Intervenção do
deputado Octávio Teixeira
Programa do XIV Governo
3 de Novembro 1999
Senhor Primeiro-Ministro:
Neste pedido de esclarecimento a V. Exa. quero colocar-lhe três questões.
A primeira questão reporta-se à orgânica do Governo. Aliás, essa orgânica suscita múltiplas questões de natureza estritamente política. Por exemplo, a criação do super-ministro das Finanças e Economia, a junção da tutela dos assuntos políticos com a das obras públicas, a fusão da tutela das polícias com a do desporto, a criação de um Ministério a que a lei orgânica do Governo não atribui qualquer competência específica ou, ainda, a atribuição formal da tutela das Comissões de Coordenação Regional a um Ministério quando, ao mesmo tempo, o programa do Governo garante que essas Comissões vão ser transformadas em direcções-gerais de apoio a "controleiros" regionais dependentes do Primeiro-Ministro.
Mas a questão que agora lhe quero colocar é a que tem a ver com o facto de V. Exa., senhor Primeiro-Ministro, ter optado pela criação de Ministros coordenadores das áreas social e económica, em alternativa aquilo que é mais normal, isto é, à instituição de conselhos de ministros sectoriais presididos e coordenados pelo Primeiro-Ministro.
E o que eu lhe solicito que clarifique é o seguinte: admite V. Exa. que essa opção pode ser entendida como querendo significar que V. Exa. se demite de assumir a responsabilidade própria do Primeiro-Ministro de coordenar as orientações e actividade políticas de todo o seu Governo? Ou, de outra forma, é legítimo questionar se com essa opção V. Exa. está a dizer-nos que pretende deixar o dia a dia da coordenação governamental à responsabilidade de outros, enquanto V. Exa. se dedicará a outras tarefas eventualmente "mais nobres" de âmbito internacional?
A segunda questão, senhor Primeiro-Ministro, tem a ver com a inequívoca necessidade de uma urgente reforma fiscal. Urgente e abrangente, integrando a tributação do património certamente, mas também os impostos específicos e, indispensavelmente, a tributação dos rendimentos.
Dado o espantoso recuo a este respeito verificado entre o que era prometido no programa do seu anterior Governo (e que não foi cumprido, reconheça-se em abono da verdade) e o que é referido no Programa agora em debate, o que quero perguntar-lhe de forma muito clara é se este seu Governo tem alguma intenção de fazer qualquer reforma fiscal. E que sentido poderá ter essa reforma.
Esta é uma questão central que não pode ficar em aberto, que não pode ficar na dúvida. Porque são mais do que legítimas as dúvidas que a leitura do Programa do Governo suscita a este respeito. O que lá se escreve, basicamente, é que " a política fiscal terá de ser, cada vez mais, geradora (...) de competitividade para as empresas e para o país, desempenhando um papel estratégico na captação e consolidação do investimento no território nacional" e "melhorando os incentivos aos grandes projectos de investimento e à internacionalização das empresas". É este o sentido da eventual reforma fiscal que este seu Governo se propõe, senhor Primeiro-Ministro? E não há nada, mesmo nada, para aliviar a carga fiscal que pesa sobre os rendimentos do trabalho? Será mesmo verdade, senhor Primeiro-Ministro, que para os rendimentos pessoais, para a tributação dos rendimentos do trabalho, este seu Governo apenas se compromete durante a legislatura, como " medida e decisão prioritária", à "unificação dos códigos do IRS e do IRC"? Significa isso mais justiça para quem quer que seja?
A terceira questão é para lhe perguntar se V. Exa. está disposto a satisfazer três reclamações que o actual secretário de Estado Augusto Santos Silva publicamente fez a este seu Governo:
1ª - Mais isenção!
Sobretudo em três domínios:
- na relação do poder político com a administração pública;
- no cumprimento estrito dos procedimentos democráticos;
- na aplicação dos princípios da transparência e da responsabilidade pública do Governo e da Administração.
2ª Mais maturidade!
Porque alguns dos erros mais clamorosos do Governo (e do GP do PS) tiveram por raiz uma arrepiante ausência de quadros com preparação técnica, sentido de Estado e consciência institucional.
3ª Mais determinação!
É fácil apregoar grandes reformas. Bem mais difícil é forçar intervenções nos pontos críticos, porque são elas que desafiam as rotinas, os interesses e as regalias.