Intervenção do
deputado Carlos Carvalhas

Programa do XIV Governo
(intervenção no encerramento do debate)

4 de Novembro 1999


Senhor Presidente
Senhores Deputados
Senhor Primeiro-Ministro

A posição do PCP sobre este Governo e sobre o seu programa ficou perfeitamente clara neste debate.

O país precisava de uma viragem à esquerda e o que vamos ter, embora disfarçado de retórica social, é a continuidade de uma política de raiz neo liberal e que se tem traduzido nos privilégios aos grandes grupos económicos e ao capital financeiro especulativo em detrimento das actividades produtivas com a submissão do social ao "mercado todo poderoso". Isto é, uma política de concentração de riqueza e de assistencialismo e caridadezinha para com as vítimas e de leilão de empresas e serviços públicos rentáveis.

Aliás o senhor Primeiro-Ministro disse ontem com toda a ligeireza e superficialidade que não há nenhum problema com a privatização de empresas básicas e estratégicas porque o que conta é que o Estado seja regulador, que tenha capacidade de regular e pôr ordem no mercado. Como se com o leilão do riquíssimo património público não estivesse a reforçar o domínio do poder económico sobre o poder político, o domínio de interesses ilegítimos privados, os chamados poderes facticos sobre qualquer reforma estrutural no sentido do progresso e da justiça social e a liquidar assim o tal dito papel regulador. Mais, o que vai acontecer mais tarde ou mais cedo é a entrega de alavancas fundamentais da economia portuguesa para as mãos do capital estrangeiro como aconteceu recentemente com o caso Champalimaud/Santander.

E também por isso é que, escondido atrás de alguns disfarces terminológicos: a "reforma" para designar uma efectiva "contra-reforma"; o combate aos privilégios para designar a aspiração legítima de cada ser humano à saúde e protecção social; a competitividade das empresas para designar mais benefícios fiscais aos grandes grupos económicos e às operações financeiras; a "moderação salarial" para designar estagnação dos salários reais, o que fica deste debate é a vontade política, de manter no essencial a mesma política e um sistema fiscal onde pontuam as injustiças fiscais nomeadamente em relação aos trabalhadores por conta de outrem e a de dar um novo impulso na concretização da fórmula: "quem quer saúde que a pague."

Face a este Governo e a este programa seremos, sem margem para dúvidas, oposição de esquerda nesta Assembleia da República.

E aqueles que nos conhecem sabem que não precisamos também de o evidenciar nesta altura com uma moção de rejeição inconsequente, nem esta serve para ver quem está mais afastado do Governo.

Nas presentes circunstâncias políticas, a apresentação e votação de moções de rejeição do programa do Governo:

1. Não é uma exigência da transparência na vida política parlamentar, pois é manifesto que a sua apresentação obedece a intuitos manifestamente tacticistas e politiqueiros, uns querendo parecer os maiores opositores de esquerda e outros querendo parecer os maiores opositores de direita.

2. Não é um acto de oposição ao PS ou que vise enfraquecer e condicionar o seu Governo, antes funciona a favor do PS que assim tenderá a reclamar ter visto fortalecido por uma votação, a sua investidura parlamentar e poderá apresentar as moções de rejeição como sendo formas de contestar as decorrências institucionais dos resultados eleitorais e como "bota-abaixismo" das oposições.

3. Não é um acto de clarificação, pois não pode haver maior situação de confusionismo e disfarce do que o PSD que é o partido que reconhece ele próprio estar mais próximo programaticamente do PS - apresentar e votar uma moção de rejeição do programa do Governo do PS.

Depois, sendo muito provável que a aprovação de uma moção de rejeição do programa do Governo conduzisse a eleições antecipadas, é justo suspeitar que os seus autores só a apresentam porque contam com a sua não aprovação.

Como também é justo suspeitar que a moção do PSD tem para além de outros objectivos tacticistas o objectivo de mascarar a sua efectiva concordância com as linhas mestras da política de direita do Governo.

Recordo que, em declarações recentes à Imprensa pouco antes do jantar de homenagem a Barbosa de Melo, o líder do PSD afirmava: "Em muitas questões estamos de acordo com o PS no plano das ideias e das propostas. O problema é levá-las à prática". Mais claro não se poderia ser...

Vamos ver como o PSD se vai posicionar em relação à alteração das leis eleitorais, às privatizações, aos benefícios fiscais às operações financeiras especulativas ou à proposta de revisão extraordinária da Constituição para o PS ter um mecanismo que lhe permita a aprovação de leis sobre a chantagem da instabilidade. Vamos ver como o PSD, ou os deputados da Madeira do PSD se vão comportar no Orçamento. Ficaremos à espera.

Senhor Primeiro-Ministro,

Pela nossa parte tudo faremos para que nesta legislatura venham a ser aprovadas medidas e projectos positivos e empenharemos todas as nossas energias nesta Assembleia da República, como fora dela, para combater tudo o que entendamos ser negativo ou retrogrado para o povo e para o país. Combateremos com toda a firmeza alterações às leis eleitorais que a pretexto da resposta à abstenção o que visam é a criação de uma falsa bipolarização e a obtenção na secretaria aquilo que não se obtém nas urnas...
Combateremos na Assembleia da República como fora dela, mais precarização, mais flexibilização das leis laborais e combateremos firmemente a famigerada leis das férias, se o Governo reincidir na sua apresentação.

Combateremos com toda a firmeza nesta Assembleia da República como fora dela a manutenção de pensões de miséria e políticas salariais que continuem a desequilibrar a distribuição do rendimento nacional.

Fiscalizaremos as actividades governamentais e exigiremos clareza e celeridade nas informações que o Governo deve prestar nesta Assembleia da República. Não aceitaremos mais posições de opacidade como as que o Governo tomou em relação ao acordo multilateral de Investimentos (AMI) ou agora em relação à nova reunião sobre Organização Mundial do Comércio, em que esta Assembleia não conhece qualquer opinião ou estudo do Governo sobre as suas consequências na economia portuguesa.

Nem aceitaremos, por exemplo, que o Governo continue a lavar as mãos à Pilatos em relação a questões graves como a que se passa com a instalação do gás natural em que as empresas distribuidoras não tornam claro e transparente o que está o cliente a pagar no acto do contrato, o que é um verdadeiro escândalo.

Não aceitaremos também que a Banca continue a pagar taxas efectivas do IRC muito abaixo da taxa normal e muito abaixo do que pagam uma pequena empresa ou um assalariado com um modesto rendimento.

Nem aceitaremos que os SIS continuem sem qualquer fiscalização desta Assembleia da República e tudo faremos para que a vida política adquira mais dignidade, verdade e sentido de interesse público.

Demonstraremos que há outra política e outras propostas e medidas, que há outros caminhos que não os da cedência às pressões dos grandes interesses ilegítimos; que há outros caminhos para a União Europeia que não seja a sua construção sobre as ruínas do chamado Estado-Providência, sobre a regressão social, trabalho precário e um alto nível de desemprego; e é inaceitável que em nome da globalização e do livre cambismo planetário se procure alinhar os salários e a protecção social pelo nível mais baixo e se promova fantásticas concentrações de riqueza.

Seremos oposição de esquerda, oposição que confrontará o Governo com medidas e alternativas positivas, algumas das quais já apresentámos na Mesa da Assembleia.

Seremos oposição de esquerda com a plena consciência da exigência das responsabilidades, tarefas e desafios que nos estão colocados e com as potencialidades e as perspectivas que estão abertas e que queremos concretizar na base das propostas, das medidas, da luta pela transformação social, na afirmação dos nossos valores e ideais e numa forte e profunda vinculação aos problemas do povo e do país.