Referendo sobre a Regionalização
Intervenção do deputado Luís Sá
29 de Junho de 1998

Perguntas aprovadas pela Assembleia da República

Senhor Presidente,
Senhores Deputados:

Estamos aqui hoje a debater dois referendos no dia seguinte ao que ontem foi realizado nos termos e com os resultados conhecidos. Continuamos hoje no caminho de um mau começo dos referendos em Portugal.

Em tudo isto não há responsabilidades e posições iguais. Não há "políticos" ou "classe política" como querem alguns comentaristas. Há quem tenha ponderado o que decide e sido coerente. E há quem tenha flutuado ao sabor dos interesses da direita. E há quem defenda verdadeiras aberrações como as que hoje estão em debate ao sabor de projectos conjunturais.

E sobretudo há quem tenha andado em todas estas matérias a brincar aos referendos. E continue agora no mesmo caminho.

Na última revisão constitucional fez-se depender o cumprimento da lei fundamental em matéria de regiões de uma consulta directa dupla.

Agora, quer-se aumentar ainda mais a confusão. Fala-se mesmo em dois referendos no mesmo dia, facto verdadeiramente intolerável. Pensemos na confusão de discursos, de tempos de antena, de temas em debate, de materiais de propaganda, boletins de voto. E isto num país de analfabetismo e ileteracia. É intolerável, é absurdo, é oportunista e ninguém pode aceitar a proposta de simultaneidade dos referendos Continuaremos a pensar que a democracia directa pode ser importante, em articulação com a democracia representativa e a democracia participativa. Somos dos que entendem que o exercício da cidadania deve ser mais do que o voto periódico.

Mas, em vez de um meio de participação genuína, os referendos começaram por servir como instrumentos para impedir a Assembleia da República de aprovar reformas e abrir as vias para as implementar. Foi o caso da tentativa de resolver o problema da interrupção voluntária da gravidez sem ser incriminando-a e fomentando o aborto clandestino. Agora é o caso do projecto criar regiões administrativas e desse modo de democratizar e imprimir alguma racionalidade na administração periférica regional do Estado. Hoje, esta é poderosa, é cara e assenta em dezenas de divisões regionais diferentes.

Em tudo isto, o PS fez sempre o que o PSD lhe exigiu. Cedeu constantemente ao objectivo deste partido de impedir alterações positivas e de sentido democrático. Ajudou a resolver as suas contradições internas da direita, remetendo para o referendo tudo o que a direita quis.

Mais uma vez hoje não se vai ter em conta um aspecto central que a regulação constitucional do referendo em geral procurava garantir: evitar conflitos entre a vontade maioritária da representação parlamentar e o resultado dos referendos. Abriu-se caminho a que a democracia directa entrasse em conflito com a democracia representativa. No caso do aborto referendou-se uma lei aprovada já na generalidade. No caso da regionalização, tornou-se obrigatório na última revisão constitucional referendar a eficácia de uma lei aprovada, publicada e em vigor e que teve em conta o parecer de centenas de municípios.

No caso do referendo sobre a regionalização, não se manteve o «referendo orgânico» em que os municípios, através das assembleias municipais, podiam construir as regiões de baixo para cima. Era o que estava previsto antes da revisão constitucional.

Não se optou também por um referendo regional, em que a população de cada região poderia decidir o que entende sobre a região proposta para a sua área. Optou-se antes por um referendo duplo, em que o resultado de um referendo nacional, ainda que tangencial, pode esmagar vontades regionais, mesmo que largamente maioritárias. No fundo, em que o todo pode esmagar as partes. E houve mesmo candidatos a regionalistas encartados que apresentaram as regiões como sendo "contra Lisboa" parece que para tornar isso mais fácil.

A isto tudo acrescente-se que o referendo que se pretende fazer simultaneamente com este, o referendo «sobre a Europa»é de sentido absurdo. E os que o fazem são os mesmos que recusaram o referendo em relação à moeda única. Dito de outro modo, recusa-se ao povo pronunciar-se sobre o essencial e pretende-se ao mesmo tempo referendar aspectos relativamente secundários da integração comunitária. E talvez para que a participação não seja de metade do referendo de ontem, perante o absurdo da pergunta, impõe-se a mistura das regiões e do Tratado de Amsterdão.

Alguns, o Professor Marcelo, por exemplo, se forem coerentes, concluirão, talvez que tudo deverá ficar paralisado na integração comunitária se não votarem 50% dos eleitores, seja qual for o sentido da votação...

Senhor Presidente,
Senhores Deputados,

A regionalização foi inscrita na Constituição por consenso. A Lei Quadro das Regiões foi aprovada por unanimidade. Mas preferiu-se o volte face e passar a ser contra, com uma argumentação falsa, carente de rigor, terrorista.

E, no entanto, já estão instituídas regiões. Só que não têm qualquer legitimidade democrática directa. E isto num país em que existem no continente dezoito distritos, cinco comissões de coordenação regional e dezenas de direcções regionais (e com áreas diferentes), de ministérios, institutos, empresas públicas, todos a realizar enormes despesas e com centenas de cargos públicos, funcionando de forma descoordenada.

Fala-se em despesas da regionalização e em «tachos». Mas não se refere as despesas que não seriam realizadas e os cargos públicos que seriam eliminados, substituídos pela legitimação democrática.

Diz-se que Portugal é um país pequeno. Mas omite-se que sempre houve uma administração periférica regional. Só que nem sempre democraticamente eleita. E que Portugal não é mais pequeno do que outros países regionalizados da Europa como a Dinamarca, Holanda, Suécia e outros. Também aqui estaremos no "pelotão de trás" do tipo dos que não preocupam em nada aqueles para quem não é fundamental mais democracia em Portugal.

A finalidade em tudo isto é manter o máximo de controlo do poder por pequenos grupos. É assegurar a sua opacidade e impedir verdadeiras reformas democráticas.

Tudo isto mostra que, ao contrário do que se afirma, não há uma verdadeira preocupação, coerente e sistemática, de aprofundar a democracia e colocar o poder mais perto dos cidadãos. Apenas há actos dispersos e incoerentes. Apenas há invocações de objectivos democráticos para outros fins. Apenas há tentativas de marcar a agenda política sem reais mudanças democráticas. Apenas há meros pretextos para travar reais reformas de sentido democrático e descentralizador.

Deveria ser uma preocupação efectiva de todos. Não parece ser essa a real prática política entre nós transformar a democracia numa prática constante e vivida pelo maior número possível de cidadãos; garantir o controlo político efectivo do poder; despertar um interesse cada vez maior pela participação nos assuntos públicos.

Pela nossa parte, vamos prosseguir o combate por um aprofundamento cada vez maior da vida democrática e por um alargamento dos direitos dos cidadãos, em especial de quem trabalha.

No caminho imposto para tentar a travagem da regionalização, empenhar-nos-emos para que vença Portugal e as regiões, o desenvolvimento e a igualdade e coesão. Mas têm que ficar claras as responsabilidades de quem as tem.

Este é um negócio do PS e PSD em que só o PSD e o centralismo ganharam.

Vamos abster-nos e não votamos contra este referendo apenas porque hoje é imposto pela Constituição e não pode haver regiões sem este referendo.

Mas este é um caminho que não é o nosso. Foi criado para parar e não para instituir as regiões.

Tudo foi concebido nesse sentido.

Convocado o referendo, faremos por vencê-lo. Mas, tal como ontem também aconteceu, o PCP sozinho não pode fazer o que o PS não fizer. Não pode também mobilizar sozinho a participação e explicar o significado do referendo aos eleitores se o próprio Estado e Administração Pública não o fizerem.

Estamos perante um processo político lamentável e que vai continuar no debate do referendo seguinte.

Portugal pode contar connosco para lutar pelo aprofundamento da democracia. Que não se espere que colaboremos com o nosso apoio num processo que não contribui par prestigiar as instituições e fortalecer o regime democrático.


Perguntas

Concorda com a instituição em concreto das Regiões Administrativas?

Concorda com a instituição em concreto da Região Administrativa da sua área de recenseamento eleitoral?

Votação:
Sim - PS e PP
Não - Helena Roseta
Abstenção - PSD, PCP e PEV