80º aniversário do PCP

Intervenção de Carlos Carvalhas

8 de Março de 2001



Como tem acontecido e vai continuar a acontecer em tantos outros pontos do país, aqui nos reunimos, hoje em Lisboa, para evocarmos e celebrarmos, com repetida emoção e renovado orgulho, os 80 anos de vida e de luta do nosso Partido, o Partido Comunista Português.

E, nesta ocasião, a primeira constatação que importa fazer em favor da verdade e da justiça é que se o nosso Partido, nascido e fundado no vigésimo primeiro ano do século passado, chega assim ao primeiro ano de um novo século e de um novo milénio não é por força do acaso, da sorte ou do destino.

Se como Partido estamos hoje a comemorar, como nenhuma outra força ou corrente política portuguesa pode fazer, 80 anos de vida e de luta é porque a criação e todo o percurso do nosso Partido corresponderam a uma real necessidade da classe operária e dos trabalhadores portugueses, é porque, atravessando as tempestades, convulsões e batalhas do século XX, o PCP soube manter, afirmar e desenvolver as suas raízes profundas no povo português, soube interpretar, dar voz e servir as grandes aspirações dos portugueses a uma sociedade de liberdade, justiça e progresso social, soube sempre exprimir o horizonte e o anseio de uma nova sociedade, libertadora da exploração do homem pelo homem, o socialismo.

E, ainda mais justo e mais verdadeiro que tudo o mais, se chegamos à celebração dos 80 anos do PCP, não como a celebração de uma mera sobrevivência mas como uma celebração de 80 anos de vida vivida com verticalidade e de cabeça erguida e marcada por um imenso, incomparável e inapagável património de heroísmo, dedicação, generosidade, luta, empenho transformador e determinação revolucionária que influenciaram decisivamente a história nacional nas últimas oito décadas, é porque, de 1921 aos nossos dias, sucessivas gerações de milhares e milhares de homens e mulheres, numa gesta cuja grandeza, riqueza e dimensão nunca se conseguirá reconstituir plenamente, para construir uma trajectória histórica que nos honra e que sobretudo cria para todos nós e para os comunistas vindouros a indeclinável responsabilidade de tudo fazer para continuar a honrar, prosseguir, desenvolver e enriquecer. Certos de que se ninguém nos pode tirar este passado marcante de 80 anos também ninguém nos poderá fechar as portas de um largo e esperançoso futuro para o nosso Partido, o futuro para que olhamos, o futuro de crescimento e avanço para que estamos voltados, o futuro que queremos ganhar.

Falando dos homens e das mulheres que fizeram a história do nosso Partido ao longo destes oitenta anos da sua vida, naturalmente que a nossa memória, o nosso reconhecimento e a nossa gratidão se dirigem em especial para muitos - e de muitos todos sabemos os nomes - que pelo seu heroísmo, coragem ou relevante papel deram uma muito destacada contribuição para a luta do PCP e que, por isso mesmo, se o preconceito não vencer a verdade e se a cegueira não derrotar a justiça, merecem ser considerados grandes protagonistas da história de Portugal no século XX.

Mas estamos certos que os que felizmente continuam connosco na luta pelas convicções e ideais comunistas, precisamente porque deram o melhor de si próprios pela nossa causa sem esperar medalhas, consagrações ou honrarias, serão os primeiros a estar de acordo que, nesta celebração dos 80 anos do nosso Partido, evoquemos não o que o Partido deve mas o que a liberdade, a democracia, o povo português e Portugal devem a todos os homens e mulheres comunistas que, na medida das suas forças, capacidades e possibilidades, seja nos primeiros e incertos passos até 1926, seja nos 48 anos de ditadura fascista, seja nestes 26 anos já passados sobre a inesquecível e gloriosa Revolução de Abril, ergueram linhas de resistência à repressão e ao terror fascistas, desenharam horizontes de esperança mesmo nos momentos mais desesperados e sombrios, desbravaram e rasgaram o áspero caminho para a conquista da liberdade,

impulsionaram conquistas e transformações sociais, económicas, culturais e políticas de alcance histórico, animaram e animam um combate que prossegue por ideais, valores e objectivos democráticos e de esquerda.

Os 80 anos de uma vida intensamente vivida e de uma luta apaixonadamente travada só por si, podem não dar resposta a todas as interrogações do presente e do futuro, podem não ser a solução para todos os problemas e desafios que temos pela frente, podem não ser a receita milagrosa para as dificuldades que temos de vencer hoje e amanhã, mas representam sem dúvida um valioso e insubstituível património de experiência, de luta e sobretudo de enraizamento social e nacional que constitui um grande estímulo para a nossa acção empenhada e criadora para fortalecer o nosso Partido e dar corpo às resoluções do nosso XVI Congresso e um inestimável factor de confiança para os combates que os comunistas portugueses vão travar neste novo século.

Sempre com os trabalhadores, sempre com o povo português, sempre com a democracia, sempre pelo socialismo, sempre por Portugal, sempre com a causa universal da dignidade e emancipação humana. Sempre a fazer história e a construir futuro.

Algumas lições da nossa história

Olhando os 80 anos de vida e de luta do nosso Partido, de acordo com a sensibilidade, memória e visão das coisas, cada um de nós pode encontrar muitas lições e ensinamentos que considera válidos e úteis para o prosseguimento do nosso combate.

Permitam-nos por isso que aqui sublinhemos o que, a nosso ver, tem a maior importância e actualidade para o presente e o futuro da nossa intervenção.


II

Um governo em pleno declínio

Neste comício queremos também daqui reafirmar o nosso pesar e a nossa solidariedade aos familiares das vítimas da derrocada da ponte de Entre-os-Rios.

O que se passou não deixa ninguém indiferente e é lamentável que não se tenha atendido às reivindicações daquelas populações que inclusivamente já tinham feito um corte de estrada reclamando uma nova ponte e aos alertas oficiais que ao que parece morreram na burocracia.

Importa que se tirem lições para o futuro, se vistoriem as pontes e pontões que indiciem falta de segurança e se dê resposta rápida a rupturas de circulação verificadas noutros pontos do país como é o caso da Ponte da Ribeira da Foupana entre Mértola e Vila Real de Stº António, que é uma via de grande circulação para o Algarve.

Importa ainda que com realismo se atente nas fragilidades e debilidades do nosso país e não se disfarce com fantasias ou se pense que as mesmas se ultrapassam com discursos sobre a Internet e as novas tecnologias.

Há muito que quadros técnicos do IPE advertem que a manter-se esta situação em consequência da divisão da JAE, não só as reparações se vão atrasar enormemente como a degradação das estradas e sobretudo das vias secundárias se vai acelerar, com acrescidas rupturas de circulação e factores de insegurança rodoviária.

O PCP vai seguir com atenção a evolução desta situação e vai exigir as respostas que se imponham às justas reivindicações das populações.

"Um governo que navega à vista, entre escolhas de conjuntura e sem rumo certo, com o único propósito de se manter no poder (...) corre o risco de abrir rombos no casco até ao afundamento final."

Não fomos nós que afirmámos isto, mas sim um dirigente do Partido Socialista ainda há relativamente pouco tempo.

Também não fomos nós mas um comentador da área socialista que afirmou o seguinte: " a submissão do poder político ao poder económico é um dos traços evidentes da vida pública actual"; aliás, continua o comentador, "dever-se-ia dizer submissão e promiscuidade. E dever-se-ia também dizer submissão aos poderes da sociedade - económicos, religiosos, administrativos, culturais e desportivos". E não fomos nós ainda que dissemos "...este Governo não pode ser um governo de relações públicas, deve ser antes um governo para governar..."

Estas criticas são certeiras e vêm de dentro do Partido Socialista, cujos militantes são hoje confrontados nos locais de trabalho e no dia a dia com as críticas ao seu governo e com o desencanto e virar de costas a muitos que lhe deram o seu voto, testemunhando que o PS entrou em pleno declínio.

Pode-se já não falar, por exemplo, nos casos da TAP, da GALP, do escândalo dos boys, da Fundação para a Prevenção Rodoviária, das sucessivas prescrições na Justiça, etc., mas todos eles desacreditaram o PS e mostraram o verdadeiro conteúdo das proclamações solenes de que este Governo tinha uma "ética de responsabilidade" e de que "governava com uma grande consciência social". Grande consciência social que se traduz no facto de termos os mais baixos salários, o mais baixo salário mínimo, as mais baixas reformas e simultaneamente termos as mais elevadas taxas de lucro da União Europeia!...

A acentuação das desigualdades e a degradação da situação económica bem evidenciados no abrandamento do crescimento, no cada vez mais preocupante défice da Balança Comercial, no endividamento das famílias e da economia ao exterior são indicadores da falência de uma política.

A retórica social, o falso diálogo à mistura com uma ou outra medida pontual positiva pode enganar e criar expectativas em muita gente, como de facto se verificou, mas não dura sempre. Mais tarde ou mais cedo vem ao de cima a dura realidade.

E a dura realidade o que nos mostra é que Portugal está no topo dos países da União Europeia em que é maior o fosso entre os 10% mais ricos e os 10% mais pobres, consequência de uma política global de concentração da riqueza levada a cabo por um governo com a etiqueta de socialista!

Querendo aproveitar a maré, o PSD e o PP intensificaram o populismo e a crítica verbal sobre o secundário para esconderem a semelhança de políticas sobre o essencial e fomentarem o rotativismo sem alternativa.

É necessário
uma política de esquerda

É necessário uma outra política, o que passa pelo reforço do PCP e pela alteração da relação de forças entre nós e o PS.

Para se virar à esquerda, para se fazer progredir o país e combater as injustiças sociais é necessário concretizar uma política que dê prioridade às actividades produtivas, e não às actividades especulativas e parasitárias, que ponha fim às privatizações e à entrega de empresas básicas e estratégicas ao estrangeiro, que se estimule a eficiência, a organização e a modernização da economia e não os baixos salários, que se olhe para as pequenas e médias empresas e não se privilegie os grandes grupos económicos.

A luta contra o desmantelamento do sector público, os despedimentos, o bloqueamento da contratação colectiva e a desvalorização dos salários é a melhor resposta dos trabalhadores e do Partido à política que o Governo insiste em prosseguir.

As greves e as acções de rua dos trabalhadores do Arsenal, OGFE, OGME e OGMAS, em defesa dos estabelecimentos fabris das Forças Armadas, a acção convergente das organizações dos trabalhadores dos transportes, em defesa da função social dos transportes, dos seus direitos e dos direitos da população utente são exemplos que daqui saudamos e apoiamos.

O desaparecimento a curto prazo, só em quatro empresas, de mais de 2 500 postos de trabalho na Siderurgia Nacional, na AutoEuropa, na Clarck, na Indelma, como consequência de uma política virada para a desvalorização e destruição do aparelho produtivo nacional é tanto mais grave quando se verifica o número crescente dos vínculos laborais precários, que atingem já cerca de um milhão de trabalhadores onde os jovens e as mulheres são os alvos preferenciais.

Inevitavelmente, esta insegurança, esta espécie de vale-tudo, resultante da diversidade de contratação e sub-contratação precária, conduz ao aumento da sinistralidade e dos acidentes de trabalho, escandalosamente aproveitados pelas seguradoras como um negócio altamente lucrativo, à custa dos trabalhadores vitimados.

Não nos limitamos à denúncia. No quadro da iniciativa legislativa apresentámos projectos de lei que, a serem aprovados, darão combate ao abuso dos contratos a prazo e valorizarão as pensões e reformas dos acidentados do trabalho e dos que sofrem de doenças profissionais.

A luta por melhores salários, tendo em conta o aumento do custo de vida e o distanciamento dos salários dos trabalhadores portugueses em relação à média dos salários dos trabalhadores da União Europeia, é não só justa como necessária.

Mas as associações do grande capital nomeadamente, a associação de banqueiros, coitadinhos, com a prestimosa ajuda do Governador do Banco de Portugal e de alguns economistas que fizeram escola no consulado cavaquista, vêm proclamar não só a contenção como até a redução dos salários animando, assim o bloqueamento da contratação colectiva e a pressão negativa nas negociações nos sectores bancário, da construção, da têxtil, vestuário, gráficas e cortumes, abrindo caminho para desde já vir a justificar no futuro próximo o aperto aos salários dos trabalhadores da Administração Pública.

A decisão da CGTP-IN de convocar uma jornada nacional de luta, a realizar em Lisboa e no Porto em 24 de Março, precedida de lutas em várias empresas e sectores e das comemorações do dia 8 de Março, demonstram a vontade e a vitalidade do movimento operário e sindical para lutar por uma vida melhor para quem trabalha.

Nesse combate, com essa confiança e solidariedade, estará o Partido Comunista Português!

Aqui, deste comício queremos saudar os trabalhadores em luta, e a grande central sindical dos trabalhadores portugueses a CGTP-IN.

Queremos também daqui saudar a luta dos estudantes por melhor ensino e contra a sua elitização, pelo fim do numerus clausus, por uma intervenção séria nos ensino básico e secundário, com a participação de professores e alunos e saudar muito especialmente a JCP, a juventude do PCP.

A dita paixão pela educação, tal como a segunda pela saúde têm tido os resultados conhecidos.

Na saúde basta olhar para as sucessivas derrapagens orçamentais, para as listas de espera, para a política do medicamento, para a promiscuidade entre o público e o privado, para a gestão neoliberal e casuística para concluirmos que o melhor seria que o Primeiro-Ministro nunca tivesse nem a primeira nem a segunda dita paixão.

Embora o nosso comício tenha tido lugar um dia após o 8 de Março, queria aqui, não por rotina ou simples tradição, mas de acordo com os nossos valores e a nossa luta de muitos anos, saudar a luta das mulheres pelos seus direitos, a sua luta pela intervenção em igualdade e o Dia Internacional da Mulher, símbolo maior de uma longa caminhada das mulheres pela conquista, defesa e afirmação dos seus direitos, símbolo maior de um dos grandes combates civilizacionais que atravessaram o século XX e que neste novo século terá novos avanços contra preconceitos e discriminações, contra constrangimentos e condicionamentos sociais, económicos, políticos e culturais, que ainda hoje permanecem na sociedade portuguesa.

A insegurança
questão essencialmente social

Estreitamente ligada à situação económica e social, às desigualdades, à falta de perspectivas para tantos e tantos jovens, à toxicodependência, à marginalização de imigrantes está a questão da segurança que tem vindo a preocupar crescentemente os que vivem e trabalham na área metropolitana de Lisboa, mas podemos dizê-lo tem vindo a preocupar o país.

De facto é uma verdade incontestável que a situação nacional em matéria de segurança e tranquilidade pública se tem agravado, como o comprova, por exemplo, o aumento dos roubos na via pública.

As responsabilidades desta evolução negativa nestes últimos anos pertencem incontornavelmente ao Governo PS quer pela sua política de concentração de riqueza, quer pela lentidão na concretização das políticas de proximidade.

Por isso, para além das profundas alterações nas políticas económicas e sociais mais estruturantes que preconizamos, é imperioso intervir decididamente na área da segurança das populações.

É urgente redistribuir as forças policiais com o objectivo prioritário na prevenção, o que significa um dispositivo tão desconcentrado e próximo das populações quanto possível. Mais esquadras e postos residenciais, em vez das super esquadras e grandes aquartelamentos.

É urgente também reconverter os efectivos para missões de segurança; só em Lisboa há cerca de 2000 agentes da PSP e 5000 da GNR que não intervêm na prevenção do crime. É necessário utilizar parte significativa destes meios no policiamento de proximidade.

O "velho" reaccionário e populista discurso securitário e repressivo da direita para os telejornais do dia e a demagogia eleitoralista, não resolveu os problemas em nenhuma parte do mundo, antes pelo contrário.

O que precisamos é de políticas de desenvolvimento e de justiça social, de políticas sociais e de segurança ao serviço da comunidade e não ao serviço dos grandes interesses.

E é nesse sentido que o PCP continuará a intervir.

Mas combateremos também os alarmismos e as histerias securitárias e demagógicas, assim como, a perversão dos Serviços de Segurança e de Informação da República. A este propósito queremos sublinhar que se comprovou que o SIS também já sob a direcção do Governo PS, continuou envolvido em acções ilegais de intercepção e escuta de comunicações e que no caso que agora veio a público com a credibilidade dum inquérito judicial recorreu a espiões estrangeiros para levar a cabo certas missões sujas.

A subcontratação pelo SIS a partir de Dezembro de 1995 e até uma data não apurada, dum operacional da secreta militar da África do Sul do apartheid, que já tinha trabalhado para as informações militares nacionais, particularmente com um agente envolvido num roubo de fichas do PCP, constitui um facto inaceitável da responsabilidade do PS.

O Governo tem de esclarecer as responsabilidades políticas nesta matéria, mas não pode limitar-se a passar as culpas para antigos ministros, como aconteceu com Veiga Simão. A política de informações depende directamente do Primeiro Ministro e foi sob o governo PS que estivemos praticamente cinco anos sem Conselho de Fiscalização.

O Governo tem de esclarecer a cobertura dada a um antigo agente estrangeiro acusado de assassínio no seu país e tem de esclarecer as acções em que este senhor participou.

O PCP exige-o, assumindo mais uma vez nesta matéria a defesa da legalidade e do regime democrático.

Uma gestão participada
ao serviço das populações

A batalha das autárquicas é a grande batalha política que temos pela frente este ano. É necessário que esta batalha seja assumida na prática por todos os militantes e simpatizantes como uma grande batalha de todo o Partido. O prestigio do projecto autárquico da CDU está estritamente ligado à nossa postura, ao exercício do poder, à gestão participada, ao podermos com verdade reivindicarmo-nos dos atributos do trabalho, honestidade, competência e experiência.

Por isso, é com convicção que afirmamos que dar mais força à CDU é defender um Poder Local democrático e plural contra as tentativas que o pretendem perverter. O regresso do bloco central para tentar impor através de uma nova lei eleitoral para as autarquias, um poder absoluto e sem controlo foi por agora novamente derrotado. Mas é necessário manter a luta e o trabalho de esclarecimento já que este recuo do PS e do PSD não representa qualquer revisão nas suas concepções antidemocráticas mas sim o resultado do isolamento e da contestação que em largos sectores da opinião pública e do próprio meio autárquico se levantaram contra aquelas intenções. Uma vez mais se pode afirmar que valeu a pena a luta e que a intervenção do PCP e dos eleitos da CDU foi decisiva para impedir de novo o desvirtuamento que a política e as concepções de direita queriam impor ao poder local.

Dar mais força à CDU é também dar voz ao protesto contra a descarada instrumentalização que o governo vem fazendo do aparelho de Estado e dos dinheiros públicos em favor da estratégia eleitoral do PS. É denunciar e penalizar o corrupio de ministros e governadores civis de cheque na mão apor esse país fora, a manipulação de programas de emprego e apoio social em função da cor da autarquia, o uso do investimento público de acordo com os confessados objectivos eleitorais do Partido do Governo, a nomeação de socialistas para cargos públicos como plataformas de lançamento das respectivas candidaturas autárquicas, o aproveitamento de reuniões de serviços do Estado para debate de tácticas partidárias. Não são invenções. Basta ter presente o papel do até agora ministro Jorge Coelho correndo para Sintra para dar uma mão às dificuldades da gestão da Câmara socialista ou anunciando à Federação distrital do PS que os investimentos do seu Ministério não faltariam aos concelhos que coincidem com as prioridades eleitorais do seu partido. Ou ver um governador civil anunciar a sua candidatura pelo PS a uma Câmara e confessar que se mantém em funções para melhor poder intervir eleitoralmente.

A humanidade não está
condenada ao capitalismo

No início deste novo século é chocante assistir-se à contradição entre as perspectivas abertas pelas espantosas conquistas científicas e técnicas e a situação social em que se encontram milhões e milhões de seres humanos.

O capitalismo triunfante e arrogante quer impor a sua ordem, os seus conceitos, a sua prática mas os povos, os trabalhadores, os sindicalistas, em Chiapas, em Timor, no Brasil os "Sem Terra", na União Europeia, em Portugal e em tantos e tantos pontos do Globo lutam e resistem.

A fantástica concentração da riqueza lado a lado com a pobreza mais descalça é bem o retrato da lógica capitalista e imperialista.

É chocante e intolerável ser confrontado, por exemplo, com a notícia de que alguns dos mais poderosos grupos farmacêuticos do mundo, com milhões de lucros anuais, intentaram um processo ao governo da África do Sul, por em 1997 Nelson Mandela ter assinado uma lei autorizando a fabricação de fármacos genéricos para o combate à SIDA, que conta neste país com mais de 4 milhões de seropositivos, na base dos produzidos por aquelas multinacionais, a preços muitíssimo mais baratos.

É mais uma vez o lucro à frente do homem, o espectro da morte de milhões de seres humanos em confrontação com as taxas de lucro.

É chocante, por exemplo, ver a displicência com que o Sr. Bush e o Sr. Blair sem qualquer razão plausível mandaram bombardear o Iraque e a hipocrisia daqueles que se dizem tão preocupados com os direitos humanos querendo introduzir no nosso país a prisão perpétua para podermos aderir ao TPI, mas que não nos dizem se defendem, por exemplo, o julgamento destas duas criaturas!

Apresentámos na Assembleia da República um voto propondo que esta se pronunciasse contra os bombardeamentos sobre o Iraque, com diversos considerandos. Sabem qual foi a votação? PS, PSD e PP votaram contra, com este último Partido na justificação de voto a dizer que tudo o que afirmámos na nossa proposta era verdade mas que não se podia ir contra os aliados.

Para os aliados os ditos direitos humanos têm que ser elásticos...

Estamos todos elucidados e ... conversados.

Mas é também chocante ver estes Partidos que estiveram a favor dos bombardeamentos da Jugoslávia sacudirem agora a água do capote em relação às consequências do urânio empobrecido. Sobre esta questão quer fazer-se passar um manto do silêncio e de esquecimento e suscitar a duvida quanto às causas das mortes dos militares e polícias de diversos países estiveram nos Balcãs. Foi o que fizeram com o químico "agente laranja" no Vietname em que os americanos só reconheceram os efeitos no homem passados 20 anos e foi o que fizeram na guerra do Golfo que só após vários anos de silêncio é que a Nato reconheceu oficialmente a utilização de armas com urânio empobrecido e com plutónio.

Certamente que estais de acordo em que o PCP continue a exigir toda a verdade sobre este assunto, bem como o regresso das tropas portuguesas dos Balcãs.

Ao evocarmos e celebrarmos os 80 anos do PCP, não queremos dar nenhum pretexto aos nossos inimigos ou adversários para que nos acusem de filtrarmos a nossa história ou a história mundial dos comunistas e esquecermos erros, desvios, conflitos, página de sombra a que nenhum empreendimento político e humano pode ter a pretensão de se julgar isento ou imune.

E, com muito mais razões, muito menos pretendemos apagar quanto de trágico e negativo ocorreu em experiências e percursos de construção do socialismo e que tantas perplexidades, amarguras e dificuldades trouxeram à nossa causa.

Como afirmámos na celebração dos 150 anos do Manifesto Comunista, nós enfrentamos com verdade e com coragem toda a nossa história e os factos da história mundial do movimento comunista por mais duros que sejam, como já demonstrámos, designadamente através das análises do nosso XIII Congresso Extraordinário.

E tomámos como compromisso profundo do nosso pensamento e da nossa acção reflectir e agir, mais e melhor, para o enriquecimento de um projecto comunista à altura das necessidades do nosso país e dos desafios do tempo que vivemos, fortemente demarcado de tudo quanto tenha ensombrado a capacidade de atracção das nossas ideias, fortemente ancorado na nossa própria história e no nosso combate ao longo destes 80 anos, fortemente sustentado por um indissociável compromisso político que une a liberdade e a democracia com um projecto de efectiva transformação social, de abolição da exploração do homem pelo homem e de superação do capitalismo.

Mas, ao mesmo tempo, recusamos e continuaremos a recusar que alguns queiram carregar sobre os nossos ombros responsabilidades directas ou indirectas que, em rigor, não temos nem vemos razão para assumir.

Recusamos e continuaremos a recusar que os defensores do capitalismo (que não se propõem obviamente assumir responsabilidades pelos erros, tragédias e crimes do sistema que defendem) pretendam constituir-se em tribunal da história.

Recusamos e continuaremos a recusar que se pretenda reconduzir e limitar todo o imaginário, todo o património e todo o projecto dos comunistas apenas a alguns aspectos das experiências concretas de construção do socialismo, esquecendo que desse imaginário, desse património e desse projecto fazem parte integrante os combates de milhões de homens e mulheres e de dezenas de partidos comunistas que, pela sua acção generosa ao longo do século XX, pelo altíssimo tributo pago em sacrifícios e em sangue na resistência ao fascismo, deram contribuições inestimáveis para a causa da liberdade e estão na base de muitos avanços de civilização e das mais importantes conquistas sociais e políticas.

Aos que sempre reeditam velhas acusações e calúnias contra o PCP e contra os comunistas, é preciso lembrar que os comunistas portugueses, e como eles a imensa maioria dos comunistas do mundo, figuram não na lista dos torcionários mas na lista dos torturados, não na lista dos carrascos mas na lista das vítimas, não na lista dos assassinos da liberdade mas na lista dos mais dedicados e sacrificados combatentes pela liberdade.

É preciso lembrar-lhes que os comunistas portugueses - e o seu partido - figuram não na lista dos muitos que ou colaboraram ou conviveram tranquila e comodamente com o fascismo mas na lista dos que lhe moveram combate sem tréguas nem limites; não na lista considerável dos que, depois do 25 de Abril, atentaram e conspiraram contra a liberdade, contra o novo curso libertador e contra a legítima ascensão dos trabalhadores e das camadas populares ao primeiro plano da cena social e política do Pais, mas na lista dos que mais generosa e responsavelmente contribuíram para o êxito das tarefas fundamentais da democratização das vida nacional. Dos que mais persistentemente estimularam a intervenção de vastas massas na vida cívica e política e nos destinos de Portugal democrático, dos que mais energias e esforços investiram nos pequenos e grandes avanços, realizações e conquistas que mudaram a face de Portugal, dos que assumiram um papel decisivo na fundação e construção do regime democrático plasmado na Constituição de 1976.

É preciso lembrar-lhes que os comunistas portugueses e, tal como eles os comunistas de imensos países do Mundo, figuram , na actualidade, não na lista dos que agem implacavelmente para o reforço da exploração de quem trabalha, para a limitação das liberdades e a mutilação e empobrecimento da democracia política, para aprisionar os cidadãos nas teias de novas e velhas alienações, para agravar injustiças e desigualdades sociais que, a entrar no terceiro milénio, são uma intolerável afronta ao ser humano, mas na honrosa lista dos que, dia a dia, através da suas ideias, das suas propostas, da sua acção e do seu multifacetado combate e intervenção marcam indelével e insubstituível presença na luta em defesa dos direitos dos trabalhadores e dos interesses populares, pela defesa ,expansão e concretização dos direitos e liberdades dos cidadãos, por reformas democráticas de caracter socioeconómico que dêem resposta a gritantes carências e agudos problemas do povo e do País, por uma democracia à altura dos avanços e progressos conquistados pela luta no acidentado caminho do século XX e das necessidades, aspirações e possibilidades que se afirmam na época contemporânea.

Por tudo isto, aos 80 anos de vida e luta afirmamos com confiança a bandeira da justiça social, da emancipação humana do socialismo.

Convosco, com os trabalhadores, com o povo vamos continuar a fazer história e a construir o futuro.

Viva o Partido Comunista Português