Sobre a actualidade política e social
Declaração de Jerónimo de Sousa, da Comissão Política do PCP
28 de Agosto de 2003

 

A Comissão Política do PCP, ao proceder à análise da situação política e social, avaliou o desenvolvimento da ofensiva anti-democrática deste Governo e o agravamento dos problemas nacionais.

Durante o mês de Agosto (dolorosamente marcado pelos fogos e cujas consequências, apuramento de responsabilidades e tomada de medidas de apoio às regiões, sectores e pessoas atingidas continuam a estar na ordem do dia) confirmaram-se alguns dos alertas atempadamente feitos pelo PCP no plano social, político e legislativo.

Foi o mês da promulgação e publicação do Pacote Laboral e da Lei dos Partidos Políticos. São leis que, continuando a comportar inconstitucionalidades, trazem no bojo elementos inquietantes de conflitualidade e de retrocessos sociais e democráticos, ferindo a dimensão de direitos e a própria liberdade de associação e de organização, tanto dos trabalhadores como dos cidadãos que livremente aderem aos partidos.

Sobre o Pacote Laboral, a sua promulgação e publicação é tanto mais lamentável e inaceitável quando para além das inconstitucionalidades e das malfeitorias que a lei comporta se começam a conhecer as propostas do Governo para regulamentar o que escondeu no processo legislativo que decorreu na Assembleia da República.

Em relação às 46 matérias que falta regulamentar, “ainda a procissão vai no adro” e já começa a ficar claro aquilo que constitui a maior e a mais grave ofensiva contra os direitos dos trabalhadores em quase trinta anos de democracia.

Em articulação com o que julga já adquirido no denominado Código do Trabalho, designadamente na área da contratação colectiva, dos horários de trabalho, dos contratos a prazo, da polivalência negativa, do trabalho nocturno, o Governo inicia agora o assalto ao Salário Mínimo Nacional, aos direitos das associações sindicais e das comissões de trabalhadores, aos meios e aos créditos de horas para o exercício das suas funções, a que se seguirá a regulamentação e o ataque a questões importantes como férias, feriados e faltas, descanso semanal, acidentes de trabalho, salários em atraso, despedimento ilícito, greve, arbitragem. Revelador do cinismo deste Governo foi a sua proposta sobre a suspensão da actividade da empresa, onde em nome de substituir o acto súbito por um acto anunciado de encerramento criava mais condições para um certo sector do patronato relapso alijar as suas responsabilidades em relação aos trabalhadores, aos postos de trabalho e retribuições.

A Comissão Política do PCP considera que esta fase da regulamentação do Pacote Laboral constitui o segundo pilar da agressão aos direitos dos trabalhadores que, a ser consumada, conduziria a uma alteração radical na correlação de forças entre o capital e o trabalho, visando aumentar a exploração, precarizar ainda mais as relações de trabalho e manietar a capacidade de organização, actividade e intervenção dos trabalhadores.

O processo que decorre na concertação social não pode condicionar nem colocar a Assembleia da República na posição de cartório de notariado. Mas mais do que isso, e antes disso, os trabalhadores e as suas organizações não podem ser espectadores passivos desta ofensiva tão grave contra direitos que custaram décadas de luta. Essa luta que os conquistou é que vai determinar a sua defesa e impor o recuo do Governo.

Sobre a promulgação e recente publicação da Lei dos Partidos Políticos, o Presidente da República secundarizou a gravidade das matérias que constituíram, aliás, preocupações iniciais suas que manifestamente não foram ultrapassadas e se mantêm presentes na reapreciação do Decreto. Esta consideração e esta crítica não diluem a responsabilidade e alinhamento do PS com a direita neste propósito de ingerência do Estado na vida interna dos partidos.

Consideramos a Lei sobre os partidos e o seu financiamento uma ingerência inadmissível, um novo retrocesso no regime democrático e um insulto aos valores do 25 de Abril. É em nome desses valores, da democracia e da liberdade, que persistiremos para que a Assembleia da República revogue essas leis.

No que ao PCP se refere, reafirmamos que continuamos e continuaremos a defender o direito de os partidos e os seus militantes decidirem livre e soberanamente sobre as suas estruturas e formas de organização, indissociáveis da linha política e ideológica adoptadas e a valorizar a diversidade das opções partidárias como valor inalienável da democracia política.

O Governo lançou em Agosto a “discussão pública” - e apenas durante um mês – do seu gravíssimo projecto de alteração do subsídio de doença. É uma proposta que visa, designadamente, a redução em 15% dos valores do subsídio de doença nas baixas até 30 dias e 5% nas baixas de 31 a 90 dias.

Estamos perante uma medida cujo único objectivo é reduzir despesas à custa da redução dos direitos em caso de doença aos/às trabalhadores(as) no activo. Esta medida insere-se numa perigosa ofensiva que visa aniquilar o sistema público de protecção social em Portugal, com a progressiva redução do conjunto dos benefícios que proporciona.

No mesmo mês de Agosto em que, ao contrário de outros anos, o desemprego subiu mais 1,3% em relação ao mês de Julho e onde se destaca o crescimento de licenciados desempregados. O PCP lembra que nestes dados ainda não estão considerados os postos de trabalho perdidos por força dos incêndios. Mas é precisamente neste mês, em que se desenvolve a ofensiva contra os trabalhadores e outras camadas sociais, se agravam os problemas económicos e sociais do país e dos portugueses, que se ficou a saber que os lucros de 51 bancos aumentaram 3,2%, para 912 milhões de euros face ao período homólogo de 2002, que se ficou a saber que a banca e a bolsa apresentaram ao Governo novas propostas de isenção e redução fiscais.

É esta a realidade, são estes exemplos que demonstram a verdadeira natureza deste Governo e da sua política. Estimula e beneficia o capital financeiro e uma minoria de privilegiados enquanto penaliza a maioria do povo português.

A Comissão Política do PCP tem a consciência de que quanto mais tempo prosseguir e se aprofundar esta política, maiores serão os problemas nacionais. Este tempo exige resistência, convergência e luta na exigência de uma política diferente. Será com a sua concretização que se pode iniciar a construção de verdadeiras alternativas.