Senhor Presidente,
Senhores Deputados,
Decididamente o Governo e certas forças políticas parecem querer transformar o País numa realidade formal e virtual.
Dois factos recentes aí estão a demonstrar isto mesmo: as propostas de perguntas para o referendo europeu e a propaganda do Governo em torno do Orçamento de Estado e dos indicadores macro-económicos.
Durante anos, PS e PSD opuseram-se à ideia de ouvir o povo sobre o processo de integração europeia.
Receosos da resposta, com os exemplos da Dinamarca e da França, PS e PSD foram recusando o referendo particularmente num período em que tal era absolutamente necessário, quando da ratificação do Tratado de Maastricht, impedindo assim um verdadeiro debate nacional.
Era então que se colocava em discussão o núcleo essencial que determinava a caminhada "federalista" da União Europeia: moeda única, critérios de convergência, perdas decisivas de soberania.
Pressionados pela vontade da opinião pública e pelos mais variados sectores da vida nacional PS e PSD lá foram obrigados timidamente a entreabrir a porta, na última revisão, à possibilidade constitucional do referendo. Mas tudo fizeram para negar aos portugueses a possibilidade real de se pronunciarem sobre o que de verdadeiramente essencial está em debate.
As perguntas propostas pelo Governo e pelo PSD vêm nessa linha, são vazias de conteúdo e constituem, por si só, a demonstração cabal de que o "bloco central" quer transformar o referendo europeu numa monumental farsa.
Perguntar aos eleitores, como propõe o Governo, se "Portugal deve continuar a participar na construção da União Europeia que resulta do Tratado de Amsterdão" é perguntar o que não está posto em causa já que nenhuma força política coloca a questão de Portugal não participar na construção europeia. É, pois, uma pergunta manipuladora e de resposta assegurada.
Igualmente as restantes perguntas propostas pelo PSD, são perguntas que não colocam aos portugueses nenhuma questão sobre as quais haja pontos de vista divergentes e para apuramento dos quais se justifique consultar o País.
Perguntar aos portugueses se querem que a União Europeia combata o desemprego ou a criminalidade é uma fantochada, é fazer uma pergunta de resposta óbvia com o objectivo de, a partir dos resultados encontrados procurar extrapolar conclusões abusivamente com vista a uma "legitimação" de todas as políticas e orientações de Maastricht. Porque é que não ensaiavam a pergunta inversa: por exemplo se os portugueses estão de acordo com políticas que provocam mais desemprego, mais precaridade e mais desigualdades.
Governo e PSD não querem assim, fazer um verdadeiro referendo europeu. Querem, sim, manipular o instituto do referendo e a vontade de debate e de intervenção dos portugueses.
O PCP considera que a pergunta a ser colocada deve conter, embora no respeito pelos limites constitucionais, questões verdadeiramente essenciais, sobre as quais haja opiniões divergentes entre as forças políticas e no País e que por isso exijam um apuramento da vontade dos portugueses.
Uma pergunta que não pode deixar de ter em conta o quadro histórico concreto e o núcleo de problemas fundamentais associados ao Tratado de Amsterdão.
Foi isto uma das questões que debatemos nas Jornadas Parlamentares do PCP realizadas este fim de semana, em Faro.
O que o Tratado de Amsterdão levanta como questão central é a evolução da integração europeia no sentido de cada vez maiores transferências de soberania e no qual se insere o abandono do escudo como moeda nacional e o Pacto de Estabilidade com pesada multa aos países que não cumprirem os critérios de Maastricht. É isto que está em causa. É sobre isto que se divide a opinião das forças políticas e dos portugueses. É sobre esta questão essencial que aos portugueses deve ser dada oportunidade de se pronunciarem.
Com este objectivo vamos apresentar hoje um projecto de resolução com a seguinte pergunta a considerar para o referendo: "Concorda que a evolução da integração europeia implique maiores transferências de soberania, desde a supressão do escudo e a imposição de multas aos países que não cumpram os critérios de Maastricht até as novas transferências previstas no Tratado de Amsterdão?"
Se o PS e o PSD querem, de facto, um referendo com sentido útil; se não têm medo de apurar a vontade dos portugueses explicitando e não escondendo as questões essenciais que estão inscritas no Tratado de Amsterdão, então têm aqui uma perguntam com sentido que fará do referendo não um acto formal e manipulador mas um momento importante de auscultação da vontade soberana dos portugueses sobre o futuro de Portugal.
Senhor Presidente,
Senhores Deputados,
Um outro facto, sobre o qual também se debruçaram as Jornadas Parlamentares do PCP, tem a ver com o Orçamento do Estado e as alegadas boas performances da economia portuguesa.
O primeiro comentário, Senhores Deputados, é que o Governo - e a União Europeia - sofrem de autismo político confundindo os seus desejos e os seus abstractos indicadores macro-económicos com a realidade económica e social que os cerca.
Numa Europa onde o desemprego cresce inexoravelmente;
Num País, como Portugal, onde se mantém o desemprego estrutural e em que a sua redução estatística é conseguida à custa de limpeza de ficheiros e de inexplicáveis aumentos de mais de 60.000 activos na agricultura; Num País onde 88% das pensões de velhice e 86% das pensões de invalidez não ultrapassam os 30.000$00; Num País onde, praticamente, só pagam impostos os trabalhadores por conta de outrém; Num País onde uma parte significativa da actividade económica e da estrutura produtiva estão extremamente fragilizados, vulneráveis e nem sequer estão a beneficiar dos resultados conjunturais provocados pelas grandes obras públicas, num País assim, como Portugal, falar de boas "performances" na economia é ignorar a realidade e confundir as médias dos indicadores macro-económicos com as dificuldades dos trabalhadores, dos reformados, dos jovens, de milhares de pequenas empresas, de muitos sectores de actividade.
Mas já agora - e este é o segundo comentário - se a economia vai tão bem então desafiamo-vos, Senhores Deputados, a traduzirem esses bons resultados em medidas que melhorem a vida de quem trabalha e dos mais desprotegidos. Desafiamo-vos a aceitarem que os aumentos salariais tenham em conta não só a prevista taxa oficial de inflação mas também os ganhos de produtividade e a necessária aproximação ao nível médio dos salários europeus. Desafiamo-vos a aceitarem um aumento extraordinário das pensões de reforma de 3 mil escudos para todas as pensões inferiores ao salário mínimo nacional (matéria que, pelas últimas notícias, o PSD já deixou cair). Desafiamo-vos a aceitarem uma redução da carga fiscal sobre os rendimentos de trabalho e a reduzirem os benefícios fiscais não produtivos sobre o capital. Desafiamo-vos a que finalmente, façam cumprir efectivamente a redução do horário de trabalho para 40 horas sem subterfúgios.
Porque se não aceitam estas propostas é porque, das duas uma: ou os alegados bons indicadores macro-económicos de facto não existem ou, então, esses apregoados bons resultados da economia traduzem-se unicamente em aumento dos lucros para o capital, em aumento das receitas do Estado com vista à moeda única e em aumento - vultuoso, diga-se (mais 27%) - das transferência para as Regiões Autónomas, eventualmente tendo em vista assegurar o voto favorável do Orçamento de alguns senhores Deputados do PSD.
Pode, pois, o Senhor Primeiro Ministro estar descansado. Já tem o orçamento aprovado e até o PSD pode ensaiar alguma táctica de aparente distanciamento. Nem precisa de mandar calar os ministros para evitar a repetição das incómodas (mas verdadeiras) declarações do Ministro Sousa Franco: a de que o chumbo do Orçamento não teria consequências graves para a economia portuguesa.
Está, assim tudo na paz dos deuses. A economia vai virtualmente bem; o Orçamento vai passar; os lucros do capital continuarão a aumentar; os desempregados vão continuar a existir; os reformados vão continuar com pensões de miséria; as desigualdades sociais e regionais vão-se manter, o PSD e o PP continuarão, no essencial, a estar de acordo com as políticas do Governo.
Bem haja!
Disse,