Declaração Política a propósito do almoço com representantes dos maiores grupos económicos portugueses
Intervenção do deputado Octávio Teixeira
20 de Maio de 1998

 

Senhor Presidente,
Senhores Deputados,

No passado domingo o Senhor Primeiro-Ministro reuniu-se, no emblemático cenário do Estoril, num almoço com a "nata" do grande capital nacional, dos representantes dos maiores grupos económicos portugueses.

Repasto promovido pelo seu Ministro predilecto, o "cardeal" agora na pasta da Economia, que não se cansa de repetir, entrevista após entrevista, que a sua prioridade (e a do Governo) é reforçar e apoiar, de todas as formas, esses mesmos grupos económicos. Para um Governo que se reclama de socialista, é politicamente significativo que, ao mesmo tempo que no Conselho Económico e Social apresenta vários projectos de propostas de lei visando reduzir, ainda mais, os direitos dos trabalhadores, o seu Primeiro-Ministro se reuna com os grupos económicos.

À porta fechada. Para que publicamente não se saiba o que lá se passou.

Terá o Governo prometido aos grupos económicos, mais dinheiros para a "internacionalização", mais propostas de lei contra o mundo laboral ou a intensificação de "joint-ventures" de empresas de capitais públicos com os grandes grupos económicos? Quiçá ... O que esse almoço não serviu, disso estamos certos, foi para o Governo instar os patrões dos grupos económicos a conterem o crescimento acelerado dos lucros e a distribuírem de forma mais justa e equitativa o produto da riqueza criada pelos trabalhadores portugueses.

Pois se o Governo, no âmbito das suas competências, nada faz nesse sentido, certamente não iria pedir aos "grandes patrões" que o fizessem por iniciativa e condescendência própria.

E à saída do almoço o Sr. Primeiro-Ministro falou.

E disse: "garantido o Euro, temos agora que criar as condições para que a nossa sociedade ... seja mais produtiva, tenha mais justiça e mais equidade".

Afirmação que reveste, igualmente, significado político relevante.

Com aquela declaração, o Primeiro-Ministro veio confirmar que o seu Governo, durante estes dois anos e meio, apenas se preocupou com o Euro, com os critérios nominais da união monetária.

Só agora, passado mais de metade do mandato do seu Governo, é que o Primeiro-Ministro promete vir a preocupar-se com a "criação de condições" para que a economia portuguesa produza mais, para que haja mais equidade na distribuição do rendimento nacional.

Isto é, só agora o Governo, pela voz do seu principal responsável, promete vir a preocupar-se com a convergência real. Desmentindo, categoricamente, o que até há pouco apregoava: que a convergência nominal estava a ser acompanhada da convergência real.

Poderão alguns Deputados do PS, mais socialistas que neo-liberais, dizer, ou pensar, que ... mais vale tarde que nunca.

Mas a verdade, Senhores Deputados, é que, como diz o nosso povo, "de promessas está o inferno cheio". Acrescendo que poderá começar a ser demasiado tarde.

Quanto a promessas, e olvidando por agora as múltiplas promessas eleitorais não cumpridas, aí temos, por exemplo, a Comissão Europeia a dizer que o "plano nacional de emprego" apresentado pelo Governo português é fundamentalmente retórico, pois não integra as medidas que deveriam permitir atingir as metas definidas em termos de reinserção dos desempregados jovens e de longa duração no mercado de trabalho.

Quanto ao tardio, aí temos a Comissão Europeia a exigir ao Governo, já no Orçamento para 1999, maior compressão nas despesas orçamentais e mais drástica redução, ou mesmo eliminação, do défice orçamental.

E aí temos, ainda, Comissão Europeia a querer impor, agora sem subterfúgios, que a política salarial portuguesa seja comandada pelo Banco Central Europeu e não pelo Governo português.

Quanto a isto, que é o concreto, que é o essencial, o Governo assobia para o ar.

O Primeiro-Ministro, atarefado com os almoços empresariais, com as inaugurações de auto-estradas e outras e com o bem-estar material dos ex-membros do seu Governo, finge desconhecer o que se está a passar.

O Ministro da Economia apenas vê, ouve e se preocupa com os grupos económicos, não lhe restando sequer tempo para cumprir as promessas feitas aos trabalhadores da SODIA ameaçados com um despedimento colectivo.

O Ministro dos Negócios Estrangeiros está excessivamente ocupado em impedir que se saiba, cá dentro, que, lá fora, não se opõe à participação da Indonésia nas reuniões da OCDE.

O Ministro das Finanças ... o Ministro das Finanças não se sabe por onde anda nem o que faz. Só aparece quando há privatizações.

Mas sabe-se o que não faz.

Não faz publicar a legislação prometida para que o Tribunal de Contas possa cumprir eficazmente e em tempo útil os seus deveres de fiscalização da gestão dos dinheiros públicos. Ficará de certo na história deste Governo do PS o facto insólito de o Tribunal de Contas se ver obrigado a fazer "um apelo público" para pressionar o Governo a conceder-lhe os meios necessários ao exercício cabal das suas funções.

À margem do disposto na lei, o Ministro das Finanças não faz nem manda fazer concurso público para a adjudicação de uma campanha de propaganda politiqueira sobre o Euro. Não faz esclarecimento público sobre o Euro, porque na sua opinião, isso compete à "sociedade civil". Por ele, o Governo apenas está obrigado à propaganda e a manter uma comissão do euro de 70 pessoas que, nas palavras do ex-coordenador, "é uma espécie de depósito de adidos, que gastou em sete meses muito dinheiro a mobilar-se e a publicar um boletim propagandístico e pouco informativo". Nem tem o bom senso de ordenar a suspensão dessa campanha de propaganda que, de tão mau gosto e isenta de qualquer qualidade, certamente envergonhará os próprios defensores do Euro.

Nem faz qualquer reforma do sistema fiscal porque isso é, para ele, questão menor, sem qualquer interesse para os portugueses. Além do mais, se alguma alteração houver que fazer, certamente a Comissão Europeia, ou o Banco Central Europeu, dirão o quê, o como e o quando. Basta-lhe cumprir o que o ECOFIN determinar. A mais não se sente obrigado.

Senhores Deputados,

Este é um retrato actual da governação de um Governo que se diz socialista.

Nas palavras de um cronista num semanário do passado sábado é a governação do "sorriso e da passividade", a pensar já, e só, nas próximas eleições legislativas. Ou melhor, e parafraseando o mesmo autor, é um Governo que dizendo-se socialista "realiza uma política que não é socialista", "que é a política dos outros, preparada pelos outros e condicionada pelos outros".

Isso parece verdade. Mas é inequivocamente certo que o Governo não é obrigado a isso.

A questão, o grande problema, é que ele, o Governo, diferencia-se insuficientemente e confunde-se excessivamente, por vontade própria, com os "outros"... os neo-liberais, os livre-cambistas, os monetaristas, quer os domésticos quer os da União Europeia.

Este é o busílis da questão.

Disse.