Senhor Presidente,
Senhores Deputados
Ao assinalar e celebrar os 30 anos da Constituição da República queremos manifestar o nosso apreço em primeiro lugar aos militares de Abril que decidiram convocar o povo português para que exercesse o direito e a liberdade do voto visando a eleição de uma Assembleia Constituinte, povo que participou e votou numa inigualável percentagem de 91%.
Manifestar o nosso apreço aos deputados Constituintes que com o seu honroso trabalho lhe deram forma e selaram em compromisso colectivo com Portugal livre, democrático, de progresso e independente que a Constituição de 1976 consagrou.
Tivemos essa Constituição, porque houve uma luta prolongada dos trabalhadores e do povo português, porque houve uma revolução, a Revolução de Abril, que a Lei Fundamental quis acolher na sua matriz, expressando e consagrando valores, conquistas, mudanças e transformações de um tempo de viragem e de ruptura com a ditadura fascista, a opressão e o colonialismo e a guerra, tempo em que os trabalhadores e o povo tiveram o voto e a palavra, que não escreveram a Constituição mas fizeram com que nela fossem inscritos aqueles sonhos resgatados, aquelas coisas concretas como a liberdade de expressão, o direito de participação e manifestação, o direito ao trabalho e à segurança no emprego, a salários e horários justos, à saúde, ao ensino, à segurança social, à liberdade sindical e das comissões de trabalhadores, a fazer greve sem perigo de prisão, à contratação colectiva, à igualdade no trabalho, na família, na sociedade, o direito a ter uma pensão ou reforma, a direitos novos das crianças, dos deficientes, ao acesso à justiça.
Com uma matriz avançada na definição da República como “um Estado de direito democrático baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica, social e cultural e aprofundamento da democracia participativa”.
Uma Constituição que não ficou neutra nem “em cima do muro” quando, no dilemático confronto entre os grandes interesses económicos e os direitos dos que vivem dos rendimentos do seu trabalho, fez opção, privilegiando os direitos do trabalho e dos mais vulneráveis e desprotegidos.
Uma Constituição que exige a sobreposição do poder político sobre o poder económico, dando prevalência ao apoio das pequenas e médias empresas, dando incumbências ao Estado para promover uma política de desenvolvimento económico com instrumentos fundamentais para a sua concretização.
Uma Constituição que em consequência da Revolução de Abril abriu as portas ao mundo afirmando a soberania e a independência nacional como princípios inalienáveis, promovendo a paz e a cooperação entre os povos do mundo.
Com 30 deputados, em 250 eleitos, o PCP orgulha-se de ter dado uma qualificada contribuição e a que se seguiram nestes últimos 30 anos árduos combates não só em sua defesa mas também na exigência do respeito pelas suas normas, valores e projecto e pela sua efectivação.
A Constituição que hoje celebramos teve desde a fase da sua construção inimigos declarados e amigos de circunstância. Os sectores mais retrógrados, comprometidos e beneficiários do regime ditatorial nunca a suportaram, e muito menos se conformaram com o seu projecto libertador e emancipador, sempre a entenderam como um obstáculo ao restauracionismo, reposição e afirmação dos seus interesses e das parcelas do domínio perdido.
Insistiram ciclicamente, procurando sempre em cada revisão dar passos no seu empobrecimento. Em nome do seu aperfeiçoamento ou das “revisões possíveis”, numa linha de cedência do PS, ela foi amputada da protecção constitucional a grandes transformações sociais e económicas que permitiram a reconstituição dos grandes grupos económicos monopolistas e do seu domínio o que, ao mesmo tempo que fragilizou a possibilidade de desenvolver e afirmar uma democracia económica, passou a condicionar e a fazer regredir as outras componentes da democracia nomeadamente a política e a social. Cada passo dado justificam o passo seguinte
É impressionante a confissão de que os sucessivos governos não a respeitaram nem efectivaram com consciência de que o andaram a fazer. O estado em que o país se encontra deveria constituir prova de que errada não estava a Constituição. Erradas foram as políticas.
Apesar disso, não conseguiram apagar em termos globais os valores da
liberdade, democracia, desenvolvimento, justiça social e independência
nacional que era ideal e projecto do acto e do processo mais moderno e avançado
da nossa época contemporânea: a Revolução de Abril!
Aí estão, como mostrengos, todos aqueles que na sua voragem e
sede insaciável do lucro e privilégio, acompanhados pelas seus
cinzentos e bem pagos tecnocratas que empinaram a cartilha neoliberal, a culpar
a Constituição das dificuldades do país, a actualizar (como
o fizerem no Conclave do Beato) o caderno reivindicativo contra Abril, contra
os trabalhadores e os seus direitos, vertendo o seu ódio contra a Constituição.
Constitui um dos maiores embustes politico-ideológicos considerar novo e moderno o retrocesso social com eliminação do direito à saúde e ao ensino, considerar “novo e moderno” relações laborais e contratuais que vigoravam há um século atrás. Considerar “novo e moderno” concentrar a riqueza num punhado de grupos e pessoas com sacrifício da equidade na repartição da riqueza em prejuízo da esmagadora maioria dos portugueses, considerar “novo e moderno” a imposição da lei do mais forte atirando para a ruína, a exclusão, o desemprego e a pobreza, milhões dos nossos concidadãos e fazer regressar o Estado caritativo e da esmola.
Virão os herdeiros do testamento do voto contra a Constituição, sob a capa de adjectivos modernos, reapresentar valores e propostas velhas a exigir uma outra Constituição despojada do seu projecto de democracia.
Noutra frente, outros esperam que a denominada “cooperação estratégica” alcance pela janela o que não conseguiram pela porta, através da prática perversa para a não efectivação, desvalorização e desvirtuamento da Lei Fundamental.
Diz a nossa Constituição que o poder reside no povo através da representação mas também da participação. Os trabalhadores, os reformados, a juventude, os homens de mulheres que se identificam com a democracia, que estão inquietos com o seu país, continuam a ser a imensa maioria que está em condições de defender a Constituição e o seu projecto.
Senhor Presidente.
Senhores Deputados
Celebramos os 30 anos da Constituição de Abril num tempo em que prevalecem os valores do egoísmo e do individualismo, se sucedem o discurso da inevitabilidade e dos apelos ao conformismo, tempo de acentuação das desigualdades sociais e regionais legitimadas em nome de interesses mesquinhos dos poderosos, e tempo em que o lucro, desmedido e sem limites, se transformou no bezerro de ouro da nossa época moderna, que faz vergar e submeter o poder político democrático.
E, no entanto, celebramos esta Constituição com aquela confiança
e esperança em quem reside o poder: no povo!
Povo que ao longo da nossa história soube sempre tomar nas mãos
o seu próprio destino.
Uma confiança e esperança que não fica à espera.
Que se transforma em acção e em luta pela mudança e na
retoma do caminho que a Constituição projecta para Portugal de
uma democracia alicerçada nas suas vertentes política, económica,
social e cultural, por uma vida melhor para os portugueses.