Análise da situação política e social
Conferência de Imprensa do PCP com Francisco Lopes, membro da Comissão Política
19 de Agosto de 2003

Os trágicos incêndios que consumiram uma parte significativa da riqueza florestal do país e causaram 18 vitimas mortais têm justamente centrado as atenções e preocupações do povo português.

Mas, além dos incêndios florestais com o seu cortejo de destruição, sofrimento e desolação, um outro flagelo consome e devasta profundamente o país. É o que resulta da política de direita de sucessivos governos, aplicada com mais intensidade pelo actual que liquida o aparelho produtivo, delapida os recursos, afecta os mais diversos sectores da vida nacional e compromete o futuro do país.

No quadro de uma situação económica e social marcada pelo aprofundamento dos problemas e por um ataque sem precedentes aos direitos e condições de vida dos trabalhadores e do povo, o PCP chama à atenção para algumas questões resultantes da ofensiva antidemocrática, anti-popular e anti-nacional que o Governo PSD/CDS-PP leva a cabo conduzindo ao agravamento da exploração dos trabalhadores, à concentração da riqueza e à acentuação das desigualdades sociais:

1 - O PCP alerta para o perigo, em alguns casos já concretizado, do encerramento e deslocalização de empresas, de despedimentos colectivos, de ampliação das situações de salários e subsídios em atraso, que tende a vir à luz do dia à medida que os trabalhadores vão regressando de férias.

As pretensões de extinção da Gestnave e o despedimento colectivo na Alcoa são exemplos a que outros se associam, como é o caso da Eurovela, nas Caldas da Rainha, em que os trabalhadores foram surpreendidos pelo encerramento da empresa e que constitui uma situação que coloca a interrogação sobre as razões reais de muitas falências.

Neste contexto, o PCP denuncia os projectos do Governo PSD/CDS-PP em torno do Código das Insolvências que, dando prioridade a outros credores, faz os trabalhadores das empresas falidas que têm salários, subsídios ou indemnizações a receber descer na escala de prioridades. Quando, com a lei actual, já há situações em que trabalhadores não recebem o que têm direito ou recebem quantias ridículas de alguns cêntimos face às centenas ou milhares de euros que lhes são devidos e num momento em que o desemprego cresce e aumenta o número de falências, este projecto é chocante e revelador das opções de classe do Governo PSD/CDS-PP.

2 - Portugal foi o país da União Europeia onde o desemprego mais cresceu, afectando centenas de milhar de trabalhadores, nomeadamente um elevado número de jovens com formação superior. O desemprego é um problema para quem o sente e sofre, mas constitui também um gigantesco desperdício de capacidades, qualificações e força de trabalho essenciais para o desenvolvimento do país.

Nesta situação, é ainda mais condenável que o actual governo continue não só a promover a liquidação de postos de trabalho, como, no caso da EDP, pretenda que sejam os utentes do serviço de energia eléctrica a pagar os custos da eliminação desses postos de trabalho. O PCP denuncia a intervenção do Governo PSD/CDS-PP que levou a Entidade Reguladora do Sector Energético a aceitar que uma verba que pode atingir perto de 500 milhões de euros a utilizar na chamada restruturação da empresa, isto é, para pagar a eliminação de postos de trabalho (rescisões, reformas antecipadas, etc), seja reflectida num aumento da tarifa da electricidade a ser paga pelos utentes a partir de 2005. Como se não fosse já suficiente termos um preço da energia eléctrica dos mais elevadas da Europa, como se não bastassem as consequências para a qualidade do serviço de mais uma diminuição drástica no número de trabalhadores (encerramento de balcões e outros serviços, redução de piquetes de manutenção e reparação, etc), quer-se agora obrigar a população a pagar os despedimentos que põem em causa a estabilidade de milhares de trabalhadores e degradam ainda mais as condições de prestação do serviço de energia eléctrica.

3 – O PCP reforça o alerta para a gravidade do Pacote Laboral e a necessidade de lhe dar combate. Inserido na ofensiva desencadeada pelo Governo PSD/CDS-PP contra os trabalhadores e o regime democrático em que se inserem, entre outras, as leis sobre os partidos políticos e os projectos de alteração das leis eleitorais e a própria revisão da Constituição, o pacote laboral, tal como outras peças desta ofensiva, não é aceitável no quadro do regime democrático resultante da Revolução de Abril.

Considerando o conteúdo inconstitucional do pacote laboral, que ultrapassa largamente as matérias referenciadas pelo Tribunal Constitucional, e que não foram corrigidas com a sua reapreciação pela Assembleia da República (que pode mesmo ter criado outras), é lastimável que o Presidente da República tenha procedido à sua promulgação.

O Pacote laboral é um instrumento de agravamento da exploração e de regressão dos direitos e condições de vida dos trabalhadores que só contribuirá para o agravamento das injustiças sociais e para a manutenção e aprofundamento de estrangulamentos ao desenvolvimento do país. A sua promulgação pelo Presidente da República não lhe altera ou legitima o conteúdo pelo que o combate vigoroso que até aqui mereceu, justifica ter prosseguimento na acção dos trabalhadores para lhe resistir e fazer frente.

O PCP reafirma a disponibilidade de contribuir para accionar os instrumentos parlamentares que permitam a fiscalização sucessiva da constitucionalidade (que exige um mínimo de 23 deputados), considera decisiva a acção dos trabalhadores no combate á regulamentação que o pretende implementar e aprofundar e apela ao desenvolvimento de uma ampla movimentação a partir das empresas e locais de trabalho para defender os interesses dos trabalhadores visando a derrota deste instrumento de regressão que atinge os seus direitos e o regime democrático.

4 - O PCP alerta para uma acção continuada do Governo PSD/CDS-PP com diversas medidas que degradam o nível de vida dos trabalhadores e do povo português. O governo depois de ter atacado o poder de compra dos salários, nomeadamente dos trabalhadores da administração pública, depois de ter anunciado o propósito urgente de aumentar as “taxas moderadoras” já de si bastante penalizadoras para quem recorre aos serviços de saúde, depois de ter apontado um brutal aumento das propinas do ensino superior, depois de ter anunciado o projecto de reduzir os valores do subsidio de doença, entre muitas outras medidas, resolveu agora no âmbito da regulamentação do pacote laboral atacar o salário mínimo nacional.

Apesar das justificações evasivas de membros do Governo, o que está em causa é o propósito de incluir no valor do salário mínimo nacional, subsídios, prémios e outras prestações que hoje não são consideradas, visando, além de manipulações artificiais para efeitos estatísticos, reduzir em novas contratações o valor efectivo do Salário Mínimo Nacional pago aos trabalhadores. No país da União Europeia em que os salários e as pensões são as mais baixas, em que as injustiças sociais são mais vincadas tal propósito revela bem a natureza do actual Governo e da política que pratica, uma política contra os trabalhadores ao serviço dos grupos económicos e financeiros, que parece quer aproximar o nível de vida em Portugal, não aos dos países mais desenvolvidos, mas ao do Bangladesh ou da Libéria. O PCP manifesta a sua oposição a tal projecto e reafirma sim a necessidade do aumento do salário mínimo nacional, como elemento de justiça social e componente de uma estratégia de desenvolvimento do país baseada em melhores salários e melhores condições de vida.

5 - A situação política económica e social evidencia com clareza que quanto mais tempo durar esta política e este governo, mais se agravam os problemas do país. Não é a insistência e aprofundamento da política das ultimas décadas promovida pelo PSD, CDS-PP e PS, responsável pelas dificuldades profundas que o país atravessa que pode ser caminho.

O Portugal com futuro, mais desenvolvido e mais justo passa por uma nova política. Uma política de desenvolvimento económico, de fortalecimento do aparelho produtivo, de aproveitamento dos recursos, de defesa dos interesses nacionais, de rejeição do colete de forças do pacto de estabilidade e não de isenções fiscais aos grupos financeiros ou cortes e engenharias financeiras que, como é o caso das vendas de imóveis do Estado e da ruinosa política de privatizações, passo a passo vão atolando o país e comprometendo o seu futuro.