Intervenção do
deputado Carlos Carvalhas

Programa do XIV Governo

3 de Novembro 1999


Senhor Primeiro Ministro

Os resultados eleitorais permitem-lhe rejeitar tudo o que venha da oposição.

Mas estes assinalam também por parte do eleitorado o desejo de uma viragem à esquerda.
Esperamos que o Governo como foi aqui afirmado esteja atento aos diferentes projectos e medidas e não caia na tentação de usar os seus 115 Deputados para um veto sistemático.

Por isso nesta primeira pergunta não me vou referir à estrutura do Governo, nem aos comissários políticos, nem àquele Ministro que no Partido é responsável pelo aparelho e pelas eleições e no Governo pelas Obras Públicas e pela ex-JAE, a quem se deveria recomendar o que foi recomendado à mulher de César.

Vou-me referir ao Programa e desde logo à promessa vaga como muitas outras de concretizar uma "nova geração de políticas sociais" e de "prevenir e diminuir fracturas sociais".

Significa então isto que o Governo está de acordo com as propostas do PCP e que vai aumentar significativamente as reformas e o salário mínimo! Que vai aumentar os salários de modo a aproximá-los da média europeia e a reequilibrar a distribuição do Rendimento Nacional. Que vai combater o trabalho precário e mandar para o lixo o pacote laboral e a famigerada lei das férias! Que vai repor a idade de reforma das mulheres para os 62 anos.

E que, para dar desde já um sinal forte em relação à reforma fiscal, irá reduzir já no próximo Orçamento de Estado pelo menos 100 milhões de contos em benefícios fiscais às actividades financeiras!...

Ou o que fica para lá da retórica e dos títulos pomposos do programa do Governo é tão só a continuidade de uma política que se traduziu na concentração da riqueza e na acentuação das desigualdades.

Senhor Primeiro Ministro,

Já conhecemos o que valem as promessas e então as promessas vagas servem para tudo.

Há quatro anos tivemos a paixão da educação e a promessa de se acabar com o numerus clausus no entanto, o que se vê é que na Universidade de Lisboa, em Medicina, o último colocado entrou com média de 19 e em Arquitectura na Universidade Técnica de Lisboa o último entrou com 18,3.

É assim que também se vai concretizar a paixão pela saúde, mantendo os genéricos demarca e a promiscuidade entre o público e o privado, dando novo impulso à fórmula, quem quer saúde que a pague?

Há quatro anos prometia-se a conclusão da auto-estrada para o Algarve, a Via do Infante, a duplicação da IP5, etc,etc, e o que se viu e se vê?

Há quatro anos dizia-se que a droga era o inimigo público número um, mas passados quatro anos o consumo ainda não foi discriminalizado ...,com jovens que em vez de estarem a ser recuperados, estão sim no ambiente das prisões ...

Há quatro anos também se falava da qualidade da democracia e como sabe os serviços de informações, por exemplo, ainda continuam sem fiscalização e aqueles que falam na aproximação dos eleitos aos eleitores foram os mesmos que nestas eleições as transformaram na eleição para primeiro ministro com o apagamento dos demais deputados.

E agora propõe-nos uma revisão extraordinária pedindo o apoio do PSD para quê?
Para encontrar um mecanismo que lhe permita a aprovação de leis sobre a chantagem da instabilidade.

Por último Senhor Primeiro Ministro:

O Programa diz que o Governo aceita os desafios da globalização. Aceitar os desafios da globalização não é aceitar a globalização da pobreza, da precariedade, da acentuação das riquezas, é não aceitar os "diktats" e os dogmas neoliberais, é dar resposta às aspirações das novas gerações e um mundo melhor em que o progresso técnico se traduza não em precariedade suplementar, mas em mais justiça e tempo livre.