Razões de Esquerda para Portugal
Presidenciais 2001

DECLARAÇÃO DE CANDIDATURA

ANTÓNIO ABREU

A minha candidatura:
razões de esquerda para Portugal

Apresento hoje a minha candidatura à Presidência da República.

É uma candidatura com rosto, com vontade e uma experiência, de acordo com a marca de individualidade própria à natureza da eleição.

É uma candidatura que assume, clara e simultaneamente, a intenção de dar expressão à presença no processo eleitoral da importante e insubstituível força política de que sou militante - o Partido Comunista Português. Uma candidatura que, por isso, natural e assumidamente, marcará de forma coerente a afirmação das razões de esquerda para Portugal.

Faço-o na plena convicção de que a minha candidatura preenche um espaço de debate e reflexão sobre os problemas presentes na sociedade portuguesa e que com ela assegurarei um olhar distintivo quanto ao percurso que garanta para Portugal e para os portugueses um futuro mais justo e solidário.

Procurarei que a minha candidatura transporte aquela corrente de esperança, de vontades e determinação que diariamente encontra expressão na luta contra a política de direita e por uma alternativa de esquerda. E que nela tenham uma participação activa todos os que, desde o primeiro dia me têm manifestado o seu apoio e simpatia.

Esta é uma candidatura que afirma concepções e valores diferenciados de todas as outras candidaturas em presença sobre importantes questões do debate político.

A minha candidatura reconhece ainda como razões acrescidas para a sua apresentação e presença no processo eleitoral das presidenciais o facto de, em pontos fundamentais, ter das decisões e das avaliações assumidas pelo actual Presidente da República uma apreciação claramente crítica.

De facto, o não distanciamento do actual Presidente da República em relação a muitas opções inseridas na política de direita e de subordinação nacional por parte do Governo em questões importantes de política interna e externa marcou este mandato e comprometeu expectativas criadas com a sua eleição.

A minha candidatura sustenta que os valores e os objectivos de esquerda devem ser coerentemente prosseguidos. A coerência na sua realização é compatível com o ser-se Presidente de todos os Portugueses e não pode ser condicionada pela vontade de reeleição. Os valores e projectos de esquerda são valores e projectos de futuro.

É na séria convicção de que o País precisa de um outro desempenho por parte do Presidente da República e que a direita, também aqui, nada traria de positivo, que esta candidatura responde afirmativamente a todos quantos a vêem como indispensável no debate político.

A minha candidatura procurará, com determinação, no voto dos portugueses o apoio aos objectivos que corporiza.


Uma candidatura
de valores e de projecto

No início dum novo século, os países e os povos têm necessidades e aspirações muito diferentes daquilo que as organizações das economias e as relações internacionais dominantes permitem.

Estudos de diferentes organismos internacionais indicam claramente que persiste a tendência dos ricos serem cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres, e das manchas de exclusão alastrarem.

No início dum novo século, as consciências não suportam a revoltante contradição que se nos revela nos olhares de milhões de crianças com fome.

Não me peçam moderação, conformismo ou indiferença quando parte significativa da Humanidade morre de fome ou vive abaixo dos limiares da pobreza. Quando há jovens toxicodependentes a morrer nas ruas e as economias dos Estados não dispensam a circulação do dinheiro que, por mais vezes que seja branqueado, continua muito sujo. Quando há milhares de casas devolutas e pessoas sem tecto. Quando os jovens estudam sem segurança no futuro. Quando os Estados promovem recuos civilizacionais ao porem em causa direitos fundamentais adquiridos arduamente ao longo de um século de lutas e conquistas.

Sou de uma geração que conquistou a liberdade e se entusiasmou com a independência dos povos, que deu corpo à revolta, que não perdeu a capacidade de indignação.

Sou dos que se empenha e dão a cara e que procura, formando equipa com muitos outros, construir soluções para os problemas reais.

Sou de uma geração que compreende a importância de dizer não. E que sabe, por aquilo que aprendeu nas escolas e na vida, que as mulheres e os homens deste País podem, na base duma outra política, permitir outra aplicação de novos conhecimentos, do desenvolvimento produtivo, da informação e das novas tecnologias, enfim, terem uma vida melhor.

Os avanços do conhecimento humano não se podem limitar a ser objecto de uso limitado, egoísta, no adorno do cinzentismo, da superficialidade ou da resignação.

Este novo século exige que o Homem possa dar novos passos. E que as instituições o sirvam, com avanços de civilização, aprofundando a democracia política, económica, social e cultural.

Apesar de não ter responsabilidades directas na governação, o Presidente da República pode e deve ter como referencial inspirador um projecto de esquerda. Projecto que decorra do que o 25 de Abril trouxe às realidades, consciências e vontades individuais e colectivas dos portugueses e da renovação e enriquecimento desse nosso marcante património.

Ao longo dos últimos anos, várias têm sidos as discussões sobre maiores ou menores poderes presidenciais e sobre o lugar do Presidente da República no sistema de Governo. Quer em revisões constitucionais, quer em eleições presidenciais, a conjuntura determinou os temas desses debates.

Entendo que o debate eleitoral se deve centrar na realização de valores e de um projecto de esquerda, a serem constantes referências do Presidente da República.

Na minha candidatura encontram expressão todos os que não se conformam com o empobrecedor nivelamento para o qual o debate político tende a ser arrastado. Todos quantos ambicionam sacudir este marasmo de escolhas e opções que à superfície emergem aparentemente sem alternativa. Todos quantos não se rendem perante as falsas fatalidades e a anestesiante resignação cívica que se pretende estender à sociedade como modo de conduta e de vida.

A minha candidatura assume-se claramente como um espaço destinado a apelar à participação cívica e a estimular a intervenção de todos quantos lutam pela defesa de direitos.

Esta é uma candidatura que, recusando refugio na superficialidade e nas circunstâncias, se declara pronta e determinada em transportar para o debate político e eleitoral a afirmação da diferença e a promoção de valores.

Uma candidatura que afirma o valor do direito ao trabalho e do trabalho com direitos como um eixo democrático essencial e um factor indispensável à valorização humana e ao progresso de Portugal.

Uma candidatura que afirma os direitos sociais como um pilar essencial de uma política nacional num Estado que se pretende reclamar moderno e avançado.

Uma candidatura que, afirmando a justiça social e o combate às exclusões como valores inalienáveis, ergue a sua voz com as chocantes desigualdades e a injusta repartição de rendimentos.

Uma candidatura que pretende devolver à democracia e ao seu exercício valores essenciais de participação, de seriedade, respeito pela verdade e conduta ética.

Uma candidatura que se pronuncia sem hesitação pelo primado do interesse público e nacional sobre a egoísta visão de grupos e de interesses económicos que, numa nebulosa teia de relações com o poder, erguem impérios de riqueza que ofendem a consciência social de todos nós.

Uma candidatura que em nome da igualdade e da sua promoção efectiva assume a luta pela dignificação do lugar da mulher na sociedade portuguesa como uma grande causa nacional.

Uma candidatura que, transportando uma concepção de sociedade nova e com futuro para Portugal, reconhece na juventude, na sua criatividade e energia, condições indispensáveis para construir um país com uma dimensão de justiça e generosidade e com um reconhecimento de direitos e oportunidades que hoje lhes continuam a ser negados.


O Presidente da República
e a coerência com um projecto de esquerda

Um novo desempenho do Presidente da República terá que estar conforme com o regime democrático português consagrado na Constituição da República que implica a interdependência e controlos recíprocos dos diversos órgãos de soberania. Ao Governo cabe a condução política do País. Mas ao Presidente da República, são atribuídos importantes poderes e a participação na afirmação de vontade política do Estado e dos Portugueses.

Relativamente ao acompanhamento da actividade do Governo, a minha candidatura entende que o Presidente da República deve:

· Estar atento ao progresso da democracia política, intervindo para que ela não seja afectada por alterações da legislação eleitoral, para que as decisões da administração estimulem e tenham em conta a vontade popular e para que os serviços públicos sejam mais efectivos para os seus utentes na garantia do exercício dos direitos e do empenho daqueles que os fazem funcionar.

· Verificar se se realiza o crescimento económico e desenvolvimento, sustentado e virado para a satisfação das necessidades básicas de todos, particularmente dos que vivem apenas dos seus salários, pensões e reformas.

· Decididamente olhar de frente para a questão da nossa capacidade produtiva, para que se construam as bases de um País que viva o presente mas trabalhe para ter um futuro melhor.

· Apoiar iniciativas que atenuem as assimetrias regionais e combatam a desertificação de vastas zonas, como a desconcentração de serviços públicos, a participação dos municípios em institutos regionais que substituam as actuais CCR's ou a implementação participada pelos municípios, de redes regionais de infraestruturas.

· Ser um firme defensor do ambiente e qualidade de vida da responsabilização efectiva, por isso, do Estado e da conformidade das políticas de desenvolvimento com a defesa e promoção do ambiente e dos recursos naturais e a preocupação com o ordenamento e ocupação do território.

· Empenhar-se na reforma do sistema fiscal para que seja mais justo o peso e a repartição da carga fiscal e para que a evasão e os benefícios fiscais não continuem a prejudicar quem trabalha em benefício de grandes aplicações financeiras e especulativas.

· Não se limitar a reconhecer a crise da Justiça para se situar na promoção da efectiva igualdade da sua aplicação, no estímulo à sua celeridade e no combate às impunidades.

· Ter a preocupação de que a Segurança Social se consolide como direito fundamental, com a garantia dos direitos adquiridos, com elevação das suas prestações sociais e maior contribuição das empresas, e com o reforço do seu financiamento.

· Assegurar que ninguém seja descriminado no acesso aos cuidados de saúde de qualidade e que ao Serviço Nacional de Saúde seja assegurada uma condução humanista e democrática. E que, em particular aos idosos, sejam reduzidas as despesas de saúde.

· Na Educação estar atento à concretização da sua importância estratégica numa permanente valorização do ensino público de qualidade, com a progressão dos financiamentos, o esforço da formação e a procura de soluções para alguns dos seus problemas mais angustiantes.

· Acompanhar o desenvolvimento de uma política nacional de ciência e tecnologia, em conformidade com as necessidades de desenvolvimento e uma atitude cultural, não elitista, que estimule uma diversificada produção cultural, de natureza erudita e popular e a sua fruição em suportes que possam compensar a redução da qualidade e de géneros que as audiências mediáticas têm vindo a impôr.

· Questionar a recente evolução negativa no tratamento dos direitos dos imigrantes que, em vez do desejável alargamento do direito de residência, optou por uma autorização limitada no tempo, incompatível com legítimas expectativas, por exemplo na contratação colectiva ou no acesso ao crédito bancário.

· Insistir em apoiar uma outra atitude cultural e legislativa em relação à toxicodependência, também com a elevação dos níveis de tratamento e de reinserção social, uma outra prevenção a partir das escolas e outras medidas contra o narcotráfico e o branqueamento de capitais.

· Ser sensível aos sintomas de insegurança que hoje atravessam a sociedade portuguesa, apontado as suas causas mais profundas que são as desigualdades e a exclusão sociais e intervindo para prevenir tendências securitárias ou alarmistas e para que sejam tomadas medidas de reforço da acção policial nomeadamente a partir de esquadras de proximidade e dignificada, no respeito dos direitos dos cidadãos e da separação de poderes, a função policial nomeadamente com novos meios e com a consagração de direitos sindicais.

· Apreciar os riscos do actual processo de integração europeia e mobilizar a opinião pública para uma nova atitude que se baseie na igualdade dos direitos dos Estados, na prevalência dos seus interesses face às multinacionais, na justiça social e na convergência real das economias.

· Assumir as suas particulares responsabilidades nos campos da política externa e de Defesa Nacional, suscitando um grande debate nacional de que resulte a definição das grandes opções do conceito estratégico da Defesa Nacional. Assim como deve privilegiar as missões nacionais das Forças Armadas e zelar para que a participação em missões internacionais se faça no respeito do direito internacional, e fazendo respeitar o acesso ao associativismo profissional.

Em matéria de política externa deve procurar que se tomem mais iniciativas, com criatividade e na base de uma maior diversificação das relações externas. A independência de Timor Leste deve ser o objecto de atenção crescente e de persistente solidariedade.

A independência e soberania nacionais são valores inalienáveis e compatíveis com uma mais activa cooperação internacional, que com a influência presidencial deverá levar ao desarmamento e à dissolução dos blocos militares e permitir construir um mundo mais justo, mais pacífico, mais fraterno e mais humano.

· Corresponder às aspirações dos emigrantes, que pela primeira vez vão votar em eleições presidenciais, com o estímulo a uma efectiva qualificação e expansão do ensino da língua e da cultura portuguesas, da melhoria da rede consular e de apoio ao associativismo.


Para vencer a resignação
e as fa
lsas fatalidades

Tenho por certo que, à entrada de um novo século e de um novo milénio, Portugal precisa de romper definitivamente com sucessivos ciclos de ilusão, de auto-contentamento e de sofisticadas maquilhagens da realidade que, à primeira crise ou mudança na conjuntura económica internacional, logo desabam e se desfazem, deixando à vista a subsistência de gravíssimos problemas estruturais da sociedade portuguesa.

E esses problemas vão da crise da ruína da agricultura nacional às questões do aparelho produtivo, dos alarmantes défices externos, com destaque para a balança comercial, à desertificação do interior e abandono do mundo rural, das desgastantes condições de vida nas grandes metrópoles urbanas à qualificação profissional.

Sustento com firmeza que, quaisquer que sejam as inegáveis condicionantes ou dificuldades, Portugal precisa que não se confunda a sua plena participação no processo de integração europeia com a sua sujeição reverente à ditadura de factos consumados que pedem sempre mais factos consumados, numa lógica infernal comandada pelos grandes interesses financeiros e pelo federalismo. Lógica essa que, distanciando-se cada vez mais dos povos e das suas aspirações, provoca a amputação e erosão das democracias e soberanias nacionais, fomenta e agita um caldo de cultura que um dia pode irromper na Europa com traços muito perigosos e inquietantes consequências.

Defendo com sólida convicção que a afirmação do papel de Portugal na vida internacional não se pode construir mendigando um lugar na fila dos poderosos que mandam no mundo. E que, honrando o património dos grandes valores de Abril, em nome dos seus interesses mas também em nome da sua justa vinculação a interesses globais da humanidade, Portugal precisa, sim, de ocupar corajosamente o seu lugar na corrente dos que se batem por uma ordem internacional mais justa, que querem resistir aos "diktats" dos mercados - essa entidade sem rosto e sem cartão de eleitor - que, por cima dos povos e Estados se vai apropriando de todas as decisões e escolhas. Portugal tem que se associar à corrente dos que exigem respostas eficazes e solidárias para os terríveis flagelos da fome, da miséria e da doença que mergulham grande parte da humanidade em indizíveis carências e sofrimentos.

Afirmo sem hesitação que a resposta aos problemas nacionais dispensa, certamente, visões esquemáticas que não estejam abertas para reconhecer mudanças e evoluções positivas e factores de esperança e dinamismo que se afirmem e desenhem.

Mas afirmo sobretudo que essa resposta não pode dispensar a funda compreensão de que é a exigência crítica, a insatisfação e a capacidade de sonho, de indignação e revolta e de luta contra tudo o que é injusto e intolerável e que melhor podem abrir novos horizontes e perspectivas de transformação e progresso e mais seguramente ajudar a vencer os desafios que nos interpelam enquanto povo e enquanto país.


Um percurso político,
uma experiência pessoal

O meu percurso político é, também, o de um grande partido político que tem, teve e terá um grande papel no nosso país. Pelo seu próprio projecto, pela capacidade de diálogo e cooperação, pela coerência entre o combate pela liberdade e o empenhamento profundo na democracia.

Na minha experiência pessoal tiveram particular importância o conhecimento de diferentes realidades sociais e regionais, o convívio e a procura de soluções com as populações dos bairros, com as escolas e com a juventude. Participo e participarei na luta e no trabalho pela realização dos direitos dos portugueses, tenho uma atitude de cooperação franca e leal com pessoas de outras correntes políticas e outras formas de estar, uma atitude de tolerância e firmeza, de saber ouvir e decidir.

É com base neste projecto, na coerência política daqueles com que me identifico e na minha experiência, que vos convido a apoiar esta candidatura e alargar os seus apoios, a suscitar iniciativas e a viabilizar uma campanha eleitoral com efeitos significativos no sufrágio popular.

A afirmar, enfim, fortes, sólidas e esperançosas razões de esquerda para Portugal.