Intervenção de Carlos Carvalhas Assembleia de Organização do Distrito do Porto 6 de Maio de 2000
É inaceitável que o governo não renegocie as tabelas salariais com os trabalhadores da administração pública. A sua intransigência e surdez face às justas reivindicações dos trabalhadores dos transportes e da administração pública é a responsável pela conflitualidade social e pelos prejuízos que causa aos trabalhadores e às populações. Face ao crescente descontentamento o Primeiro-Ministro deve ter pensado que uma grande entrevista na Televisão vinha mesmo a calhar assim como deve ter pensado que não só não tinha nada a perder, e até talvez tivesse alguma coisa a ganhar. Mas ou muito nos enganamos, ou o Primeiro-Ministro avaliou mal o estado da opinião e a irritação contra a política do Governo que neste momento avassala o país e quem sabe se não teria ganho mais em ficar calado. Porque estamos firmemente convencidos que grande parte dos portugueses que assistiram à entrevista na RTP terão tido aquela reacção que se resume bem naquela frase: "muita parra e pouca uva". Porque grande parte dos portugueses percebeu que enquanto do lado de cá do ecrã, isto é, no seu trabalho e nas suas vidas, há uma maré de problemas sérios e fundadas razões de queixa contra a política do Governo, do lado de lá do écran estava alguém meramente preocupado em debitar um moinho de palavras anestesiantes abrilhantadas com música celestial. Porque grande parte dos portugueses percebeu que a fingida "compreensão" manifestada pelo Primeiro-Ministro face às preocupações, reclamações e inquietações dos cidadãos é apenas a cortina de fumo para lhe permitir continuar precisamente a mesma política que não tem mostrado nenhuma compreensão pelos interesses e aspirações dos trabalhadores e de largas camadas da população. Porque grande parte dos portugueses, sobretudo os de melhor memória, perceberam que, através de uma outra cara e de uma outra etiqueta, o que desfilou naquela entrevista foram as principais concepções, argumentos, tiques e truques com que Cavaco Silva nos saturou a cabeça durante dez anos. Das repetidas acusações de "manipulação política" das greves à irritação com a critica "encarniçada" da oposição ( ou seja a tese das "forças de bloqueio" com novo celofane), da teoria esfarrapada que já vem de outros tempos de que os aumentos de salários é que provocam os aumentos de preços e não o contrário (sendo que esquecem sempre o papel dos lucros na inflação) até às ridículas referências ao deslumbramento dos estrangeiros com o Governo do PS sempre com a insinuação de que os portugueses é que são ingratos ou injustos, passando ainda pela tese de que as greves são no sector público (olhe que já houve muitas greves e lutas em empresas privadas e se não há mais é por causa da precariedade, os contratos a prazo e da ameaça de fortes represálias contra o exercício de direitos) - tudo isso e muito mais - que é velho, que é conversa da treta, e que é o cavaquismo em embalagem PS - esteve presente na entrevista do Primeiro Ministro. Mas, também por isso, é tempo de dizer ao Primeiro-Ministro algumas verdades essenciais. A primeira é que estamos certos que os trabalhadores e muitos outros sectores sociais atingidos pela política do Governo nos acompanhará na ideia de que todos nós dispensamos bem a "compreensão" do Primeiro-Ministro porque com ela ninguém pagará os escandalosos aumentos de preços acumulados desde Janeiro, ninguém vê o seu poder de compra defendido e os seus salários e condições de vida melhorados, como é justo, urgente e inadiável. A segunda é que o Primeiro-Ministro e o seu Governo bem nos podiam poupar ao seu choradinho estudado e hipócrita sobre as dificuldades do país e as limitações orçamentais em que baseia a sua intransigência face à movimentação social, porque todos sabemos que, ao longo dos últimos seis anos, não só nunca esse choradinho foi usado para rejeitar as reivindicações do grande capital, como foi um Governo do PS que conseguiu bater todos os recordes nacionais de favorecimento escandaloso dos grandes senhores do dinheiro, como foi o Governo do PS que ainda agora, no Orçamento de Estado para 2000, chumbou todas as nossas propostas de uma reforma fiscal justa e voltou a dar centenas de milhões de contos de benesses e isenções fiscais ao grande capital financeiro e a oferecer-lhe mais fatias desse negócio mafioso, estruturalmente corrupto e de desavergonhado assalto ao património do Estado que têm sido as privatizações. A terceira é que pode o Primeiro-Ministro continuar a falar de "manipulação
política" das greves e a disso acusar caluniosamente o PCP (seria
aliás muito injusto que acusasse disso o PSD e o PP que em seis anos
nunca abriram o bico sobre questões de salários e só
o abrem agora para apanharem o comboio do descontentamento popular). Porque,
diga o que disser, há uma coisa - diferente da que diz - que é
verdade. É que o PCP não só está solidário
com os trabalhadores e as outras camadas em luta, como tem dedicado e continuará
a dedicar parte essencial da capacidade de intervenção generosa
dos seus militantes e da acção política geral do Partido
(incluindo na Assembleia da República) à dinamização
da movimentação social, à defesa consequente dos direitos
e aspirações do mundo do trabalho, ao combate pela justiça
social, à exigência de uma nova política que deixe favorecer
e engordar os poucos do costume e deixe de agredir e sacrificar os muitos
de sempre.
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