Comicio-convivio em Alte – Loulé
Intervenção de Jerónimo de
Sousa, Secretário-geral do PCP
16 de Julho de 2006
Desenvolver o interior, combater a desertificação da serra algarvia
é o tema e preocupação central que enquadra esta iniciativa
do nosso Partido no Algarve e no esforço e atenção que
todo o nosso colectivo partidário tem vindo a dar aos problemas do desenvolvimento
do interior do país.
Esta é mais uma iniciativa que traduz o inconformismo do Partido Comunista Português perante as crescentes desigualdades sociais e regionais que se observam no nosso país e que, de forma muito evidente, se expressam aqui no Algarve, ao mesmo tempo, que reafirma a sua determinação de continuar a luta pela promoção do desenvolvimento harmonioso de todo o território nacional.
Desenvolvimento que deveria ser uma incumbência prioritária das políticas económicas e sociais de qualquer governo vinculado ao dever constitucional de promoção da coesão de todo o território nacional e do objectivo, também constitucional, da eliminação das diferenças económicas e sociais, entre a cidade e o campo e entre o litoral e o interior.
E dizemos devia ser uma prioridade, porque na realidade não é isso que acontece e não é isso que o actual governo do PS, tal como o PSD no passado, se prepara para fazer no futuro.
O governo do PS acaba de pôr à discussão pública a sua proposta de Plano Nacional de Políticas de Ordenamento do Território. Plano que vinha já também do governo anterior e cuja discussão terminará no final deste mês. Lê-se e não se acredita. O novo Plano não só aceita como uma fatalidade a manutenção da ocupação e desenvolvimento desigual do território, assumindo como inevitáveis a perda de população na maioria das sub-regiões do interior, o aumento das disparidades territoriais e o agravamento da coesão nacional, como se adivinha nessa proposta o favorecimento das políticas que acentuam aquilo a que chamam a “inclinação do país para o oceano”, ou seja a crescente litoralização do país.
Aquele que devia ser o Plano dos grandes compromissos do Estado visando o desenvolvimento de todo país, vai traduzir-se num instrumento que assume o abandono de mais de metade do território nacional.
Quem prometia, ainda não há ano e meio, uma redobrada atenção aos problemas do desenvolvimento do interior, como o fazia José Sócrates, tem neste Plano a completa falácia dos propósitos do seu governo e das suas políticas.
Da nossa parte queremos reafirmar-vos, mais uma vez, que não nos resignamos perante os inquietantes processos de desertificação humana, de abandono e declínio social, de estagnação e declínio das actividades económicas que a desastrosa política de direita favoreceu.
Realidade que se traduz, numa grande parte desta região algarvia, no
crescente empobrecimento das suas populações e no acentuar das
dificuldades das actividades produtiva regionais com relevo para a agricultura,
a floresta e os produtos silvícolas que são um dos principais
suportes do modo de vida das populações do interior e das zonas
serranas.
Realidade para a qual concorreu um conjunto de factores, tais como a sistemática
omissão e ausência de políticas duradouras de desenvolvimento
regional, mas também as políticas agrícolas nacionais e
comunitárias, uma gestão dos fundos comunitários que apenas
têm reproduzido as desigualdades existentes, as políticas orçamentais
restritivas, os baixos níveis de investimento público e ultimamente
os incêndios florestais.
Factores que, juntamente com o adiamento da implementação da Regionalização, têm inviabilizado também a elaboração e concretização de forma integrada e participada pelas populações de políticas concretas na base de Planos de Desenvolvimento Regional capazes de expressar o querer, o sentir das populações e não apenas a vontade do governo da ocasião, dos grandes interesses económicos nacionais e regionais e da clientela política dos partidos do poder que mudam de opinião em função da situação do seu do partido, se está ou não de turno no governo como tantas vezes vamos vendo.
Naturalmente que não basta a concretização da Regionalização para garantir justas políticas ao serviço das populações, é preciso que esse Poder Regional esteja em sintonia com os verdadeiros interesses do povo, que os órgãos eleitos prestem contas e a participação das populações seja efectivamente garantida na definição das políticas regionais.
É para garantir a participação das populações que continuamos a colocar como uma urgência a concretização da Regionalização.
Nesta matéria conhecem-se as opções do governo, mas também do PSD. Manter adiada a regionalização e apostar no reforço do papel das CCDR’s, garantindo assim os instrumentos de comando das políticas regionais a partir do governo e ao sabor dos interesses regionais que se movem na sombra sem controlo e sem prestar contas das suas opções.
É assim que se prepara a elaboração do novo Quadro financeiro comunitário para o período de 2007 a 2013, sem a participação efectiva das autarquias e dos agentes regionais, contribuindo assim para reproduzir as desigualdades existentes como tem sido prática nestes últimos anos.
Com a agravante, desta vez, do Algarve sofrer um corte brutal dos fundos comunitários nos próximos anos, com a diminuição de cerca de 20% já em 2007 e que chegará aos 75% de cortes em comparação com os fundos destes últimos seis anos. O Algarve paga o “efeito estatístico” resultante do alargamento da União Europeia.
Este é um problema sério que o PCP desde o início do processo negocial tem colocado e tem defendido, através dos seus deputados no Parlamento Europeu, a necessidade da compensação integral destas regiões como o Algarve, que são prejudicadas por um falso enriquecimento.
Face à situação criada ao Algarve, vemos dirigentes regionais dos partidos que habitualmente fazem parte do governo em grandes lamentos pelo facto de haver nos próximos anos muito menos dinheiro para o desenvolvimento do Algarve, mas nada dizem em relação ao facto de o corte dos fundos comunitários ter tido o voto favorável do PS, do PSD e do CDS-PP, no Parlamento Europeu.
É o truque do costume. O truque de quem se quer apresentar ao mesmo tempo como governo e como oposição.
Mas a concretização da Regionalização tornou-se também premente com a decisão de pôr em prática o PRACE – o novo Programa de Reestruturação da Administração Central do Estado que o governo do PS quer implementar no imediato e que mais não é que um novo processo de centralização de serviços do Estado e de extinção de outros e que se vai traduzir num maior distanciamento desses serviços das populações. Um processo que se iniciou aqui no Algarve com a extinção do Instituto Marítimo-portuário e que não se sabe aonde e como acaba.
Temos visto o que se passa um pouco por todo o país com o encerramento de certos serviços indispensáveis às populações. Também aqui no Algarve temos visto pela mão deste governo do PS e o silêncio do PSD as tentativas e a concretização do encerramento das urgências dos serviços de saúde. Entretanto, o prometido novo Hospital Central do Algarve continua a marcar passo e o que se perspectiva para este hospital é uma solução de gestão privada na base de uma parceria público-privado.
Se hoje os portugueses já pagam hoje do seu bolso 40 % do total das despesas em saúde, o valor mais elevado da União Europeia, a situação da saúde dos portugueses vai piorar com a política de direita que tem vindo a ser incrementada pelo governo PS que aponta claramente no sentido da construção do “grande mercado da saúde” com o processo de privatização em curso e o aumento da promiscuidade entre o público e o privado.
Todos os pretextos servem para retirar direitos e para atacar conquistas do povo consagradas na Constituição da República.
As últimas propostas da Segurança Social vão nesse sentido. Não é para melhorar as reformas de miséria da grande maioria dos nossos reformados e idosos, o que o governo quer, com a sua proposta de “reforma” da segurança social, é o aumento da idade da reforma e a diminuição do valor das pensões para os trabalhadores de hoje e para as gerações futuras.
Mas, como muitas vezes temos afirmado, não basta concretizar políticas regionais adequadas à solução dos problemas de desenvolvimento de cada região, são necessárias políticas nacionais complementares que favoreçam o desenvolvimento do país no seu conjunto e tenham em conta as especificidades do desenvolvimento do país interior e dos graves problemas de desenvolvimento que hoje enfrentam.
Políticas e medidas dirigidas à revitalização das suas economias debilitadas que só podem ser asseguradas com mais investimento público e comunitário dirigido à criação de infra-estruturas de desenvolvimento, ao apoio aos seus sectores produtivos, à utilização racional dos seus recursos e no seu aproveitamento para o desenvolvimento de novos sectores de actividade.
As políticas que têm vindo a ser postas em prática pelos sucessivos governos e agora pelo governo do PS de José Sócrates vêm ao arrepio de tais objectivos e necessidades.
Desde logo, através das suas políticas orçamentais e de obsessão pelo défice, impossibilitando a adopção de políticas de investimento público de modo a favorecer o crescimento e o desenvolvimento que o país carece e que se têm traduzido em Orçamentos de Estado restritivos que agravam ainda mais, os problemas do interior e das regiões menos desenvolvidas do país.
No Orçamento do presente ano de 2006, que a maioria absoluta do PS aprovou, se vê como se continua a penalizar o Algarve com uma quebra do investimento público de mais 34,5% relativamente a 2005 no PIDDAC.
Por isso são adiadas as soluções de muitos dos seus problemas, como o grave problema da falta de água de abastecimento às populações, cujos preços têm aumentado brutalmente no Algarve, naturalmente a pensar na futura privatização dos sistemas multimunicipais.
Carências que poderiam ser minimizadas se andassem para frente com a construção das barragens de Odelouca e da Foupana, bem como o desenvolvimento de todo sistema de aproveitamento e regularização dos cursos de água do Algarve e que são fundamentais para garantir o abastecimento da produção agrícola e na superação das dificuldades que se têm sentido, por exemplo, no combate aos fogos.
Políticas orçamentais restritivas e de obsessão pelo défice que têm impossibilitado a adopção de adequadas políticas de investimento público e favorecendo o congelamento das políticas públicas de crescimento e desenvolvimento e são, por isso, também responsáveis pelo mais prolongado período de estagnação do país dos últimos anos e pelo crescimento do desemprego.
Os trabalhadores não são apenas confrontados com o desemprego, também com a crescente precariedade das relações laborais e com a degradação dos seus salários que no Algarve são em média 14 por cento mais baixos que a média do país.
Situação que terá tendência para se agravar se o Governo do PS levar para a frente a sua nova proposta de Lei das Finanças Locais que vem impor uma diminuição da capacidade municipal de investimento local depois de ter cortado o investimento público nacional.
Nova proposta de Lei das Finanças Locais que é outro inqualificável instrumento de agudização das desigualdades regionais e locais, apesar de se proclamar exactamente o contrário.
A proposta do governo do PS confirma as piores expectativas em relação às soluções que vinha anunciando, não apenas em relação ao ataque que a nova proposta de Lei consagra relativamente à autonomia municipal, mas em relação às gravíssimas consequências limitadoras que a Lei impõe no que se refere à capacidade de investimento dos municípios no desenvolvimento local.
Esta Lei das Finanças Locais é uma intolerável operação de demagogia por parte do governo e um evidente esbulho dos meios destinados ao poder local e ao desenvolvimento dos concelhos.
O que com a nova Lei se pretende é empurrar as autarquias para penalizar as populações sobrecarregando-as com novos e mais pesados tarifários e a acentuação da carga fiscal, libertando o Estado Central dos seus compromissos com a obrigação de promover a coesão do território nacional.
Esta é mais uma Lei para empobrecer o país e aprofundar as desigualdades e agudizar os problemas que o país enfrenta – a estagnação, a regressão económica e social e o desemprego.
Problemas que levaram o nosso Partido a tomar a iniciativa de propor um conjunto de medidas para dinamizar o investimento e a produção, mas também o crescimento do emprego através da iniciativa que lançámos “Portugal precisa, o PCP propõe”.
Propostas e medidas que são também um importante contributo também para o desenvolvimento das regiões interiores do país.
Medidas que vão desde uma decidida política de saneamento e melhoria da situação financeira das autarquias, à concretização de um pacote de medidas no plano financeiro, fiscal e de mercados para as micro, pequenas e médias empresas, à implementação de uma política de preços da energia para responder aos presentes estrangulamentos de um importante conjunto de sectores produtivos, nomeadamente à agricultura.
Mas também o lançamento de medidas fiscais para dinamizar a exportação, reequilibrar a competitividade fronteiriça com Espanha (redução da taxa do IVA), tal como a imediata anulação das cativações ao PIDDAC, em sede de lei do orçamento do Estado para 2006.
Estamos numa região onde muitas pessoas buscam no mar o seu trabalho e a sua vida. Este é um sector que não deve ser esquecido. São necessárias medidas urgentes de apoio e revitalização das pescas, que vivem um momento difícil desde logo, pelo aumento do custo dos combustíveis. Mas também os mariscadores da Ria Formosa vêem, a cada ano que passa, a mortandade das espécies acontecer cada vez mais cedo em resultado da ausência de medidas há muito reclamadas de despoluição e regeneração da Ria. .
Mas sem dúvida que no desenvolvimento do interior a política agrícola assume uma grande importância no combate ao processo de desertificação e aos fenómenos de regressão social e económica.
Durante quase ano e meio que leva de Governo a maioria PS consolidou uma política agrícola de inteira continuidade das políticas de anteriores governos do PSD/CDS-PP e do próprio PS, com poucas excepções.
Uma política agrícola que, pouco atenta aos problemas da pequena agricultura familiar, cujos rendimentos têm vindo a decrescer, acentua as dificuldades de sobrevivência do sector. Sector cujas produções, nomeadamente as de citrinos e os hortícolas continuam a enfrentar graves dificuldades de escoamento pela falta de apoios, incluindo à exportação. A mesma falta de apoios à criação de ovinos e caprinos que interessaria particularmente às zonas serranas, bem como à apicultura.
E quanto à silvicultura os apoios à reflorestação tardam, depois dos incêndios dos últimos anos, assim como tardam as indemnizações aos produtores florestais, como continuam a ser insuficientes as medidas para conter em limites razoáveis esse drama dos fogos florestais.
Intervenção que implica também começar a agir sobre as causas que estão na origem da sua extensão e violência e que são a consequência directa da aplicação da Política Agrícola Comum e das políticas agro-florestais nacionais.
Processos que conduziram ao desaparecimento da actividade agrícola e que levaram ao êxodo das populações das zonas rurais, mas também da crónica falta de investimento público dirigido à promoção de políticas e instrumentos visando um correcto ordenamento florestal.
Entretanto, com este governo do PS, o que vemos é uma inexplicável política de hostilidade para com os agricultores como é a situação criada com o caso do pagamento das agro-ambientais.
Em nome de uma pretendida correcção das injustiças nas ajudas agro-ambientais, com a distribuição de avultadas verbas a mil grandes proprietários do Ribatejo e Alentejo o Governo retirou as ajudas a mais de 25 000 agricultores familiares em todo o país.
É inaceitável o que se está a passar com o não pagamento das medidas relativas aos anos de 2005 e 2006. Não são admissíveis, nem razoáveis as justificações para a fuga ao pagamento por parte do governo e são falsos o conjunto dos argumentos utilizados.
Mas não ficam por aqui os problemas. São significativas as dívidas aos agricultores e às suas organizações.
Noutros programas comunitários AGRO e AGRIS, o governo não só continua a atrasar-se meses e meses a aprovar e a pagar projectos, como vem a meio do jogo, fazer novas exigências burocráticas, pondo em risco a viabilidade de muitos projectos, muitos de jovens agricultores.
E já agora porque é que tão preocupado com a burocracia e os papeis nalgumas áreas e sectores da Administração Pública, com o “famoso” Simplex, porque mantém uma complicadíssima teia burocrática no acesso dos agricultores às ajudas comunitárias?
Mas muitos outros problemas da agricultura continuam sem respostas suficientes.
São os problemas da segurança social dos pequenos agricultores dando resposta à sua crescente dificuldade em se manterem, por incapacidade financeira, no sistema público de segurança social. Mas também o problema da suspensão da electricidade verde o agravamento dos preços dos combustíveis com a não correcção do preço do petróleo agrícola, bem como aos elevados custos da solução dos problemas ambientais dos efluentes das vacarias e suiniculturas.
Num quadro de grave regressão económica e declínio do mundo rural é preciso não só assegurar a defesa dos sectores produtivos, nomeadamente a valorização, agricultura regional com a promoção de produtos com denominação de origem protegida e a revitalização das economias locais, mas apoiar e incentivar soluções de desenvolvimento complementar, nomeadamente com o lançamento de actividades da industria agro-alimentar e outras, assim como de oferta de bens e serviços, de artesanato e de turismo rural, de lazer e de conservação do ambiente que permitam a elevação da qualidade de vida das populações.
Ao contrário do prometido desenvolvimento do interior do país e do combate às assimetrias regionais o que temos visto por parte dos governos do PSD/CDS-PP e do PS são anos e anos de bonitas palavras em defesa do interior, mas abandono efectivo das suas aspirações de desenvolvimento e de acentuação de crescentes desigualdades.
A construção de um Portugal mais desenvolvido e mais justo, não depende desta ou daquela medida avulsa, mas tem que assentar numa mudança profunda, numa ruptura com a política de direita que tem sido seguida e na concretização de uma nova política voltada para as necessidades do país e do povo português.
É nossa profunda convicção que Portugal não está condenado ao atraso. É possível inverter o caminho que tem sido seguido. É esse o objectivo da nossa intervenção e da nossa luta.