no entender do PCP, o Presidente da República deve assumir
para defesa do prestígio das instituições democráticas e por respeito pelo povo
português.
É com este sentido democrático, cívico, e a consciência tranquila de quem não
contribuiu para a confusão instalada, bem pelo contrário, que o PCP continuará
a pronunciar-se e a intervir sobre estes assuntos.
Assim, o PCP vai solicitar uma audiência ao Presidente da República para, de
viva voz, lhe transmitir a sua apreciação e as suas preocupações sobre a actual
situação e as questões dos referendos.