Declaração Política
Intervenção do deputado Octávio Teixeira
24 de Setembro de 1997

 

Senhor Presidente
Senhores Deputados

Em termos práticos, a Assembleia dá hoje início à terceira sessão legislativa desta legislatura, entramos na segunda metade do mandato normal do Governo.

E, há poucos dias atrás, o Ministro Adjunto do Primeiro-Ministro lançou para a praça pública o mote da estratégia política para o Governo e para o PS: "é preciso arrepiar caminho".

Entendemos o que o Ministro Adjunto e reponsável-mor pelo aparelho partidário do PS pretende com este seu grito de alma: transmitir para a opinião pública a falsa ideia de que o que passou já passou, é para esquecer, e de que o Governo e o PS vão entrar numa nova fase e, alegadamente, por caminhos diferentes.

Percebemos que o Governo e o PS sintam essa necessidade, pois que o "estado de graça" de que beneficiaram está irremediavelmente esgotado, as expectativas criadas completamente goradas e a credibilidade do Governo profundamente posta em causa.

Entendemos e percebemos as razões e os receios que motivam o Governo e o PS, e a necessidade que sentem de significar a intenção de alterar alguma coisa para que tudo permaneça igual.

Mas queremos desde já deixar claro que o PCP combaterá firmemente essa estratégia de recriação de ilusões.

Não é uma nova fase de acção governativa e actividade parlamentar que se nos apresenta pela frente. Bem pelo contrário, é a continuação da acção que o PS, no Governo como na Assembleia da República, desenvolveu nos dois últimos anos.

Desde logo, o reinício dos trabalhos parlamentares não significa o período pós-revisão constitucional, antes se apresenta em boa medida como um prosseguimento dessa lamentável e desastrosa revisão.

Opusemo-nos ao essencial da Revisão Constitucional negociada entre o PS e o PSD. E queremos dizer inequivocamente que essa nossa oposição activa se vai manter. Designadamente em todos aqueles aspectos em que a revisão constitucional abriu portas que nunca deveriam ter sido abertas, mas que nada obriga a que sejam transpostas.

Em particular, combateremos firmemente as intenções de uma alteração do sistema eleitoral que, quer pela redução do número de deputados quer pela instituição de círculos uninominais, visa pura e simplesmente potenciar administrativamente uma bipartidarização do sistema político que garanta a alternância no Governo assente nas mesmas políticas, com a consequente degradação do regime democrático.

Continuaremos a pugnar pela concretização da Regionalização Administrativa do País, enquanto reforma estrutural capaz de potenciar o desenvolvimento regional equilibrado e de contribuir eficazmente para combater e reduzir as assimetrias regionais. Mas continuaremos a responsabilizar o PS por todos os obstáculos que o PSD e o PP continuem a colocar à concretização da regionalização. Como aquele que já foi iniciado, procurando lançar a confusão com alegadas dúvidas sobre a percentagem de votantes necessários para validação dos referendos negociados pelo PS com o PSD e o PP.

Do mesmo modo o início da segunda metade do mandato normal do Governo não significará um "arrepiar de caminho", antes a continuação das mesmas orientações de política económica e social.

Designadamente o prosseguimento do fundamentalismo do Governo quanto à participação de Portugal na moeda única, com tudo o que isso representa de negativo para os portugueses, quer em termos económicos quer sociais.

Fundamentalismo que está já a pôr em causa a própria possibilidade de, nos anos próximos, Portugal continuar a ter acesso ao Fundo de Coesão.

É certo que Governo reconhece agora, pela voz do Secretário de Estado dos Assuntos Europeus, aquilo que sempre tem negado, ou seja, que " é obvio que os critérios de convergência nominal têm muito pouco a ver com a convergência real da economia". Mas a verdade é que o Governo persiste em não retirar dessa evidência todas as necessárias ilações e consequências.

Sendo iniludível que os resultados obtidos no campo da convergência nominal, que para o Governo continua a apresentar-se como objectivo central, não podem esconder a persistência e agravamento dos problemas da estrutura real.

Aí está para o mostrar, por exemplo, o completo falhanço do chamado programa de recuperação de empresas, mais conhecido por "plano Mateus". Falhanço que radica as suas raízes essenciais nas orientações básicas da política económica que inviabilizam as hipóteses de recuperação da enorme maioria das empresas portuguesas potencialmente interessadas em aderirem a um plano com aquele objectivo.

É certo que o Governo se gaba, a torto e a direito, do desempenho macro-económico da economia portuguesa, em particular da evolução do PIB.

Apetecia-nos dizer o mesmo que, em tempos idos, o actual Primeiro-Ministro dizia ao Governo do PSD: é que tal se deve à evolução do ciclo económico, coisa que nem a acção do Governo consegue contrariar. Mas não o diremos.

O que afirmamos é que esses rasgados e permanentes auto-elogios vêm afinal mostrar que, contrariamente ao propagandeado, o que preocupa o Governo são de facto os números, e não as pessoas.

Porque essa evolução macro-económica não se reflecte na melhoria de vida da maioria dos portugueses.

Aí está o INE a demonstrá-lo. É lamentável, é indesculpável, e é simultaneamente significativo, que o Governo do PS tenha conseguido a triste proeza de em 1996, e pela primeira vez na década de 90, a parte do Rendimento Nacional afecta às remunerações do trabalho (incluindo as contribuições patronais para a Segurança Social) tenha sido inferior à parcela apropriada pelo excedente bruto de exploração.

A verdade, senhor Presidente e senhores Deputados, é que não vamos entrar numa nova fase da governação.

Vai, isso sim, prosseguir o sentido único de um Governo que se compraz com a evolução macroeconómica, desdenha o "pequeno pormenor" de estar a agravar a já forte injustiça preexistente na distribuição funcional e pessoal do Rendimento, e não mostra preocupação com o mais que provável recrudescimento acelerado do desemprego no final do primeiro trimestre de 1998, quando se verificar o coincidente término de trabalhos gerados pela EXPO 98, pela construção da nova ponte sobre o Tejo e pelas obras de ampliação da Ponte 25 de Abril.

Um Governo que não tem pudor em manifestar publicamente a intenção de prosseguir no próximo ano a mesma política de rendimentos que gerou aquele nefasto resultado em 1996 e certamente agravado em 1997. Uma política de rendimentos em que o Governo propõe que a evolução salarial se faça ao nível da inflação esperada, sendo a totalidade dos ganhos de produtividade apropriada pelos lucros.

Um Governo que continua a não ter vontade política para impor a efectiva redução do horário de trabalho semanal que ele próprio prometeu. E desde já queremos tornar claro que o PCP não se demitirá deste combate, antes o reforçaremos com o início da segunda fase da aplicação da lei, em 1 de Dezembro, com a aplicação obrigatória do horário máximo das 40 horas semanais a todos os trabalhadores portugueses.

Um Governo, afinal, que para garantir o papel de bom aluno no cumprimento do critério nominal do défice orçamental sacrifica a execução do Quadro Comunitário de Apoio e não tem pejo em recorrer a manobras contabilísticas que abalam definitivamente a imagem de rigor com que se tentou vestir.

Porque é a continuação destas políticas e destas orientações que o Governo e o PS nos guardam para a nova sessão legislativa, podem o Governo e o Grupo Parlamentar do PS contar com a permanência da nossa oposição.

Seremos oposição firme, serena e frontal às vossas políticas.

Diversamente de outros, continuaremos a não precisar de fingir que somos oposição.