PORTUGAL 2000
Debates para uma política de esquerda Acto de Abertura
Intervenção de Carlos Carvalhas
28 de Abril de 1998

 

Quero começar por saudar e agradecer vivamente a vossa presença na apresentação desta iniciativa, agradecer o momento musical que nos foi proporcionado pelo Grupo de Solistas da Sinfonia B, e agradecer a todos os que contribuíram para a sua realização.

Uma nova maneira de fazer política que a reabilite aos olhos compreensivelmente descrentes de tantos dos nossos concidadãos e que restabeleça laços de envolvimento e de participação democrática no movimento das ideias e das opiniões e no apuramento das análises das orientações fundamentais que devem marcar a nossa vida comum, assenta em três pressupostos básicos.

A verdade do que se afirma e do que se defende.

A informação sem restrições e colocada à disposição de todos.

E o absoluto respeito pela capacidade de juízo e pela livre opção de cada um, afirmados na diversidade de condições, experiências e conhecimentos, sem sujeição a paternalismos ou a intermediações de natureza instrumental.

E é exactamente por respeito com estes pressupostos que, antecedendo a apresentação da iniciativa política que, sob a designação Portugal 2000 - debates para uma política de esquerda o PCP se propõe desenvolver, consideramos oportuno salientar, com a franqueza que certamente os presentes esperam de nós:

- que o PCP não altera a sua apreciação de que, longe de ter sido cumprida, foi frustada a aspiração de uma real mudança da política expressa nas urnas em Outubro de 1995;
- que o PCP não modificou o seu juízo essencial de que, no Governo, o PS, embora com algumas alterações de estilo e mudanças de orientação em alguns aspectos sectoriais, acabou por manter inalteráveis as principais políticas de inspiração neo-liberal que vinham sendo conduzidas pelos governos do PSD, como aliás é reconhecido, por vezes em termos bem mais devastadores do que os usados pelo PCP, por observadores de diversos quadrantes;
- que o PCP, por mais espalhafatosa e artificial que seja a contraposição de siglas e etiquetas de partidos e coligações ditada pela proximidade das eleições e com a qual, a nosso ver, se pretende fazer esquecer três anos de amigáveis convergências e assinaláveis entendimentos, não é candidato a pratos de lentilhas, não está disponível para achar que é óptimo o que ontem, feito por outros, todos considerávamos péssimo, e não admite esbater a diferença específica que representa no panorama político nacional nem mercandejar a sua identidade, valores e convicções fundamentais;
- que o PCP se assume, como é conhecido, como oposição de esquerda, combativa, consequente e responsável, ao governo do PS e como força construtivamente empenhada na luta por uma política e por uma alternativa de esquerda.
Entretanto, recusando frontalmente um rotativismo centrado no PS ou no PSD que não oferece alternativa mas apenas variantes de continuidades essenciais, afirmamos a necessidade e dispomo-nos a contribuir activamente para a afirmação de uma esquerda e de um projecto que suporte a perspectiva, a possibilidade e a luta pela concretização de um novo rumo democrático para Portugal à entrada do novo milénio. Que tenha como base o apuramento substantivo de uma política e a reunião de condições de suporte indispensáveis à sua concretização. E que em estreita ligação com a dinâmica social, assuma uma intervenção contra a instabilidade e os factores de crise social, e um programa de justiça social como objectivo e ao mesmo tempo como condição de desenvolvimento.

É para nós evidente que o caminho para um tal projecto de esquerda e de poder, não pode ser percorrido apenas pelos comunistas e pelos que se situam na sua área, e que o concurso activo de forças sociais, de muitos socialistas e de outros democratas, constitui um factor obviamente indispensável. Do mesmo modo que julgamos evidente que essa inflexão, no sentido da esquerda, do rumo político nacional, não é concretizável sem a participação activa do PCP e o seu reforço, com tudo o que o nosso partido representa no plano da mobilização social, política e eleitoral, indispensáveis para a realização de um tal projecto.

Esclareça-se ainda que a afirmação de um projecto de esquerda e de poder para um novo rumo democrático, tal como a concebemos, não é um processo que esteja limitado temporalmente e muito menos balizado pelas próximas eleições legislativas.

Desenganem-se, pois, os que se têm precipitado a visualizar ou a não visualizar entendimentos com vista às próximas legislativas, ou a especular sobre propostas inexistentes, quando não é disso, evidentemente, que se trata.

Do que se trata, sim, é do início de um alargado e genuíno processo de diálogo e de debate, à esquerda, respeitador da pluralidade das expressões e das diferenças, susceptível de no seu desenvolvimento estabelecer pontes e de construir convergências políticas que contribuam para afirmar e viabilizar um projecto de poder. Um processo aberto à sociedade, e às forças, posicionamentos, ideias e aspirações, que nela se manifestam criticamente em relação às orientações neo-liberais. Que reuna individualidades, sectores e sensibilidades políticas. Que seja mobilizador e envolvente de movimentos e forças sociais e culturais diversas. Que releve a intervenção da juventude e das mulheres. E onde todos os cidadãos encontrem, directamente, o seu próprio espaço de participação. Quero deixar-vos aqui a garantia da forte disponibilidade da abertura e do empenho do PCP para contribuir para este processo, de acordo aliás com a resolução aprovada pelo Comité Central na sua última reunião.

Uma contribuição do PCP que não significa qualquer exclusivo de iniciativa e que afasta, expressamente, propósitos de hegemonia - que seriam em tudo opostos aos objectivos de um processo de debate livre, susceptível de realizar progressos no domínio das ideias e das políticas e de contribuir para uma real agregação de energias, capacidades e forças.

Uma contribuição do PCP que não deve ser confundida - e que pelo contrário deve ser claramente diferenciada - de outras iniciativas e da fase de intervenção do próprio Partido em relação às próximas legislativas. Donde emana a garantia, que damos a todos os que se disponham a debater com os comunistas a afirmação de um projecto de esquerda e de poder e os problemas com que Portugal está confrontado à entrada do novo milénio, de uma completa ausência de propósitos instrumentalizadores, do total respeito pela liberdade de posicionamento político de cada um, da inexistência de quaisquer compromissos que se situem para além do natural respeito mútuo, da tolerância, da disponibilidade para dar opiniões e para escutar e reflectir sobre as opiniões dos outros. Sublinhe-se ainda que o PORTUGAL 2000 - os debates para uma política de esquerda que a partir de agora vamos promover, não esgotam o movimento de debate político com a sociedade que entendemos empreender, embora constituam no médio prazo a sua mais visível realização.

Neste formato é nosso propósito impulsionar um significativo, diversificado e descentralizado conjunto de iniciativas de debate e de reflexão sobre os problemas nacionais, à aproximação do novo século, sobre as condições de afirmação de um projecto de esquerda, e sobre o conteúdo das suas políticas. Que assente em orientações alternativas às do neo-liberalismo, de modo a enfrentar com sucesso os factores de crise social, a promover um desenvolvimento económico baseado na justiça social, a conquistar novos direitos e a defender os que foram duramente conquistados e a aprofundar a democracia em todas as suas dimensões.

Entre os temas gerais que pretendemos debater e que por sua vez poderão ser desdobrados em sub-temas e dar lugar a iniciativas diversas permiti que enuncie desde já os seguintes: Esta iniciativa política do PCP, que terá as suas primeiras concretizações com alguns debates e sessões a promover já no próximo mês de Maio e que se prolongarão pelo menos até final do ano, comporta, como se compreende, um vivo apelo à participação de cidadãos que pela sua experiência, qualificações ou especializações em diversos domínios podem dar um assinalável contributo para o aprofundamento e o rigor da reflexão sobre os problemas nacionais que queremos compartilhar.

Entretanto, valorizando este tipo de contribuições e participações, o Portugal 2000 reclama-se ao mesmo tempo de um forte apelo à participação de todos os cidadãos que, em qualquer parte do país, queiram trazer o testemunho da sua experiência e da sua opinião ou das suas aspirações, enriquecendo estes debates com o conhecimento concreto da vida que é realmente vivida pelos portugueses, trazendo para o primeiro plano da nossa vida política, por vezes tão virtual e tão segregacionista, as preocupações mais comuns dos portugueses.

Partimos também para o Portugal 2000 com a ideia de que esta iniciativa pode e deve ser, não apenas um espaço frutuoso de debate à esquerda e não apenas um factor dinamizador de um forte movimento de opinião pública para uma nova política, mas também um espaço político que desejaríamos gerador de iniciativas concretas dos cidadãos em torno de causas e problemas que os preocupam ou a que desejam dar voz.

A sociedade portuguesa enfrenta o novo milénio em condições assaz contraditórias.

As profundas transformações que tiveram lugar no último quarto de século, depois do 25 de Abril, mudaram em muitos aspectos e para melhor a realidade nacional. Mas o atraso socioeconómico do país continua a constituir uma pesada herança. As desigualdades e as assimetrias e a própria desvalorização do trabalho, não cessam de se acentuar. A degradação da democracia constitui um processo muito preocupante. E as opções nacionais desenvolvem-se num quadro de grandes desafios globais - económicos, políticos, sociais, culturais, ambientais - para as quais a sociedade portuguesa não está nem política nem socialmente preparada.

A integração europeia - com a adesão de Portugal ao Euro, com a Agenda 2000, com o "Pacto de Estabilidade" com o Banco Central Europeu - está a entrar claramente numa nova fase. Em que tenderão a acentuar-se os constrangimentos a um desenvolvimento económico e social, harmonioso e integrado, do nosso país e da nossa sociedade. O que exige uma acrescida resposta e iniciativa políticas, à esquerda, das forças do trabalho e do progresso, tanto no espaço nacional como no comunitário. Designadamente e na sequência do Tratado de Amsterdão e do alargamento da União Europeia, em relação aos novos e acrescidos problemas que se vão levantar em relação ao figurino institucional, seus poderes, limites e proximidade dos cidadãos.

O novo ciclo do desenvolvimento do capitalismo em que o mundo entrou - e que não só não altera a essência exploradora do sistema como a está a alargar e a tornar de facto mais intensa - surge claramente a tentar reconfigurar toda a realidade económica e social de acordo com os seus interesses.

Em vez da optimização do aproveitamento dos recursos materiais e humanos e das possibilidades abertas pela revolução científica e técnica, a globalização está a provocar profundas desregulações e desperdícios e a destruir sistematicamente os meios naturais.

A subordinação do económico e do social à lógica absoluta do mercado, substitui a satisfação das necessidades humanas pela satisfação apenas das necessidades que correspondem a uma procura solvente, com todo o seu cortejo de iniquidades sociais e de crescentes desigualdades.

Os dogmas neo-liberais que impõem a liberalização e a desregulamentação dos mercados nacionais, a privatização de tudo que possa ser utilizado como fonte de lucro, a predação acelerada dos recursos, o desrespeito pelo homem e pelo seu futuro, procuram afirmar-se por todo o mundo como a única solução e a o único caminho, o "pensamento único".

Mas não o são.

Por toda a parte cresce a compreensão desta realidade e ergue-se a resistência e a luta contra esta economia de submissão ao mercado global, desregulamentada, privatizada, tecnocrática, e portadora de uma competitividade mortífera, que está a engendrar contradições e choques profundos no interior do próprio sistema, e que prossegue à escala mundial a maximização do lucro a qualquer preço. Resistência e luta dos trabalhadores, em primeiro lugar. Mas que se estende a sectores cada vez mais vastos das sociedades e das nações, atingidos ou em risco por causa de transformações devastadoras na esfera económica e social. E que encontra expressão política e ideológica no questionamento e na crítica cada vez mais expressivos das políticas neo-liberais e na abertura do caminho para a sua superação.

O Partido Comunista Português situa-se - pela sua natureza, identidade, objectivos, combates - claramente no coração desta causa.

Com o seu protagonismo e a sua voz próprias, assumidos com clareza e transparência.

Com a sua participação nas múltiplas batalhas da dinâmica social, com destaque particular para as dos trabalhadores e para as da juventude.

Com a sua profunda abertura à sociedade, no duplo sentido de receber os sinais de uma realidade contraditória e crescentemente complexa e de procurar reflectir e agir sobre essa realidade no sentido do progresso social e humano.

Como parte de um vasto campo de esquerda, que não é confundível com o todo. Mas que se assume como elemento activo da sua afirmação, no respeito pelo pluralismo, no propósito consciente da elaboração e da construção de convergências dotadas de eficácia política e social.

Está agora também nas vossas mãos, dos que não se resignam nem se acomodam à pressão ideológica dos dogmas do neo-liberalismo, dos que não aceitam a liquidação de direitos cívicos e políticos duramente conquistados pela classe operária, pelos trabalhadores e pelas forças progressistas, dos que entendem que a reflexão conjunta e o debate, a criação de movimentos cívicos e acções convergentes ou comuns é urgente, repito, está nas vossas e nas nossas mãos - dos que aqui vieram e dos muitos que iremos encontrar neste caminho, noutros momentos e iniciativas - o destino desse propósito.

Gostaria de mais uma vez vos saudar, de agradecer a vossa presença e de deixar a todos, a todos nós, os votos de bom trabalho.