Inquérito Parlamentar sobre a apreciação dos actos dos Governos do PS e PSD envolvendo o Estado e os Grupos Económicos
Intervenção do deputado Octávio Teixeira
28 de Maio de 1998

 

Senhor Presidente
Senhores Deputados

O projecto de inquérito parlamentar apresentado pelo Grupo Parlamentar do PCP insere-se na posição coerente, que desde sempre assumimos, de defesa da subordinação do poder económico ao poder político, da exigência de total transparência nas relações entre o Estado e o poder económico e de repúdio de qualquer promiscuidade entre a governação do País e os interesses particulares de quaisquer grupos económicos.

Assumimos essa postura durante os Governos do PSD, nomeadamente do que respeita à condução do processo de privatizações, fazemo-lo com o actual Governo do PS como o faremos com qualquer outro Governo no futuro.

Porque o que nos motiva são os princípios. E não os nomes dos grupos económicos ou a coloração política dos Governos. Não usamos tácticas "camaleónicas", de mudança de posição face às conjunturas governativas. A seriedade e transparência de processos é exigível a todos, principalmente quando estão em causa negócios.

Somos claramente contrários aos favorecimentos ilegítimos a grupos económicos. Aos apoios encobertos ou dissimulados. A quaisquer actos, ou omissões, discricionários que visem beneficiar A, B, ou C.

Um ditado popular diz que "ou comem todos, ou não come nenhum". Para nós, e no âmbito da eventual imoralidade nos negócios entre o Estado e os Grupos Económicos, não há alternativa. Pura e simplesmente, nenhum deve comer!

Surgiram recentemente casos de decisões e colaborações envolvendo o Governo, empresas de capitais públicos e grupos económicos, que suscitam dúvidas do ponto de vista da sua transparência e moralidade.

Pela parte do PCP, não há a mínima hesitação: as dúvidas são legítimas, a Assembleia da República deve exercer o seu dever de fiscalização política. E apenas política.

Mas, repito: a moralidade e a transparência são exigíveis a todos os Governos.

Por isso o Grupo Parlamentar do PCP entende que o inquérito parlamentar deve ser alargado a casos semelhantes ocorridos durante os Governos do PSD.

Para repartir as culpas entre o PS e o PSD? Não! O que entendemos, mais uma vez em respeito dos princípios que defendemos, é que deveria ter sido feita a idêntica fiscalização na altura dos Governos do PSD. Tal como, por mais de uma vez, o PCP o propôs. Mas que sempre o PSD, dispondo da maioria absoluta nesta Câmara, o impediu. Impedimento pela força numérica, que o PS não se dispôs, então, a ultrapassar, juntando às nossas as suas assinaturas para imporem um inquérito parlamentar potestativo.

Ora, agora, e só agora, parecem estar criadas as condições para que esses pedidos de inquérito parlamentar possam ser viabilizados. E as razões que antes fundamentaram a sua apresentação, porque assentes em princípios, não caducaram. Por isso a iniciativa do PCP.

Quanto ao âmbito dos factos ocorridos durante os Governos do PSD e que, do nosso ponto de vista, suscitam fundadas dúvidas quanto à concessão de benesses a Grupos Económicos e, por isso, justificariam a fiscalização política por parte da Assembleia, fomos obrigados a fazer uma selecção. Porque fiscalizar todos os casos ... seria prolongar excessivamente o tempo necessário para a Comissão de Inquérito levar até ao fim o seu mandato.

Optámos por usar critérios objectivos para essa selecção. Por um lado, tivemos em consideração que o Presidente do Grupo SONAE, em "comunicado pessoal", garantiu que, quanto a prestar declarações na Comissão de Inquérito, "será com todo o gosto que o farei em geral e com particular deleite se quisermos comparar os vários negócios ou "negociatas" de tal período, e também o comportamento dos vários actores nas privatizações do TOTTA, JN/DN, ESPÍRITO SANTO, OPA BCP/BPA ...". Muito bem. São casos paradigmáticos, e têm a vantagem de, à partida, haver quem, conhecedor directo dos meandros dos mesmos, se proponha cooperar empenhadamente com a Comissão de Inquérito.

E acrescentámos os casos da Tranquilidade e da Mundial-Confiança porque, na altura da sua privatização, os próprios beneficiados fizeram declarações sobre a sub-avaliação efectiva dos respectivos preços de venda. Se foram os próprios interessados a declará-lo, também aqui poderão estar facilitados os trabalhos da Comissão de Inquérito.

Senhor Presidente
Senhores Deputados

Resta uma questão de natureza processual e de eficiência, que pode ser suscitada.

Porque o PSD não concordou em que os dois pedidos de inquérito parlamentar fossem fundidos num só, haveria vantagem em que não houvesse, a funcionarem em simultâneo, duas Comissões de Inquérito com sobreposição parcial de mandato.

Pela parte do PCP, estamos disponíveis para encontrar, agora, uma solução que o evite. E colocamos desde já uma hipótese viável: que a Comissão criada para o inquérito apresentado pelo PSD seja, ela mesma, mandatada para realizar, igual e simultaneamente, o Inquérito Parlamentar requerido pelo PCP.

Naturalmente, não nos passa pela cabeça a hipótese de o PSD e o PS poderem, pelos seus votos, rejeitar este Inquérito Parlamentar. A eles, como a nós, certamente que a única razão que os move nesta matéria é fiscalizar tudo o que houver para ser clarificado.