Senhor Presidente,
Senhores Deputados,
No passado domingo o Senhor Primeiro-Ministro reuniu-se, no emblemático cenário
do Estoril, num almoço com a "nata" do grande capital nacional, dos representantes
dos maiores grupos económicos portugueses.
Repasto promovido pelo seu Ministro predilecto, o "cardeal" agora na pasta da
Economia, que não se cansa de repetir, entrevista após entrevista, que a sua
prioridade (e a do Governo) é reforçar e apoiar, de todas as formas, esses mesmos
grupos económicos. Para um Governo que se reclama de socialista, é politicamente
significativo que, ao mesmo tempo que no Conselho Económico e Social apresenta
vários projectos de propostas de lei visando reduzir, ainda mais, os direitos
dos trabalhadores, o seu Primeiro-Ministro se reuna com os grupos económicos.
À porta fechada. Para que publicamente não se saiba o que lá se passou.
Terá o Governo prometido aos grupos económicos, mais dinheiros para a "internacionalização",
mais propostas de lei contra o mundo laboral ou a intensificação de "joint-ventures"
de empresas de capitais públicos com os grandes grupos económicos? Quiçá ...
O que esse almoço não serviu, disso estamos certos, foi para o Governo instar
os patrões dos grupos económicos a conterem o crescimento acelerado dos lucros
e a distribuírem de forma mais justa e equitativa o produto da riqueza criada
pelos trabalhadores portugueses.
Pois se o Governo, no âmbito das suas competências, nada faz nesse sentido,
certamente não iria pedir aos "grandes patrões" que o fizessem por iniciativa
e condescendência própria.
E à saída do almoço o Sr. Primeiro-Ministro falou.
E disse: "garantido o Euro, temos agora que criar as condições para que a nossa
sociedade ... seja mais produtiva, tenha mais justiça e mais equidade".
Afirmação que reveste, igualmente, significado político relevante.
Com aquela declaração, o Primeiro-Ministro veio confirmar que o seu Governo,
durante estes dois anos e meio, apenas se preocupou com o Euro, com os critérios
nominais da união monetária.
Só agora, passado mais de metade do mandato do seu Governo, é que o Primeiro-Ministro
promete vir a preocupar-se com a "criação de condições" para que a economia
portuguesa produza mais, para que haja mais equidade na distribuição do rendimento
nacional.
Isto é, só agora o Governo, pela voz do seu principal responsável, promete vir
a preocupar-se com a convergência real. Desmentindo, categoricamente, o que
até há pouco apregoava: que a convergência nominal estava a ser acompanhada
da convergência real.
Poderão alguns Deputados do PS, mais socialistas que neo-liberais, dizer, ou
pensar, que ... mais vale tarde que nunca.
Mas a verdade, Senhores Deputados, é que, como diz o nosso povo, "de promessas
está o inferno cheio". Acrescendo que poderá começar a ser demasiado tarde.
Quanto a promessas, e olvidando por agora as múltiplas promessas eleitorais
não cumpridas, aí temos, por exemplo, a Comissão Europeia a dizer que o "plano
nacional de emprego" apresentado pelo Governo português é fundamentalmente retórico,
pois não integra as medidas que deveriam permitir atingir as metas definidas
em termos de reinserção dos desempregados jovens e de longa duração no mercado
de trabalho.
Quanto ao tardio, aí temos a Comissão Europeia a exigir ao Governo, já no Orçamento
para 1999, maior compressão nas despesas orçamentais e mais drástica redução,
ou mesmo eliminação, do défice orçamental.
E aí temos, ainda, Comissão Europeia a querer impor, agora sem subterfúgios,
que a política salarial portuguesa seja comandada pelo Banco Central Europeu
e não pelo Governo português.
Quanto a isto, que é o concreto, que é o essencial, o Governo assobia para o
ar.
O Primeiro-Ministro, atarefado com os almoços empresariais, com as inaugurações
de auto-estradas e outras e com o bem-estar material dos ex-membros do seu Governo,
finge desconhecer o que se está a passar.
O Ministro da Economia apenas vê, ouve e se preocupa com os grupos económicos,
não lhe restando sequer tempo para cumprir as promessas feitas aos trabalhadores
da SODIA ameaçados com um despedimento colectivo.
O Ministro dos Negócios Estrangeiros está excessivamente ocupado em impedir
que se saiba, cá dentro, que, lá fora, não se opõe à participação da Indonésia
nas reuniões da OCDE.
O Ministro das Finanças ... o Ministro das Finanças não se sabe por onde anda
nem o que faz. Só aparece quando há privatizações.
Mas sabe-se o que não faz.
Não faz publicar a legislação prometida para que o Tribunal de Contas possa
cumprir eficazmente e em tempo útil os seus deveres de fiscalização da gestão
dos dinheiros públicos. Ficará de certo na história deste Governo do PS o facto
insólito de o Tribunal de Contas se ver obrigado a fazer "um apelo público"
para pressionar o Governo a conceder-lhe os meios necessários ao exercício cabal
das suas funções.
À margem do disposto na lei, o Ministro das Finanças não faz nem manda fazer
concurso público para a adjudicação de uma campanha de propaganda politiqueira
sobre o Euro. Não faz esclarecimento público sobre o Euro, porque na sua opinião,
isso compete à "sociedade civil". Por ele, o Governo apenas está obrigado à
propaganda e a manter uma comissão do euro de 70 pessoas que, nas palavras do
ex-coordenador, "é uma espécie de depósito de adidos, que gastou em sete meses
muito dinheiro a mobilar-se e a publicar um boletim propagandístico e pouco
informativo". Nem tem o bom senso de ordenar a suspensão dessa campanha de propaganda
que, de tão mau gosto e isenta de qualquer qualidade, certamente envergonhará
os próprios defensores do Euro.
Nem faz qualquer reforma do sistema fiscal porque isso é, para ele, questão
menor, sem qualquer interesse para os portugueses. Além do mais, se alguma alteração
houver que fazer, certamente a Comissão Europeia, ou o Banco Central Europeu,
dirão o quê, o como e o quando. Basta-lhe cumprir o que o ECOFIN determinar.
A mais não se sente obrigado.
Senhores Deputados,
Este é um retrato actual da governação de um Governo que se diz socialista.
Nas palavras de um cronista num semanário do passado sábado é a governação do
"sorriso e da passividade", a pensar já, e só, nas próximas eleições legislativas.
Ou melhor, e parafraseando o mesmo autor, é um Governo que dizendo-se socialista
"realiza uma política que não é socialista", "que é a política dos outros, preparada
pelos outros e condicionada pelos outros".
Isso parece verdade. Mas é inequivocamente certo que o Governo não é obrigado
a isso.
A questão, o grande problema, é que ele, o Governo, diferencia-se insuficientemente
e confunde-se excessivamente, por vontade própria, com os "outros"... os neo-liberais,
os livre-cambistas, os monetaristas, quer os domésticos quer os da União Europeia.
Este é o busílis da questão.
Disse.