Intervenção do
deputado Octávio Teixeira
Declaração Política sobre a actuação do Governo
26 de Maio de 1999
Senhor Presidente
Senhores Deputados
"Não há maior cego do que aquele que não quer ver".
Este velho ditado assente na sabedoria popular encaixa-se como uma luva ao Governo do eng. Guterres.
Para o Primeiro-Ministro e para o seu Governo, Portugal continua no melhor dos mundos e os portugueses nunca terão vivido tão felizes. E a prova de que assim é, segundo eles, é dada pelo número de telemóveis.
O défice da balança comercial tem vindo a aumentar de forma preocupante?
É um facto! Mas para os governantes socialistas isso não tem qualquer significado. Que importa isso, se agora temos o EURO, se já não há o drama de o país ter de obter divisas para pagar o défice, dizem eles.
Omitem que os EUROS não caiem do céu, que o país tem de produzir os EUROS necessários para pagar o défice. Quem vai produzi-los? Quem vai pagá-los?
Responder as estas questões dá trabalho e exige políticas e medidas adequadas. Mas, para isso, para tomar medidas, já se sabe que se não pode contar com o Governo. Da intensa actividade eleitoralista dos Ministros não resta tempo para a "chata" da actividade governativa. Governar ... eles, os Ministros, até queriam. O que não têm é tempo! Para além do mais, para quê preocuparem-se se, como sempre, quem vai ter que pagar são os trabalhadores?
Paralelamente, a promessa de uma inflação de 2% dá lugar a uma inflação real de 3%. E ainda agora a procissão vai no adro...
Mas também isto, para o Governo, não tem interesse de maior. Mais ponto menos ponto percentual...
Mas a questão substantiva não é essa. Nem sequer se trata de saber o que é mais favorável para a economia portuguesa, se o crescimento mais acelerado ou se um pouco mais de inflação, porque sobre isso não temos dúvidas, nunca fomos, como os socialistas, fundamentalistas da estabilidade dos preços. E muito menos se trata de saber se estão ou não a ser cumpridos os critérios da moeda única. E nada nos preocupa que o Ministro das Finanças venha a público dizer que no Governo só ele é que se preocupa com isso, que os outros Ministros nada fizeram nem nada fazem, antes pelo contrário, para atingir a moeda única e para cumprir o pacto de estabilidade.
O problema é que os trabalhadores portugueses estão a ser lesados nos seus rendimentos reais. O fulcro da questão é que os trabalhadores foram enganados pelo Governo do Partido Socialista.
Foram-no directamente os trabalhadores da função pública. E foram-no, igualmente, todos os restantes trabalhadores. Porque, quer num caso quer noutro, as respectivas negociações colectivas tiveram como referencial básico a inflação virtual de 2% oficializada pelo Governo. Também aqui se exigem acções correctivas por parte do Governo. Mas também para isto o Governo não tem tempo. E muito menos tem vontade política. Mais uma vez, porque são os trabalhadores a pagar, são eles os enganados, são eles os lesados.
Mas os trabalhadores continuam felizes, dizem o Primeiro-Ministro e o seu Governo. Aí estão os telemóveis ...
Este Governo, autista como o seu antecessor, finge não ver que a realidade mostra, cada vez mais, o protesto dos trabalhadores.
Os trabalhadores da Administração Central e Local manifestam-se nas ruas, fazem greves, e o Governo finge que não vê.
Os estudantes de Coimbra e de Lisboa realizam jornadas de luta, o Governo esconde a cabeça na areia e considera que não são mais que "garotadas".
Os maquinistas da CP fazem greves, o Governo nada faz para resolver o conflito... porque ele, Governo, não anda de combóio, a não ser para qualquer inauguração com o combóio relacionada.
O Sindicato Independente dos Médicos marca greves "cirúrgicas" para dilatar os fins de semana, e o Governo promete ser tão inoperante, passivo e laxista quanto o foi em anteriores situações.
A greve dos pescadores do arrasto prolonga-se há quase dois meses, as importações de Espanha aumentam, o pescado encarece para os consumidores, os pescadores já não têm dinheiro para sustentar as suas famílias, mas o Governo permanece impávido, mudo, surdo e cego. Em vez de procurar mediar e resolver o conflito, a sua aposta objectiva do Governo, é obrigar os trabalhadores a vergarem-se pela pressão da miséria e da fome.
Os cerca de 600 estudantes do Instituto Superior de Tecnologias da Saúde há já dois meses que lutam em defesa dos seus direitos e das expectativas legitimadas pela inacção do Governo ao longo de três anos. Quando, no início do mês, o Grupo Parlamentar do PCP aqui trouxe esta situação dramática, o Governo, através do grupo parlamentar do Partido Socialista, jurou e tornou a jurar que não estava a "dormir na forma", iria resolver o problema e já haveria soluções ensejadas. Passados mais quase um mês, a situação permanece como estava, os estudantes continuam com os seus legítimos protestos, agora à frente do Ministério da Educação, do Ministério da tal "paixão" que era para haver ... mas não houve. O Ministro Grilo continua a não querer resolver o drama que ele próprio ajudou a criar. Mas não teve qualquer pejo, ontem mesmo, em tentar acabar com os protestos através da repressão policial.
É condenável, é inaceitável que também este Governo comungue da doutrina de outros, em tempos não muito distantes, de que a solução de problemas e o fim de lutas sociais deve assentar na força das bastonadas.
Mas, senhor Presidente e senhores Deputados, esta inqualificável atitude do Governo ontem tomada na 5 de Outubro, é reveladora de que o Governo sente e sabe que os ventos não lhe correm de feição. O Governo, embora diga que não existem, sabe que os protestos e as manifestações populares se vêem. O Governo sabe que o descontentamento existe em muitas faixas da população portuguesa, em particular nos trabalhadores.
E o Governo mostra receio. Porque vive obcecado, apenas e só, pelos resultados eleitorais.
Como não quer resolver os problemas, procura calar os protestos. Mesmo que com a pressão da fome e à custa da bastonada.
Para desviar as atenções, recorre à diabolização das oposições, ainda que para isso tenha necessidade de recorrer a patéticas acusações de tentativas de assassinato político.
E para tentar contrabalançar as razões de descontentamento popular, não tem pejo nem limites no recurso a calendários e medidas eleitoralistas.
Guardar o momento da actualização extraordinária de algumas pensões de reforma, decidida há um ano, para o dia 1 de Junho, para doze dias antes de um acto eleitoral, só pode ter, só tem um objectivo eleitoralista.
Mas o anúncio ontem feito pelo Primeiro-Ministro, de que iria ser refeita a tabela de retenções na fonte em sede de IRS, de modo a reduzi-las, pode ser mais do que eleitoralismo, porque pode consubstanciar uma fraude cometida contra os contribuintes.
É um facto que as alterações introduzidas no IRS no OE para 1999, fizeram baixar a carga fiscal sobre a grande maioria dos contribuintes. Isso é um facto, e o PCP sabe-o melhor que ninguém, porque essas alterações e essa redução a ele se devem.
Mas é igualmente verdade que, em finais de Fevereiro deste ano, foram publicadas no Diário da República novas tabelas de retenção na fonte, tendo em atenção o aprovado no Orçamento de Estado. E é assim que para centenas de milhar de famílias as taxas de retenção na fonte baixaram, 2,5%, 3,5%, 4,5%, e que para escalões de rendimentos mais elevados essa baixa se cifrou em 1 ponto percentual.
Não podemos garantir que aquelas tabelas estejam totalmente rigorosas, porque não fomos nós que as elaborámos. Mas no Orçamento do Estado, o Governo admitia uma determinada evolução da receita nominal do IRS. E sucede que o valor acumulado das cobranças no final de Abril, isto é, já depois das compensações resultantes da aplicação das novas tabelas, apresenta uma evolução de receita exactamente igual à prevista. O que parece indiciar uma razoável adequação das tabelas às alterações introduzidas no OE em tributação do IRS.
E se essa adequação é razoável, então o anúncio de novas tabelas mais favoráveis só pode ter um significado e um objectivo: "adoçar a boca" dos contribuintes durante 1999, durante o período de realização de 2 eleições, para depois, já no ano 2000, quando forem feitos as liquidações definitivas do IRS, algumas centenas de milhar de famílias serem obrigadas a fazerem pagamento adicionais.
Entretanto, pensarão o Governo e o PS, as eleições já estarão passadas e os eventuais votos estarão contados.
Mas, senhor Primeiro-Ministro e senhores Deputados do PS, isto não é fazer política. Isso seria, pura e simplesmente, burlar os eleitores.
Disse.