Jornadas Parlamentares do PCP
Intervenção de Carlos Carvalhas
8 de Maio de 1998

 

Quem acompanha mais de perto e com atenção a vida parlamentar e não se fica apenas pelos aspectos mais teatrais e mediáticos sabe que o nosso grupo parlamentar desenvolve, uma grande actividade legislativa e construtiva, a par de uma fiscalização rigorosa e que com grande empenho procura dar voz aos problemas mais vivos e sentidos pelos trabalhadores e pelas populações.

Somos pela orientação e pela prática, oposição de esquerda.

Isto significa na nossa intervenção que apoiemos sem qualquer dificuldade tudo o que nos parece ser positivo para o povo e para o país e que combatemos e rejeitamos firmemente a política de direita venha ela do PSD, do PP ou do PS.

Combatemos e rejeitamos a política de concentração da riqueza e da acentuação das desigualdades, tenha ela o nome de ajuda à internacionalização dos grandes empresários, de privatização ou de mero benefício fiscal.

Combatemos e rejeitamos as políticas de inspiração neo-liberal que têm vindo a fragilizar o nosso aparelho produtivo cada vez mais dependente e subcontratado. A propaganda não tapa a realidade de um défice comercial crescente e que ronda já os 1,8 mil milhões de contos.

Combatemos e rejeitamos uma política que tem acentuado as desigualdades, os vínculos laborais precários, a desregulamentação laboral e que continua a não dar resposta aos mais de 500 000 desempregados.

Combatemos e rejeitamos uma política que declarou que iria fazer da droga o inimigo número um, mas que continua a privilegiar o marketing político pese embora tal ou tal medida pontual positiva e o trabalho aturado dos técnicos desta área.

Combatemos e rejeitamos a política dos jobs for the boys quer ela tenha sido praticada pelo PSD ou agora pelo PS agravada por toda a retórica moralista que este partido desenvolveu na campanha eleitoral.

Combatemos e rejeitamos a política de favorecimento dos grupos económicos amigos à custo do erário público, tenha sido ela praticada pelo PSD ou agora pelo PS.

E por isso mesmo o nosso grupo parlamentar deve nestas jornadas avaliar da possibilidade de tomar por si, a iniciativa de promover um inquérito parlamentar sobre todos os favorecimentos e decisões muito pouco claras tomadas quer pelo governo do PS quer pelos governos de Cavaco.

O PS não pode fugir pela porta lateral dizendo que entregou o caso à Procuradoria Geral da República, pois as questões não se prendem com a legalidade no sentido restrito, mas sim com a equidade e a verdade dos actos administrativos na utilização dos dinheiros públicos.

Por sua vez o PSD também não pode fazer de conta que o que passou já passou e que agora só contam os casos presentes. Tem de ser coerente e não pode mostrar que "assimilou e assume a ideia" que nos Governos de Cavaco o poder político esteve subordinado ao poder económico, parafraseando uma sua deputada.

Uma outra questão que o nosso grupo devia avaliar era a da possibilidade de intervenção no sentido de atenuar a injusta distribuição do Rendimento Nacional e de combater as cada vez mais extensas bolsas de pobreza.

Não se pode aceitar que a distribuição do Rendimento Nacional continue a penalizar os rendimentos de trabalho ainda por cima num clima de crescimento económico.

Não se pode aceitar que milhares e milhares de famílias e milhares e milhares de trabalhadores e de reformados ficam à margem do crescimento económico.

E neste sentido pensamos que o grupo parlamentar devia avaliar a possibilidade de com urgência avançar com uma iniciativa legislativa atribuindo aos reformados, nomeadamente aos de mais baixas reformas, um aumento extraordinário de 3000$00.

Seria uma medida de efectiva justiça social e de combate à pobreza pois esta tem também origem em reformas muito degradadas e seria também uma medida de dinamização da actividade económica.

Após os festejos sobre o parto do Euro ouve-se agora com cada vez mais insistência que para o êxito da decisão tomada são necessárias reformas.

É um novo eufemismo para dizer que o Governo, para continuar a cumprir os critérios de Maastricht tem de se desresponsabilizar das suas funções sociais.

Fala-se na reforma da segurança social, da saúde, do ensino e com voz mais baixa na reforma fiscal.

Mas em que sentido é que se querem essas reformas?

Na segurança social é cada vez mais claro que com pezinhos de lã, o que se pretende é criar gradualmente, uma segurançazinha de baixo patamar para os pobrezinhos, e deixar o lucrativo para as seguradoras privadas. No ensino e na saúde o que se pretende é o mesmo. É no fim de contas levar à prática, com muito verbalismo caritativo, em que é especialista este Governo, a máxima de que quem quer saúde e ensino que o pague. Quanto à reforma fiscal, como há as propostas positivas da Comissão Silva Lopes, o Governo entende que o melhor é esquecê-la.

Ao mesmo tempo têm em sede de Concertação Social propostas que tirando o embrulho retórico o que pretendem é precarizar ainda mais os vínculos laborais, restringir o conceito de retribuição e das férias fazendo depender estas da assiduidade!

Um fartote! E tudo isto com a assinatura de um Governo socialista! É por isso que o PSD tem cada vez mais dificuldade em se apresentar como alternativa e só lhe resta o acessório e a gritaria oposicionista para disfarçar a sua concordância com o essencial.

Cabe também ao nosso grupo parlamentar na esfera da Assembleia da República, com seriedade mas também com firmeza não deixar que a mentira passe por verdade, isto é, que o grande oposicionismo verbal do PSD não esconda a convergência no essencial com a política do Governo. De agora em diante é isso que vamos ter. O PS é o responsável pelas sucessivas cedências e acordos que fez com o PSD da trapalhada e da desconfiança com que muitos vêem hoje essa importante reforma que é a Regionalização, assim como são os responsáveis pela vergonha e pelo descrédito que é para a Assembleia da República, depois de ter aprovado a lei sobre a despenalização do aborto, ter agora de esperar pelo resultado do referendo.

É conhecida a nossa posição sobre esta questão e a nossa coerência política.

Por isso o nosso Partido vai defender abertamente o "Sim", não se escondendo atrás de movimentos de cidadãos que também apoiamos, nem vai ficar numa posição de um "nim " à Pilatos, que é cada vez mais uma especialidade do Governo PS.

No nosso partido também não há dirigentes que há oito anos aprovaram a lei sobre a despenalização sobre o aborto e que agora afirmam publicamente estarem com o "Não", nem há elementos da juventude que abraçam os seus pares em pose para a imagem quando a lei foi aprovada para agora darem o seu acordo a que o seu partido fique sem posição oficial no referendo!... A coerência pode ter custos, mas por isso mesmo é a coerência.

A nossa postura será assim a de defender o conteúdo da lei aprovada na Assembleia da República, lutando para que o "Sim" saia vitorioso.

A nossa posição testemunha também nesta matéria uma clara sensibilidade e atenção aos agudos problemas da nossa sociedade.

A alternativa que vamos enfrentar não é entre o "ser pelo aborto" ou "ser contra o aborto".

Nas condições actuais, a alternativa é entre o aborto clandestino e o aborto legal com segurança, informação e prevenção. A nossa posição não visa promover o aborto, mas sim promover esse indiscutível progresso que será o de transferir o recurso ao aborto da esfera clandestina para a esfera da defesa da legalidade e da segurança médica. E como é evidente a legalização proposta não cria nenhuma obrigação aos que não pretendem usufruir dessa possibilidade legal. Cada um pode decidir de acordo com a sua consciência e vontade. A legislação em vigor por ser fortemente restritiva cria coacção e clandestinidade. É por isso que nos batemos por legislação que valoriza a liberdade, a dignidade e a responsabilidade.

É conhecida a nossa crítica fundada sobre as voltas e as reviravoltas do PS em relação aos processos e aos acordos de bastidores com o PSD no sentido dos referendos sobre a regionalização e sobre a interrupção voluntária da gravidez.

O PCP declina qualquer responsabilidade nestes caminhos e nas eventuais fracturas que estes venham a produzir na sociedade, ou nas dificuldades que eles venham a introduzir à concretização de importantes reformas para o país. Mas declaramos que nestas batalhas, o PCP não terá um papel passivo, que lutará com empenho pelo seu êxito, serenamente, mas com decisão e determinação.

Teremos uma postura ofensiva e mobilizaremos as nossas forças, sem hesitação e com uma só cara.

É com a seriedade, o rigor, o trabalho e o estudo dos problemas que pautamos a nossa intervenção. A nossa intervenção política é reconhecida positivamente por muitos cidadãos sem partido e nomeadamente nas camadas mais jovens.

O reforço da nossa intervenção e o reforço da influência do nosso Partido em todas as frentes é fundamentalmente para uma mudança de rumo na política nacional.

Portugal e os portugueses não estão condenados a uma política de inspiração neo-liberal ao serviço dos grandes interesses e dos grandes senhores do dinheiro, disfarçada aqui e ali pela retórica social.

É com este entendimento que continuamos a nossa intervenção e a nossa luta. Desejo-vos pois umas boas jornadas, um bom debate, um bom trabalho.