Sobre o Referendo sobre a Regionalização
Conferência de Imprensa do PCP
5 de Agosto de 1998
1. A criação das regiões administrativas em
Portugal Continental é uma obrigação constitucional, e como tal não é referendável.
O que vai ser sujeito a referendo é a instituição em concreto e não o haver
ou não regiões.
Este é, desde sempre, o entendimento que o PCP tem desta matéria. O acórdão
do Tribunal Constitucional proferido na passada semana é coincidente com esse
entendimento.
Temos assistido desde então a uma intervenção pouco séria por parte de todos
aqueles que manifestando-se contra a instituição das regiões administrativas
procuram, em seu proveito, distorcer o sentido do acórdão.
A resposta dos portugueses à primeira pergunta do referendo "Concorda com a
instituição em concreto das Regiões Administrativas?" refere-se, evidentemente,
a uma (certa) lei concreta e a uma regionalização concreta. Ao contrário do
que a direita pretendia, a última revisão constitucional continua a não permitir
referendar normas constitucionais. O PSD parece que só agora descobriu que não
é haver ou não regiões que está em causa. Mas se assim é, desafiamos o Presidente
do PSD a que diga em que termos pretende cumprir a Constituição. Se não é adepto
destas regiões, é preciso que diga que regiões defende.
No meio da confusão que alguns tentam lançar é importante saber, sem equívocos,
de que regiões são adeptos muitos dos que agora se afirmam pelo "Não" a estas
regiões. Devem dizer, com frontalidade, quais as soluções que defendem. Devem,
finalmente, debater com seriedade e rigor as vantagens e inconvenientes de uma
e de outra solução.
Estamos convictos que desta forma se perceberiam melhor as razões que fundamentam
a actual proposta das oito regiões em consulta pública.
Contudo, é bom que não esqueçamos que, tendo sido consultadas todas as assembleias
municipais do Continente em devido tempo, a direcção do PSD deu orientação às
autarquias em que tinha maioria para que não se pronunciassem. Os limites de
regiões foram alteradas em diversos casos porque as assembleias municipais se
pronunciaram nesse sentido. Noutros casos também o teriam sido se o PSD não
tivesse boicotado a consulta.
As regiões actualmente definidas na Lei de Criação de Regiões não são fruto
de qualquer negociata de bastidores. Resultam directamente dessa consulta às
assembleias municipais.
O próprio Grupo Parlamentar do PSD também nunca apresentou qualquer proposta
de demarcação de regiões administrativas na Assembleia da República.
Agora, se o "Sim" na primeira pergunta obtiver a maioria, está aberto o caminho
para que a regionalização do Continente avance em todas as regiões em que o
"Sim" vença também na segunda questão. Nas outras, haverá os reajustes futuros
que o debate vier a aconselhar.
Como a história da evolução da divisão administrativa do país bem revela,
haverá sempre a possibilidade futura de reajustamentos na definição territorial
das regiões.
Será com a instituição em concreto das regiões, de todas ou de parte, no
caso de o "Sim" à segunda questão não triunfar em todas, que novas soluções
poderão vir a surgir no futuro.
Se for o "Não" a ganhar, aí é que não será difícil adivinhar que o PSD e alguns
dos que agora dizem que apenas discordam destas regiões tudo fariam para que
o processo de regionalização não avançasse e procurarão que este fique paralisado
durante, pelo menos, mais duas décadas. Não porque não seja constitucionalmente
obrigatório que avance. Mas sim porque o centralismo pode triunfar em relação
à necessidade de cumprir a lei fundamental.
Quem defende as regiões com órgãos democraticamente eleitos tem uma boa opção
a tomar: votar "Sim" no próximo referendo. Ao votarem "Sim" os eleitores irão
abrir caminho para que, no seu quotidiano, a existência das regiões possa trazer
vantagens e se criem condições políticas para os eventuais futuros reajustamentos
que se vierem a revelar necessários.
A criação das regiões irá dar rosto e responsabilizar perante todos os futuros
eleitos regionais.
O desenvolvimento e a expressão da vontade regional não continuará a medir-se
pelo interesse ou desinteresse da Administração Central, nem pela opinião ou
intervenção de um qualquer seu representante a nível regional. Dependerá de
decisões colectivas tomadas pelas assembleias e juntas regionais. Aí, os membros
directamente eleitos e os membros de assembleias municipais deverão ter o principal
papel. A aproximação do poder em relação às populações permitirá estimular
a sua participação em áreas em que tal não acontece.
2. A regionalização proposta, tal como se afirma
recentemente num jornal diário, não cria pobreza. Limita-se a explicitar claramente
a pobreza do interior do país que já existe, em especial a que estava disfarçada
com os indicadores de rendimento do Litoral Norte e Centro. Mesmo nestes, aliás,
as médias de rendimento ou o «PIB per capita» escondem grandes e intoleráveis
manchas de pobreza e de exclusão social que não podem ser esquecidas.
Por outras palavras, torna mais explícitas as assimetrias da distribuição regional
do rendimento. Mostra que as cantilenas sobre o «pelotão da frente» pretendem
esconder problemas a que se devia prestar grande atenção.
Se Trás-os-Montes e Alto Douro e também a Beira Interior se pronunciarem no
sentido de serem futuras regiões isso significará que optam por romper com a
lógica centralista das CCR que escondeu os problemas e a desertificação destes
territórios.
Este facto vem ao mesmo tempo evidenciar uma realidade que temos repetido: já
há regiões em Portugal. Houve essencialmente seis de 1299 a 1832. Houve diversas
outras regiões, com nomes diferentes desde então. Mas quase sempre houve regiões
em Portugal. Umas vezes foram eleitas, em algumas fases do período liberal.
A grande diferença é que actualmente existem dezenas de divisões regionais diferentes:
20 serviços regionais agrupando distritos, 13 segundo a área das cinco CCR's,
15 segundo a área dos distritos e 26 segundo diversas áreas. Na falta de uma
definição, há décadas que se somam divisões diferentes para efeito de criar
serviços regionais. No conjunto, temos aqui centenas de "jobs" e uma administração
periférica que fica cara, que é descoordenada e caótica. É uma realidade que
os eleitos locais e as populações sobretudo de certas áreas do país bem conhecem.
Para a União Europeia, Portugal tem hoje e desde a sua integração cinco "regiões"
no Continente (coincidindo com as Comissões de Coordenação Regionais) e duas
regiões autónomas — Açores e Madeira.
O simples facto de entre as oito regiões do Continente agora propostas figurarem
quatro das cinco regiões mais pobres da Europa, apenas clarifica a triste posição
do nosso país. Mas também cria condições objectivas para que possamos receber
apoios comunitários durante mais tempo. Ou seja, para que venhamos a receber
mais dinheiro para ser aplicado numa outra perspectiva de desenvolvimento regional,
como defendemos.
Mesmo para o caso da região de Lisboa e Setúbal, em que o PIB por habitante
em paridades do poder de compra já é próximo da média europeia, deverão o Governo,
a futura região e todas as nossas entidades com intervenção na União Europeia,
lutar tenazmente para que não venham a ser retirados os apoios comunitários
essenciais à melhoria das condições de vida das respectivas populações. Importa
sobretudo sublinhar a necessidade de intervenção em relação aos grandes problemas
sociais acumulados, que as médias de rendimento disfarçam nas estatísticas mas
não apagam da vida.
A alteração da área dos serviços periféricos dos ministérios e em particular
das CCR's, pode não resolver o problema perante a União Europeia. Esta terá
que aceitar para efeitos de acesso aos fundos comunitários, a área de regiões
com legitimidade democrática; mas pode não aceitar uma mera mudança da área
de serviços periféricos da Administração Central com o objectivo de conseguir
verbas da União Europeia durante mais tempo.
A arrogância do "Não" do PSD e do PP às regiões resvala claramente para a insegurança.
Esta descobre-se, cada vez mais facilmente, por detrás da tentativa de meter
no mesmo saco os centralistas retrógrados que se opõem à criação das regiões
e aqueles que, sendo regionalistas, podem não estar a favor de algumas das regiões
agora preconizadas.
Mas o que está em causa é:
— ou continuarmos como o Estado mais centralista, mais burocraticamente ineficaz,
que mais longe está dos interesses e intervenção dos cidadãos;
— ou, ao inverso, procurarmos construir um Estado que possa vir a ser um
sólido contributo para o desenvolvimento, para a democracia e para a descentralização
da administração do nosso país.
3. Tendo em conta as vantagens para
o aprofundamento da democracia, para a reforma e racionalidade da Administração
Pública, para o desenvolvimento mais justo e equilibrado e para o apoio aos
municípios e ao seu fortalecimento, Portugal fica a ganhar com as regiões. É
isso que dizemos no primeiro cartaz que hoje apresentamos.
A Festa do "Avante!", a 4, 5 e 6 de Setembro, constituirá também o arranque
da campanha nacional do PCP pelo "Sim" à regionalização.
Para além da intervenção do Secretário-Geral do PCP no comício de Domingo,
dia 6, as regiões administrativas serão tema em destaque nos pavilhões regionais,
da responsabilidade das Organizações Regionais e na programação central designadamente,
no colóquio e na exposição política.
A campanha Nacional do PCP pelo "Sim" à regionalização marcará também presença
na decoração política do recinto, incluindo a apresentação do primeiro cartaz
de campanha — cartaz MUPI 1,24x1,75, com o lema "Portugal fica a ganhar/ SIM
às regiões".
Simultaneamente, procuramos reunir elementos, e torná-los acessíveis, para um
debate participado e informado. É nesse sentido que inserimos na Internet um
dossier de perguntas e respostas sobre as regiões, bem como os projectos de
atribuições e competências e finanças regionais, apresentados pelo Grupo Parlamentar
do PCP na Assembleia da República, o primeiro dos quais já aprovado na generalidade
em 2 de Maio de 1996.
Aliás, com vista a um maior esclarecimento sobre o quadro que irá reger o funcionamento
das novas autarquias regionais, a Assembleia da República, no início da nova
sessão legislativa pode e deve aprovar a legislação atrás referida.
Pela sua parte o PCP reitera o seu total empenhamento para que tal possa ocorrer.
Com o "Sim" às regiões, Portugal fica a ganhar.